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Como criar meninos hoje

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Veja publicação original:  Como criar meninos hoje

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Em seu novo livro, o psicólogo norte-americano Michael C. Reichert, que estuda a infância há 30 anos, mostra que ainda estamos presos a estereótipos de gênero prejudiciais ao sexo masculino

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Por Malu Echeverria

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Na maioria de suas palestras, o psicólogo Michael C. Reichert, fundador e diretor do Centro para o Estudo da Vida de Meninos e Meninas da Universidade da Pensilvânia (EUA), tem de responder à pergunta “um menino precisa de um pai para crescer”? A resposta está em seu último livro, How to Raise a Boy: The Power of Connection to Build Good Men(“Como criar um menino: o poder da conexão para construir bons homens”, em livre tradução do inglês), que deve ser publicado no Brasil pela editora Versos em setembro. Mas, segundo o autor, que estuda a infância há cerca de 30 anos, não há evidências científicas de que somente um homem seria capaz de dar o suporte necessário para que um menino se torne um homem também. “Muitas famílias têm receio de que, na ausência de um pai, essa criança não aprenda o que é ser um homem forte. A verdade, no entanto, é que a força vem da conexão. E as mães são, com frequência, a primeira fonte desse amor”, afirma.

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Mas as lições de seu terceiro livro dedicado à educação de crianças do sexo masculino, no entanto, vão além. Para Reichert, as publicações sobre garotos, populares nos anos 90, ofereceram insights importantes. De um modo geral, porém, apresentavam visões polarizadas de que: a) os meninos são biologicamente levados à agressividade, brincadeiras violentas e comportamentos de risco; b) eles são vítimas tanto de sua genética quanto das normas sociais.

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O que falta, de acordo com o autor, é aquela parte em que deixamos a imaginação do garoto correr livre. Se ele não tiver um “script” do que é ser um homem, no futuro, poderá nos surpreender com suas escolhas. Só que a ênfase no aprendizado da masculinidade pode atrapalhar o desenvolvimento de sua humanidade, assim como a aquisição de habilidades necessárias para o seu sucesso no mundo atual. Em entrevista exclusiva à CRESCER, Reichert conta por que é fundamental valorizar os sentimentos do seu filho – e ensiná-lo a fazer o mesmo também – antes que seja tarde.

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No Brasil, 5,5 milhões de crianças não têm o nome do pai na certidão de nascimento*. Por isso, a pergunta: um menino precisa de um pai para crescer?
Acredito que existam muitas vantagens quando o pai é presente na vida do filho. Porque, assim, a criança tem a chance de observar a maneira que o homem “usa” sua masculinidade, humanizando esse papel. Mas muitas famílias têm receio de que, na ausência dele, essa criança não aprenda o que é ser um homem forte. A verdade, no entanto, é que a força vem da conexão. E as mães são, com frequência, a primeira fonte desse amor. Uma criança que não tem aceitação e amor incondicional da família será menos confiante em si mesma e mais vulnerável a influências negativas.

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No livro, o senhor afirma que o geralmente descrito como um comportamento da natureza dos meninos é, na verdade, uma adaptação ao meio em que vivem.
Exato. A neurociência nos ensina que meninos e meninas foram programados para se conectar com seus familiares e com os demais seres humanos. Além disso, estudos mostram que homens e mulheres sentem as emoções da mesma maneira, a diferença está apenas na forma como as expressam. No entanto, ao colocar nossos filhos dentro do que eu chamo de uma caixa masculina [normas culturais que determinam como um homem deve se portar], estamos incentivando-os a calar suas emoções.

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E qual o risco disso?
Nossas experiências e emoções têm de ser processadas pela mente, são elas que dão sentido a nossas vidas. Se um menino cresce ouvindo que não deve demonstrar jamais que está triste ou com medo, a única estratégia que aprende para gerir os próprios sentimentos é escondendo-os. O risco é ele ser “capturado” por essas emoções não manifestadas e, por fim, perder o controle sobre si mesmo. Essa criança provavelmente vai ser aquela que não coopera, que desafia e que se fecha, porque não sabe lidar com nenhum estímulo emocional. Isso também pode afetar a conexão dela não só com os pais como consigo mesma, pois ela não sabe exatamente quem é.

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Como ir na contramão da sociedade machista? Meu filho não corre o risco de ser ridicularizado?
Na verdade, o que vai gerar sofrimento a qualquer garoto é ter de se encaixar nesse padrão que eu chamo de “caixa masculina”. Porque ele não faz bem a nenhum menino, não somente àqueles que são  delicados, pouco atléticos… As pesquisas mostram que os que se habituam aos estereótipos tradicionais são os mais infelizes, ansiosos, depressivos e suicidas. Para todo e qualquer tipo de garoto, eu recomendo uma relação forte com alguém que o ame e o conheça a fundo, a fim de fortalecer sua habilidade para resistir às pressões masculinas e de outros colegas e ser quem ele realmente quer.

