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Ameaçada de morte por educar meninas, Mahira Miyangi luta como uma mulher

Saiu no site UNIVERSA

 

Veja publicação no site original: Ameaçada de morte por educar meninas, Mahira Miyangi luta como uma mulher

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Por Luiza Sahd

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Neste novembro, fui convidada pela Qatar Foundation para conhecer o WISE Summit, uma conferência anual que reune mais de 12 mil participantes oriundos de 150 países em Doha, capital do Catar, para imaginar e discutir o futuro da educação no mundo. Ao longo de suas 20 edições, o WISE recebeu palestrantes tão importantes como Michelle Obama. Neste ano, testemunhei — disfarçando mal minha emoção — um discurso da cantora Shakira sobre sua Fundación Pies Descalzos, que educa crianças em situação de vulnerabilidade desde 2003.

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Além da Shakira e outros 950 especialistas em educação que dividiram generosamente suas experiências de vida no evento, uma mulher muito jovem chamou minha atenção por ainda não ser conhecida a nível global: aos 25 anos de idade, a educadora paquistanesa Mahira Miyangi merece (e está conquistando) o mundo.

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Vivendo na pequena e precária comunidade de Lyari (Karachi, Paquistão), Mahira viu, repetidas vezes, histórias de meninas que, ao contrário dela, não podiam frequentar a escola por motivos diversos e bastante cruéis: ainda na infância, muitas são obrigadas a se casarem, algumas ficam responsáveis por cuidar dos irmãos e das tarefas domésticas e outras não recebem permissão dos pais para frequentar a escola por questões culturais e religiosas. Até 2013, apenas 17% das meninas de Lyari recebiam educação formal. Foi neste mesmo ano que Mahira resolveu dar aulas gratuitas para crianças que não podiam frequentar a escola.

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“Quando era criança, vi uma garota que estava vendendo picolés na porta da minha escola.  Perguntei por que ela não frequentava as aulas e a garota contou que o pai havia morrido. Por isso, ela e os irmãos precisavam trabalhar para ter o que comer. Essa história me marcou muito — e outros semelhantes, também”, conta a educadora.

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Quando estava na sétima série, Mahira começou a ensinar informalmente o que aprendia na escola para meninas da comunidade. O espaço não era dos melhores: elas se reuniam no telhado da casa onde a jovem vivia com a família. Em 2013, Mahira participou do Festival Nacional de Paz da Juventude em Lahore e se sentiu tocada pelas experiências que jovens líderes paquistaneses compartilharam no evento. Foi quando entendeu que deveria trabalhar para as meninas da comunidade de Lyari.

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“No caminho de volta para casa, contei para o meu pai que queria educar as mulheres e meninas da vizinhança. Ele me apoiou e, com isso, recebi também a ajuda de um professor que cedeu uma sala para reunir as garotas em um espaço mais adequado do que o telhado de casa”, explica. Assim nascia a Woman is a nation (WIN), organização não-governamental que já atendeu mais de 3500 meninas e mulheres em seus programas diversos — que incluem atividades escolares e esportivas para integrar meninas no sistema de educação local. Nestes seis anos, a WIN já recebeu mais de 20 prêmios pelos trabalhos na comunidade; entre eles, o Prêmio Internacional da PNUD, em 2018, pelos serviços prestados à educação de meninas no Paquistão. Mas nem tudo foram conquistas nessa trajetória: Mahira Miyanji, seus companheiros de trabalhos e familiares receberam ameaças de morte por interferir na dinâmica social da comunidade.

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“Quando comecei o trabalho com as meninas de Lyari, foi tudo tranquilo. As pessoas adoraram. Então, os grupos foram crescendo e comecei a envolver outras educadoras no projeto. Aos sábados, oferecíamos atividades extra-curriculares na escola e passamos a instruir meninas e mulheres sobre seus direitos”, conta Mahira. Foi então que o trabalho da WIN começou a incomodar facções criminosas locais.

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“Enfrentamos muitos desafios: as pessoas começaram a nos ameaçar, abusaram sexualmente de uma das minhas professoras voluntárias, intimidavam minha família, nos torturaram. Três grupos diferentes estavam nos ameaçando ao mesmo tempo. Eles exigiam que parássemos de educar as meninas ou nos matariam”, lembra Mahira. Quando a perseguição aos membros da equipe do WIN se intensificaram demais a ponto de abusarem fisicamente de uma das professoras, Mahira deixou de trabalhar.

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Por esses tempos, as aulas que o WIN oferecia cessaram, mas Mahira aproveitou o período para se articular com outros grupos engajados em educação de modo que pudesse retomar suas atividades de forma segura para todos os envolvidos. Em 2015, a educadora voltou a educar as garotas de Lyari com o apoio de outros ativistas da região. As ameaças foram cessando — inclusive porque é muito mais fácil amedrontar e manter um grupo pequeno de meninas sob pressão do que fazer o mesmo com uma comunidade maior, mais engajada e organizada.

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Sem ameaças, o trabalho de Mahira se tornou mais seguro, mas não menos desafiador. “Há muitas razões que estão impedindo as meninas de serem instruídas. A principal delas é o casamento infantil. Na minha comunidade, é muito comum que as meninas se casem antes da adolescência. Às vezes, as próprias meninas não querem educação e, em diversos casos, os membros das famílias restringem a participação de meninas em atividades educacionais e esportivas”, lamenta a educadora — mas sem esmorecer. O número crescente de organizações dispostas a planejar e encorajar os esportes femininos em Lyari mostra que Mahira fez a coisa certa desde o começo do projeto, que parecia tão utópico.

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No momento, 120 meninas de Lyari recebem educação gratuita, do primário ao Ensino Médio, graças ao sonho de Mahira. “Uma de nossas alunas, Zainab, estava de casamento marcado. O pai dirige uma carroça, a mãe trabalha como empregada doméstica e ela obviamente executava trabalho infantil. Ela estava prestes a se casar quando começou a participar das nossas reuniões e conseguiu negociar com os pais para desacelerar o casamento. Esse tipo de incidente já é uma grande vitória para nós”, comemora. Enquanto isso, outras duas ex-alunas do WIN começaram a oferecer tutorias gratuitas em suas casas para outras meninas que não têm condições ou permissão para estudar.

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Quando é questionada sobre quais são os outros desafios que suas alunas enfrentarão ao longo da vida — mesmo tendo recebido educação e inclusão social, Mahira mostra que sonha alto com os pés bem fincados no chão: “Será difícil para elas ingressarem no Ensino Superior. A maioria tem pais trabalhadores, com 6 a 10 filhos para sustentar. Em nossa religião, as mulheres têm liberdade para frequentar a faculdade, mas também existem certas limitações: em geral, elas são estimuladas a ficar em casa, criar filhos e cuidar da casa e da família”, conclui.

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Se pudesse orientar todas as meninas e mulheres do mundo, Mahira garante que gostaria de conversar antes com seus pais, pedindo que confiassem nelas e deixassem que as mulheres também pudessem voar alto: “Mulheres não deveriam estabelecer limites para si mesmas. Elas podem ser corajosas, ousadas e confiantes. A educação é um direito e devemos lutar por ele”. Lutando como uma Mahira — e nas próprias palavras dela — o céu é o limite.

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** Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do UOL

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