HOME

Home

“Cadê o boy?”: o mundo não aceita mulheres no centro da própria existência

Saiu na UNIVERSA

Veja a Publicação Original

Hoje, quero trazer nessa coluna, as respostas para uma pergunta que me persegue há muitos anos, principalmente depois que me tornei uma pessoa “pública”, como referência em empreendedorismo e criadora de conteúdo. Uma das coisas que mais me questionam é: “por que seu marido aparece tão pouco nas suas redes sociais?”. Outra coisa que comentam bastante é: “nossa, eu nem imaginava que você é casada!”.

Sei que isso parece um assunto muito, muito íntimo, e é. Mas acho importante trazê-lo aqui, porque há muitas questões sociais e subjetivas que atravessam as minhas escolhas nesse sentido e pode ser que seja um tema legal para você, que está lendo, também pensar sobre você mesma, porque mostra reflexões que, se você é mulher, principalmente mulher preta, te dizem ou dirão respeito em algum momento.

Depois de 13 anos de casada e cinco anos trabalhando com a criação de conteúdo para a internet, acredito que consigo organizar melhor as ideias sobre isso. Então, vou responder aos questionamentos acima em tópicos.

Muitas pessoas se surpreendem ao saber que eu sou casada

Arrisco dizer que isso tem muito a ver com os estereótipos que cercam a vida das mulheres pretas. Por exemplo: você sabia que existe uma pesquisa que diz que a maioria das mulheres que sofrem o “celibato forçado”, ou seja, a maioria das mulheres que não se casam, que são abandonadas em suas relações, são mulheres pretas? Você pode somar isso ao fato de que sou uma mulher de corpo volumoso, antigamente endredada, hoje com cabelos curtíssimos.

As pessoas fazem leituras rápidas e automaticamente me colocam nesta “caixinha”, que tem a ver com esta questão social específica. Para isso, um alerta: mesmo quando os estereótipos têm o apoio de pesquisas, a gente tem que dar a oportunidade das pessoas contarem suas próprias histórias. Antes de supor, perguntem! Já saiu reportagem e tem palestrante que me citou como mãe solo. Imagine como eu fiquei?! Como a minha família e o meu companheiro, que está comigo nessa caminhada há 13 anos, ficaram? Isso já me atingiu bastante — hoje, um pouco menos. É um cuidado que a gente sempre tem que ter.

As redes sociais são um recorte

As redes sociais servem para quê, gente? Para a gente performar. É sempre um recorte que a gente escolhe. E ninguém, ninguém, entrega tudo nelas. Muita gente deseja esse amor ideal, dos sonhos, sobretudo pessoas negras, historicamente e socialmente impossibilitadas de vivê-los por vários atravessamentos do racismo na nossa sociabilização e construções afetivas. Então, quando ele acontece, muitas pessoas querem e escolhem mostrar isso nas redes sociais. E não tem nada de errado nisso, pelo contrário. Seja com fotos de casal, perfil de casal, de família. E é tudo muito bonito. Eu consumo e adoro!

Entretanto, não gosto de produzir esse tipo de conteúdo. Cada um constrói a sua narrativa da forma que escolhe e eu acho importante não ser “obrigada” a construir as coisas neste lugar. Cada um também constrói e, consequentemente, expõe sua relação de uma forma. E a forma como eu e meu companheiro escolhemos construir a nossa relação é offline. É isso que a gente entende como importante para a gente.

A cobrança pela presença do outro, sobretudo do homem, para definir uma existência completa

Aqui a gente chega pesadão nas questões de gênero e na cobrança ou ideia de que as mulheres precisam ter uma companhia, sobretudo masculina, para parecerem completas. Neste sentido, a imagem do “casal” precisa ser exaltada. As pessoas esperam isso. Não é culpa das mulheres, longe disso. De certa forma, pode ser também uma “proteção”. Por vezes, exaltar isso, representa uma “proteção social”. Às vezes da violência, às vezes de uma leitura de que ela é “fracassada” como mulher. Sim, é pesado. Aqui a gente trabalha com a realidade.

Eu, por exemplo, escolhi fazer essa jornada nas redes sociais sendo a protagonista da minha história. Eu não queria que a minha relação fosse protagonista, nem a minha maternidade, pois esse é um lugar muito comum e automático que a gente coloque as mulheres, como mães e esposas, principalmente mulheres que se relacionam com homens, como eu. Com o meu conteúdo, eu desejo reconstruir esse padrão, reconstruir esse lugar social.