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É  verdade qu e o corpo masculino também é objetificado?
Sim, mas de maneira diferente do que o da mulher. Os meninos aprendem que seus corpos são máquinas, construídas para vencer. Por causa do mito do sexo “forte”, são treinados para suportar dor, exibir coragem e evitar qualquer tipo de vulnerabilidade. Sendo assim, não podem cuidar da própria saúde porque isso os faria parecer idiotas. Os maus hábitos, comportamentos de risco e vícios que muitos homens desenvolvem começam dessa forma, e cedo. Basta observar meninos em um playground: as brigas e o bullying físico são uma constante. É como se eles seguissem um roteiro, muitas vezes escrito por nós, adultos. E uma vez que aprendem a tratar a si mesmos dessa maneira objetificada, os meninos têm menos capacidade de sentir empatia. Torna-se mais fácil agredir.

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Por que fazemos isso ainda hoje e, o mais importante, como evitar?
Os pais acham que o filho vai virar um “molenga”, caso não sejam duros com ele. Sendo que o oposto é que é verdade. Ele precisa de conexão para adquirir resiliência. Não que o objetivo em si seja ruim, o que não tenho certeza é se os meios justificam o fim. Para fugir disso, em primeiro lugar, temos de mostrar aos meninos que o corpo deles é responsabilidade deles, ou seja, precisam se cuidar. Além disso, os pais devem levar a sério as dores dele. Isso não significa que o seu filho não possa jogar duro nas brincadeiras, no entanto, pais e mentores têm de evitar que se machuquem. E caso isso aconteça, demostrar que estaremos lá para acudi-los.

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Em março deste ano, houve um massacre em uma escola brasileira na cidade de Suzano (SP), onde dez pessoas morreram. Por que, nesses casos de tiroteios em massa, em geral os atiradores são homens?
Vergonha e raiva são os únicos sentimentos que os garotos podem sentir abertamente. Eles são subprodutos dessa masculinidade que projetamos neles. Incentivamos os meninos a sentir raiva, da mesma forma que os configuramos a sentir vergonha, uma vez que eles não correspondam ao ideal do que significa “ser homem”. Nenhum humano do sexo masculino, aliás, consegue. E isso tem um custo alto para eles. Esse modelo de masculinidade dá uma “licença” aos meninos para usarem da violência no dia a dia. Claro que há outros fatores que agravam o problema e levam os meninos a se tornarem atiradores, como doenças mentais, abuso de substâncias ilegais e histórico de bullying. Mas, em muitos desses meninos, encontramos um sentimento de vergonha que eles estão tentando compensar. São homens frágeis, e é como se pegar uma arma fosse seu último esforço em demonstrar masculinidade. Não é coincidência que 100% desses atiradores sejam do sexo masculino. Como diz o psicólogo americano William Pollack, os meninos choram balas porque não podem chorar lágrimas.

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O senhor acha que os brinquedos e a publicidade contribuem na arquitetura do que é ser menino hoje?
Sim. Acho que a separação de roupas e brinquedos “de menino” e “de menina” é um reflexo de que ainda perpetuamos estereótipos na infância. Os bonecos G.I. Joe, por exemplo, ganharam 20% mais músculos nas últimas décadas. Justo em um momento histórico em que a igualdade de gênero está florescendo, estamos exagerando nesses padrões como nunca. Para mim, isso representa o último esforço das normas masculinas, em decadência, para manter seu domínio. E de acordo com uma pesquisa feita com homens jovens do Instituto Promundo, ONG brasileira que promove a igualdade de gênero, 60% dessas mensagens confusas sobre o que significa ser homem vêm dos pais. Eu mesmo, que me considero informado sobre o assunto, conto no livro sobre um episódio em que exigi que meu filho, na época com 4 anos, enfrentasse uns meninos que não queriam jogar com ele. Na ânsia por ajudá-lo, passei a mensagem errada, de que duvidava de sua capacidade. Em vez de “você consegue”, é como se eu tivesse dito “você tem de conseguir!”.

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A tecnologia tem um impacto diferente sobre meninos e meninas?
Sim, porque o ambiente virtual também é influenciado pelo mundo real. O estereótipo de que a maioria dos jogadores seja homem faz com que os desenvolvedores criem jogos com apelos masculinos, o mesmo que ocorre com a pornografia. Eles também passam mais tempo online, embora isso esteja mudando. Como os jogos e as mídias sociais têm potencial viciante, acredito que os meninos são mais vulneráveis, já que se desconectam de suas famílias com mais frequência. Por isso, se você está preocupado que o seu filho anda jogando muito Fortnite ou outro game, minha dica é controlar o tempo de tela. Mas, paralelamente, você também tem de aumentar o tempo que passa com ele fazendo algo especial para fortalecer essa relação. Apenas ouça o seu filho. Como disse, a conexão é o segredo.

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Como as reflexões propostas no livro podem ser úteis a pais de meninas?
Acredito que as regras e os modelos que definem a masculinidade prejudicam a todos. Como mostra uma pesquisa do Instituto Promundo, os jovens que mais se enquadram nesses padrões são os mais propensos a praticar bullying e violência sexual. Por isso, é preciso que pais de meninos e de meninas entendam o amplo impacto social de tais normas.

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Como lidar de forma diferente com os estereótipos de gênero pode interferir no pai que esse menino vai se tornar?
Meninos que aprendem a se relacionar e a se conectar de verdade a partir de suas próprias experiências de apego seguro são, de acordo com as pesquisas, mais propensos a oferecer esse tipo de conexão em suas futuras relações, seja com cônjuges, seja com filhos. Se queremos formar pais capazes de oferecer relacionamentos verdadeiros a suas famílias, temos de oferecer o mesmo aos nossos filhos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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