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Como o feminismo se relaciona com a pauta ambiental

Saiu no site NEXO

 

Veja publicação original:  Como o feminismo se relaciona com a pauta ambiental

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Professora de Yale, Alyssa Battistoni falou ao ‘Nexo’ sobre semelhanças do tratamento dispensado pela sociedade às mulheres e à natureza

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Juliana Domingos de Lima

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Apesar de não ser completamente nova, a intersecção entre a defesa do meio ambiente e da igualdade de gênero tem ganhado um novo fôlego com os movimentos feministas de anos recentes e o combate às mudanças climáticas.

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As pautas se cruzam de alguma maneira nas greves globais pelo clima, criadas pela adolescente Greta Thunberg, nos movimentos indígenas e no Green New Deal americano, resolução defendida por deputados democratas que propõe uma mudança de paradigma na economia do país para alcançar emissão zero de gases do efeito estufa até 2030.

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Professora de teoria política na Universidade Yale, nos Estados Unidos, Alyssa Battistoni pesquisa as maneiras como economia política, feminismo e política ambiental se cruzam. Ela veio ao Brasil para ministrar uma aula sobre feminismo e ambientalismo no Festival Agora É Que São Elas, em São Paulo, no domingo (22).

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FOTO: MAURICIO A BBADE/NEXO

 A PROFESSORA DE YALE ALYSSA BATTISTONI

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Battistoni falou pessoalmente ao Nexo na sexta-feira (20) sobre a conexão entre as duas causas, o aumento da participação feminina no combate ao aquecimento global e as posturas dos presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro com relação às mulheres e o meio ambiente.

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Qual a ligação entre feminismo e ambientalismo?

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ALYSSA BATTISTONI Eles estão conectados porque, com frequência, a natureza e as mulheres foram tratadas de forma semelhante. As mulheres muitas vezes são encaradas como próximas à natureza ou como parte dela. Quando se tem a ideia de que a natureza pode ser dominada ou usada como um recurso para outros fins, há o entendimento de que pessoas que fazem parte dela, incluindo as mulheres, podem ser tratadas dessa mesma maneira.

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Não foi assim em todos os momentos da história, mas nas sociedades ocidentais modernas, a natureza é apenas um recurso. Muitas feministas tentaram chamar atenção e estabelecer uma conexão [entre as duas causas], mas surgiram concepções diferentes sobre essa comparação [entre mulheres e natureza].

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Alguns dizem que o fato de as mulheres serem associadas com a natureza ou tratadas como parte dela é ruim, e que deveríamos tentar nos dissociar da natureza, nos libertar de sermos vistas como parte dela para sermos tratadas como plenamente humanas, assim como os homens são.

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Outros se perguntam por que a natureza é tão mal tratada, e defendem que deveríamos tratar tanto as mulheres quanto a natureza melhor.

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Esse é um resumo muito geral, mas há uma longa linhagem de pensamento sobre mulheres e natureza, e há o ecofeminismo, que está tentando unir essas perspectivas, dizendo que podemos entender mais sobre as sociedades, a economia e, em particular, sobre o capitalismo, se compreendermos as mulheres e a natureza.

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Como você exemplifica esse tratamento similar dado às mulheres e a natureza?

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ALYSSA BATTISTONI É particularmente importante pensar na relação da economia tanto com o trabalho das mulheres quanto com o trabalho da natureza. O trabalho que normalmente é feito pelas mulheres não é altamente valorizado, com frequência é feito por salários muito baixos, em más condições, e é tratado como algo que as mulheres são “naturalmente” aptas a fazer.

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É muito parecido com a atividade ecológica e o trabalho da natureza. Sabemos que muita atividade ecológica é realizada na Amazônia, por exemplo, e nos diferentes tipos de ecossistemas no mundo para manter o planeta habitável, para nos manter vivos. Mas isso não é valorizado. Colocar uma plantação de cana ou criar gado no lugar é mais valioso.

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Precisamos prestar mais atenção a essas coisas que a natureza faz e que são importantes para vivermos. E olhar para o pensamento feminista sobre a economia e sobre o trabalho é muito importante para entender como valorizar mais esses ecossistemas.

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Muitos textos clássicos da economia política, de [David] Ricardo, [Adam] Smith e [Karl] Marx, falam sobre os “presentes da natureza”, aquilo que a natureza nos dá e que não precisamos retribuir, podemos só usar. Claro que, a certa altura, estamos entendendo que não podemos usá-los para sempre. Acho que o trabalho das mulheres é frequentemente tratado como um presente da natureza, algo que simplesmente está ali.

