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Brasil, um país desacostumado à liberdade

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Veja publicação original:   Brasil, um país desacostumado à liberdade

Por Guilherme Spadini

 

É ilusão achar que um Estado autoritário passando leis que proíbam ideais conservadores seja uma vitória da liberdade.

 

 

Posso ser contra a cura gay, o ensino religioso e a proibição de obras de arte sem passar por cima do direito de outras pessoas.

Uma série de eventos recentes no Brasil me fez pensar sobre o quanto é difícil viver em uma sociedade livre.

 

 

Liberdade é um conceito delicado. Neste caso, estou falando da liberdade do indivíduo que vive em sociedade, que é sempre limitada pela liberdade de seus concidadãos, e sempre ameaçada pelos delírios autoritários do Estado.

Vou me debruçar aqui sobre três eventos mais emblemáticos: a decisão judicial sobre a tal “cura gay”, o cancelamento da exposição Queer Museu e a recente decisão do STF de não proibir o ensino religioso confessional.

Queer Museu

O episódio da exposição se diferencia dos outros por não se relacionar com decisões oficiais do Estado. Simplesmente, o banco Santander, que patrocinava a exposição, decidiu fechá-la após pressão popular. Neste caso, a gritaria sobre censura é obviamente descabida, já que não houve nenhuma proibição do Estado.

Não deixa de ser triste constatar, no entanto, a facilidade com que parcelas da sociedade conseguem se organizar para proibir, fechar, impedir, a livre expressão de ideias.

Há outras considerações relevantes sobre o episódio, como o incentivo por meio do dinheiro público e classificação etária da exposição, que poderiam ter sido revistas sem, no entanto, que a mesma fosse fechada. Independentemente, a verdade é que a polarização política fez a liberdade de vítima mais uma vez.

Em uma sociedade livre de verdade, uma exposição de arte poderia ser alvo de repúdio, até de boicote, mas jamais faria sentido a necessidade de proibi-la.

 

 

Paralelo a esse episódio, aconteceu também a proibição da peça em que Jesus era uma mulher trans, que voltou a ser autorizada depois. Sinais do quanto ainda somos uma sociedade imatura, desacostumada à liberdade.

 

 

Cura gay

Depois da exposição, veio a grande polêmica da “cura gay”. Que teve muito pouco a ver com “cura gay”, exceto nas manchetes sensacionalistas. E aqui temos um exemplo claro dos limites do poder do Estado sobre o indivíduo.

 

 

A decisão judicial avaliava a interpretação de uma resolução do Conselho Federal de Psicologia (CFP). O teor da decisão é de que a resolução do CFP não pode ser contrária à Constituição e, portanto, não pode limitar a liberdade científica e de pensamento e expressão, que são garantias constitucionais.

 

 

Portanto, a decisão manteve o texto da resolução em tudo o que dizia respeito a não permitir o entendimento da homosexualidade como doença, de não permitir a divulgação de curas, de não permitir o tratamento involuntário de ninguém. Mas tomou o cuidado de observar que o texto da resolução não poderia ser interpretado de modo a proibir que pessoas, livremente, no contexto particular, discutam a possibilidade de “reorientação sexual” com seus psicólogos.

 

 

E também que o texto não pode ser interpretado de modo a impedir que psicólogos realizem pesquisa sobre o tema. Mas esse segundo ponto não causou furor. Voltemos ao primeiro.

 

 

A ideia de “reorientação sexual” é absurda do ponto de vista científico. Mas também o são práticas como homeopatia, florais de Bach, Reiki etc (as duas últimas largamente utilizadas por psicólogos sem proibição pelo CFP, a primeira oficialmente reconhecida pelo CFM e mantida no SUS com o dinheiro do contribuinte). Como também foi absurda a decisão judicial que obrigou universidades a fornecer remédio sem comprovação de eficácia para pacientes com câncer.

 

 

Entre decisões judiciais que proíbam tratamentos sem eficácia ou que os obriguem, ficamos entre a cruz e a espada. As últimas são patentemente absurdas, mas já aconteceram (como no caso da fosfoetanolamina).

 

 

As primeiras podem parecer sensatas, mas representariam um forçar de valores científicos goela abaixo da sociedade, proibindo que indivíduos procurem formas alternativas de tratamento, como imposição de mãos, cromoterapia, cirurgias espirituais etc. Ou seja, proibindo que as pessoas exerçam suas liberdades de pensamento, ideologia, fé, espiritualidade, que seja.