Eu pensei: já sou mãe, já sou casada há anos. Então, decidi que quero contar uma história a partir da perspectiva de mulher, que é mãe e casada, sim, mas tomando todos os cuidados para que a produção de conteúdo não seja apenas isso. Não é o que eu quero para mim.

Antes das redes sociais, eu tive tão poucas oportunidades de contar a minha perspectiva, a minha, da Ana Paula Xongani, que escolhi fazer dessa forma. Quando percebi que isso podia acontecer, fiquei um pouco assustada e pensei: “Mundo, vocês precisam se acostumar a também ver mulheres como o centro de suas existências. Eu sou o centro da minha existência e não as relações que a minha existência construiu. É claro que é muito importante entender os diferentes contextos da representação do casal, seja nas famílias pretas, nas famílias com pessoas LGBTQIA+, atípicas etc. E, ainda assim, tudo precisa ser uma escolha.

Meu companheiro deseja uma trajetória diferente da minha

Isso é algo muito importante: o meu companheiro não deseja a mesma trajetória que eu. Ou seja, ele não deseja estar nas redes sociais, fazer vídeos, capitalizar a rotina dele, nada disso. E eu precisei respeitar as subjetividades e os desejos dele, assim como ele precisa respeitar tudo o que diz respeito a mim. O desejo de expor a minha vida, de postar fotos, de falar sobre minha rotina, meus trabalhos, minha filha, que também é dele, de mostrar a casa, que também é dele, é um desejo meu. Temos acordos nesse sentido. Agora, pare para pensar como seria doloroso se eu, hoje, forçasse uma barra nesse sentido para performar o que as pessoas normalmente esperam de uma mulher.

Consegui encontrar lugares de conforto para mim e para ele, que considero uma fortaleza. Eu percebi que tenho ao meu lado um companheiro que, mesmo não compartilhando comigo dos mesmos desejos de espaço, me apoia. E também que eu tenho ao meu lado um companheiro que não quer dividir – ou competir – comigo no protagonismo da minha própria história.

Temos umas estratégias para que ele se sinta confortável. Às vezes, aparece sem aparecer, Às vezes, aparece só a voz, coisas assim. Ele também precisa estar confortável em estar nesse ambiente de exposição que hoje é o meu trabalho. E isso vale para qualquer relação. É importante entender se as pessoas desejam as mesmas coisas que a gente.

Então, é por isso que o meu companheiro quase não aparece nos conteúdos que produzo. A gente precisa reforçar muito que as redes sociais são um recorte da nossa vida. É importante que a gente esteja muito atenta sobre aquilo que coloca on-line. A perda de controle pode afetar nossa vida, nossa autoestima e, por vezes, nossas relações.

O que esperam da gente é o mesmo que esperam deles?

A gente não entra no perfil dos homens e exige que as esposas deles apareçam. Por que cobram tanto isso da gente e não deles? Somos apenas nós as responsáveis por expor nossos afetos? Mais uma vez, a questão de gênero se impõe.

No ambiente corporativo, acontece a mesma coisa. Pouco sabemos da vida fora do trabalho dos homens e sabemos bastante da vida das mulheres. Parece que é necessária a existência de um homem para validar a existência dessa mulher.

Na minha relação, esse lugar que a gente construiu me faz muito feliz. Tenho um relacionamento de muitos anos. Uma relação sólida, de liberdade, mas que não precisa estar em todos os lugares. Ela ocupa os lugares que eu desejo, que eu escolho.

Como uma mulher preta, feminista interseccional, quando olho para trás, fico muito orgulhosa do conteúdo que produzi até aqui, que respeitou o que eu queria e quero fazer dele, as imagens que quero construir com ele.

Seria muito fácil o Instagram da Ana Paula Xongani ser um Instagram de família. A minha família é legal, doce, bonita, preta, saudável. Mas não foi essa a minha escolha. Espero que, para além de uma coluna que fala sobre mim, seja também uma oportunidade de fazer a gente refletir e pensar sobre o que a gente quer, sabe? Você pode querer tudo. Pode querer, inclusive, o oposto do que eu quero, porque é importante para você. E está tudo bem. Que tudo sempre seja uma escolha que você faz sobre si. E, se ainda não é, que comecem a ser construídos os caminhos para ser. É o que eu desejo.

Leia a Matéria Completa Aqui!

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no linkedin
LinkedIn

HOME