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A proximidade entre as duas causas ajuda ou atrapalha a agenda ambiental?

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ALYSSA BATTISTONI Não quero dar a entender que apenas mulheres ou pessoas que se identificam como feministas devem estar preocupadas com o meio ambiente, que são só elas que podem lutar efetivamente por ele e ser parte de um movimento político pela proteção ambiental.

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Acho que alguns tipos de ecofeminismo às vezes sugerem que as mulheres são as mais aptas a cuidar do meio ambiente. Não concordo com isso e não acho que é isso que deveríamos estar propagando. Na verdade, todo mundo pode e deve querer viver em um mundo sustentável, todo mundo precisa proteger o meio ambiente. Esse é um movimento que deveria incluir todo tipo de gente.

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Mas há conexões específicas [dessa pauta] com os movimentos feministas e, além disso, entendemos melhor os problemas ambientais se olharmos para o tipo de análise feminista que eu venho sugerindo. Os movimentos feministas existentes já estão conectados aos movimentos ambientais. Não significa dizer que, agora, ele é somente um projeto feminista. Mas acho que ambos têm muito em comum.

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A crise climática com certeza afetará algumas mulheres de forma mais drástica. Sabemos que a mudança climática irá afetar as pessoas mais vulneráveis de maneira mais intensa e severa em muitas partes do mundo.

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Isso inclui as mulheres, que tendem a ser mais pobres, dependem mais da agricultura de subsistência e são responsáveis por cuidar de outros membros da família. Se as pessoas ficarem doentes por conta da poluição, de enchentes e coisas assim, isso provavelmente representará mais trabalho de cuidado além do que elas já fazem. Há muitas razões para que as mulheres sejam mais vulneráveis e mais afetadas pela mudança climática, mas é claro que depende [de quais mulheres estamos falando]. Ivanka Trump provavelmente não será muito afetada por isso. [risos]

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O movimento Fridays for Future, que organizou a greve global pelo clima desta sexta-feira (20), foi iniciado por uma adolescente. Você vê mais mulheres e meninas se envolvendo no ambientalismo?

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ALYSSA BATTISTONI Sim. Greta Thunberg me inspirou muito, assim como muitas mulheres que vêm liderando as lutas pelo clima há tempos. Pessoas como Naomi Klein, que vem nos dando o recado sobre o clima há anos e agora as pessoas finalmente estão começando a pegar. Gente do movimento sindical americano, como Jane McAleavey, que está tentando trazer os sindicatos para a política ambiental. Há também muitas outras mulheres se organizando pelo clima e de fato fazendo trabalho de base. Nos últimos anos, houve muito ativismo político de mulheres acontecendo e enriquecendo outras áreas e isso inclui o movimento pelo clima.

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Em conjunto com outros autores, você lançará em novembro um livro sobre o Green New Deal. Por que você acredita que esse programa é necessário?

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ALYSSA BATTISTONI Precisamos fazer muito para mudar quase tudo nas nossas sociedades, o que é muito intimidador, e o tempo está acabando. Acreditamos ser necessário um programa amplo de ação governamental, que vá além de taxar o carbono em alguns produtos e deixar o mercado gradualmente resolver o problema. Precisamos colocar ônibus elétricos nas ruas, para que as pessoas não usem carros. Precisamos construir linhas de transmissão de energia renovável e precisamos criar empregos verdes para fazer tudo isso.

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Executar isso é a parte difícil. Parte do nosso argumento é que ter programas sociais nesse plano ambiental não é enfiar coisas sem relação com a pauta. Na verdade, tudo faz parte do mesmo sistema e precisamos mudá-lo completamente. Além disso, é preciso tornar a ação climática tangível e real, senão ela é só algo abstrato. Precisamos dizer “bem, o programa é esse, há coisas nele que de fato irão melhorar sua vida e que tornarão possível continuar vivendo nesse planeta”.

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O que são empregos verdes?

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ALYSSA BATTISTONI É a ideia de que [a criação de] empregos não precisa estar contra o meio ambiente, e que alguns empregos podem beneficiá-lo. Normalmente, quando há um plano ambiental, alguém diz “mas e os empregos? Isso não vai cortar empregos? Vai prejudicar a economia”. Muitos trabalhos verdes estão na área de tecnologia renovável, por exemplo construindo ferrovias de alta velocidade.

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Mas acredito que o emprego verde deveria incluir muitos dos tipos de trabalho feitos predominantemente por mulheres, como de professora, enfermeira, e o trabalho doméstico. Muitos deles são trabalhos de baixo carbono e que melhoram a vida das pessoas. As pessoas não precisam escolher entre o sustento e a sobrevivência do planeta.