 

 

A decisão que indignou tanta gente não fez nem uma coisa nem outra. Não proibiu nem obrigou ninguém a nada. Apenas ressaltou que o texto de uma resolução de conselho profissional não pode atropelar a Constituição e, portanto, não pode impedir as pessoas de buscarem ajuda dentro de seus preceitos religiosos e ideológicos.

 

 

Esse foi um dos assuntos que mais mexeu comigo, entre os que estou examinando. Eu tive tanta vontade de me juntar a todos os meus amigos indignados. Porque eu acho que a ideia de oferecer psicoterapia para alguém que quer deixar de ser gay é odiosa. Traduz um pensamento retrógrado, preconceituoso, repressivo.

 

 

Sinto o mesmo asco que tantos dos meus amigos, LGBTs ou não, que compartilham, direta ou empaticamente, da luta dessa comunidade, da dor de quem tem de enfrentar preconceitos diariamente, de quem tem direitos civis limitados, de quem tem medo de abraçar seu companheiro na rua. Eu queria muito me juntar ao coro dos revoltados.

 

 

Mas eu simplesmente não consigo deixar de concordar com a decisão judicial. Porque milhões de pessoas no Brasil pensam diferente. E o Estado tem limitados poderes para privar essas pessoas de pensarem diferente e de procurarem ajuda profissional que acolha seu jeito diferente de pensar. E deveria ter mesmo.

 

 

A decisão judicial não revogou a resolução do Conselho. Confirmou-a. Mas tomou o cuidado de observar que ela não pode ser interpretada de modo a limitar direitos constitucionais. Um exemplo sutil de cuidado com a liberdade, com os limites do poder o Estado sobre o indivíduo, que foi muito mal interpretado por nossa sociedade, tão desacostumada.

Ensino religioso

Por fim, a decisão do STF de que não pode proibir que o ensino religioso nas escolas públicas, previsto na Constituição, seja do tipo confessional.

 

 

Depois do exposto sobre a decisão da “cura gay”, fica mais fácil inferir os argumentos que vou usar aqui. Eu sou totalmente contra o ensino religioso nas escolas públicas. Mas isso não estava em pauta. A disciplina é prevista pela Constituição e, portanto, o STF não ia mudar isso. Só o que o STF fez foi decidir que, onde não há previsão legal para que algo seja proibido, esse algo não deve ser proibido.

 

 

Fosse o ensino religioso obrigatório, provavelmente a decisão seria diferente. Mas não é. A Constituição obriga que a disciplina seja oferecida nas escolas, no ensino fundamental, mas como uma optativa. Os pais podem não matricular seus filhos nessa disciplina.

 

 

Por todo o Brasil, as localidades podem optar por como fazer esse ensino religioso. Ele pode ser do tipo confessional, ou do não confessional. O tipo confessional é aquele em que um professor que é religioso, tem alguma denominação religiosa pessoal, possa ensinar sua religião, seus dogmas, suas crenças. O tipo não confessional é aquele em que um professor, a princípio, não ligado a alguma religião específica, ensina o pensamento religioso de forma isenta, variada, mais técnica que propriamente vivencial.

 

 

Agora vejamos. O STF não decidiu que o ensino religioso será obrigatório. Isso já está na Constituição e só o oferecimento é obrigatório. A disciplina é opcional. O STF não proibiu o ensino não confessional. Ele continua podendo ser adotado pelas escolas interessadas. O STF não tornou o ensino confessional obrigatório. Ele apenas não o proibiu.

 

 

Então, qual o grande escândalo? Nenhum. Só mais evidências de um país desacostumado à liberdade.

 

 

Tudo isso parece um retrocesso para o movimento progressista. Mas só porque este movimento está ficando por demais acostumado a depender de leis, de regulamentações, de transformar conquistas em “direitos” bancados pela máquina do Estado. Um movimento que deveria ser a favor da liberdade, da emancipação humana, vem se tornando autoritário. Só quer reconhecer como livres os pensamentos que lhe agradam, como livres as pessoas que o seguem.

 

 

Isso não é liberdade. É conformidade.

 

 

É ilusão achar que um Estado autoritário passando leis que proíbam ideais conservadores seja uma vitória da liberdade. Liberdade, mesmo, é conviver com a diversidade de opiniões, lutar ardentemente pelo avanço das suas, mas sempre desconfiar da imposição do Estado.

 

 

 

 

 

 

 

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