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Qualquer pessoa pode realizar esses trabalhos, eles não deveriam estar ligados aos papéis de gênero dessa forma. Há uma maioria de homens trabalhando em minas de carvão nos Estados Unidos, e eles poderiam ser professores. Já há mais homens indo para áreas como a enfermagem porque o serviço de saúde é onde está o maior crescimento de vagas no país. Vejo isso como parte de um mundo mais sustentável.

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Da forma como imaginamos, o Green New Deal é um programa que deve incluir todas as pessoas, sem deixar ninguém pra trás. Mas muitos aspectos dele enfrentam diferentes tipos de desigualdades da sociedade americana – econômicas, raciais e de gênero.

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Uma das maneiras pela qual o programa faz isso é pensando os empregos verdes nas áreas predominantemente ocupadas pelas mulheres, apoiando a expansão das vagas mas também a sindicalização, pagando salários melhores e fazendo com que as pessoas que realizam esses trabalhos tenham maior poder econômico.

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Tanto Trump quanto Bolsonaro foram criticados por sua posição sobre o meio ambiente e por seu comportamento com relação às mulheres. Qual o papel e a relação desses dois elementos na ascensão de políticos de direita pelo mundo?

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ALYSSA BATTISTONI É deprimente ver a ascensão desse tipo de política, com muito sucesso, nostálgica de um certo tipo de masculinidade, no que diz respeito a naturalizar os papéis de gênero, dizendo que homens são assim e mulheres são assado e que isso deve permanecer dessa forma.

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Eles são simultaneamente nostálgicos dessa masculinidade e de uma ideia de dominar a natureza para a produção industrial, de que essa é a maneira de obter riqueza e poder. Historicamente foi assim, mas vamos nos atirar do penhasco se continuarmos a fazer isso.

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Trump e Bolsonaro apenas encarnam verdades sobre como capitalismo e poder funcionam, essa necessidade de não deixar proteções ambientais ficarem no seu caminho, de transformar esses recursos [naturais] em algo que se pode vender.

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Eles são extremos, mas expressam nossa maneira de imaginar a riqueza e a prosperidade, que precisa mudar. Para mim, significa ter uma boa vida e desviar de coisas como a Trump Tower. Mas é difícil, porque [a mudança] faz aflorar um sentimento de perda por algumas pessoas que um dia tiveram isso e agora sentem que estão perdendo. Ainda que alguns nunca tenham tido nada disso.

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Trump e Bolsonaro não são na verdade uma ruptura com a norma, não estão indo numa direção diferente, apenas expressam isso de um jeito novo e tentam reverter o que agora parece um progresso muito limitado, o começo de um progresso.

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Não acho que eles conseguirão reverter completamente a mudança nas relações de gênero e nas proteções ambientais, mas me preocupo com o quanto já foram capazes de fazer. É possível fazer muito estrago em pouco tempo. É isso que me preocupa no momento: não temos tempo a perder e estamos indo na direção contrária.

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Em 2018, um número sem precedentes de mulheres concorreu e venceu as eleições nos Estados Unidos. Há quem diga que essa onda terá continuidade em 2020. Você vê um comprometimento maior com o meio ambiente vindo dessas candidatas?

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ALYSSA BATTISTONI Creio que sim, em parte porque muitas das mulheres que estão concorrendo são progressistas que estão desafiando o establishment e os políticos que não estão cumprindo com o que deveriam fazer e com aquilo que dizem defender. Por isso, em geral, elas tendem a ser mais progressistas com relação às questões ambientais, o que é ótimo.

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A [deputada] Alexandria Ocasio-Cortez foi uma voz poderosa na defesa do Green New Deal. Varshini Prakash, diretora do Sunrise Movement, também é uma mulher que tem atuado pela causa, e há muitas mulheres jovens nesse movimento. Isso vai continuar, com certeza. Novamente, não é necessariamente verdade que todas as candidatas terão boas políticas para o meio ambiente, mas acredito que a explosão de mulheres concorrendo faz parte dessa energia progressista.

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Por fim, é muito importante para mim criar conexões com outros países. Os Estados Unidos têm grande responsabilidade pela mudança climática, e estamos tentando fazer o Green New Deal acontecer, mas não podemos [conter a mudança climática] sozinhos. Me sinto muito entusiasmada com esse dia de greve pelo clima, ao ver todas essas fotos de pessoas pelo mundo tentando agir de alguma forma, e ver mulheres jovens no centro disso é incrível.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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