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Advogada assume a presidência do Conselho da Mulher em Sorocaba

Saiu no site MONTEIRO LOBATO SOROCABA:

 

Veja publicação original:  Advogada assume a presidência do Conselho da Mulher em Sorocaba

 

Passados mais de 50 anos de lutas feministas por conquistas no mercado de trabalho, independência financeira, liberdades de escolhas, ainda perduram na sociedade padrões de comportamento e mentalidade machistas muito próprios das décadas dos anos 60, 50, 40 do século passado. E atualmente as pessoas assistem ao ressurgimento de bandeiras feministas como, por exemplo, a luta contra o assédio sexual. Esse cenário gera dúvidas quanto ao por que isso acontece e se as conquistas das mulheres perderam valor ou tudo isso é fruto de um grande retrocesso social, que teria derrubado avanços obtidos nessas décadas passadas.

A advogada Emanuela Oliveira de Almeida Barros, de 41 anos, que assumiu na última quinta-feira (1) a presidência do Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (CMDM) de Sorocaba diz que “a luta feminista não está renascendo, ela existe desde o século 19.” Ela afirma que apenas recentemente o movimento tornou-se protagonista na mídia. E nega que as conquistas das mulheres tenham perdido valor.

Emanuela é advogada especializada em direito constitucional. Começou sua atuação no movimento de mulheres e no feminismo no final da década de 1980 e inicio dos anos 1990, ainda no movimento estudantil. Ainda como estudante de Direito, estagiou na antiga Procuradoria do Estado, na assistência judiciária e lá começou a ter contato com casos graves de violência doméstica. Em 2002 passou a advogar no CMDM atendendo às mulheres vítimas de violência e orientando as demais sobre seus direitos e garantias. Logo após, convidada para a ser conselheira, participando ativamente desde então.

“A ideia de que a luta contra o abuso sexual virou pauta recentemente é equivocada, ela apenas passou a ter visibilidade perante a sociedade. De forma alguma as conquistas das mulheres perderam valor.” Emanuela nasceu em Catanduva (SP), tem duas filhas e mora em Sorocaba desde os 15 anos. Ela falou com o Cruzeiro do Sul sobre esse e outros assuntos que envolvem o universo sobre os direitos da mulher. Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

Cruzeiro do Sul – Como podemos ver o feminismo?

Emanuela Oliveira de Almeida Barros – O feminismo do século passado possibilitou que pudéssemos estudar e votar. Essas conquistas nos levaram a questionar todas as outras desigualdades entre os gêneros, e é essa a nossa luta, continuar o que outras mulheres já faziam no século passado, conquistar cada vez mais direitos para que a desigualdade de gênero deixe de ser uma realidade em todo o mundo. As conquistas das mulheres através do tempo avançaram e garantiram direitos. O que temos hoje é um retrocesso político em curso no Brasil e em outros países que tenta ignorar e barrar estas conquistas dos movimentos sociais.

CS – Em meio às conquistas da mulher, nota-se que muitas ainda se deixam usar como objeto sexual. E são vários os canais onde elas aparecem com esse perfil: publicidade, redes sociais, shows e eventos de massa. E grande parte do valor da mulher é medido por ela ser jovem, bonita, com visual capaz de atrair a atenção e os olhares masculinos. Por que há mulheres que também cultivam esses valores?

Emanuela – A mulher como o homem são pessoas que são socializadas, ou seja, elas aprendem o modo e os costumes de vida da sociedade em que vivem. Nós vivemos em uma sociedade na qual a mulher é coisificada, a mulher é tratada como objeto sexual principalmente na publicidade. A mulher, portanto, acaba naturalizando esse comportamento. Desde criança a gente aprende que mulher serve para vender coisa, serve como enfeite da casa, como enfeite para vender carro. As próprias mulheres também foram socializadas nesse processo. A publicidade ainda vende esse padrão de beleza, porque vivemos numa sociedade capitalista. O capitalismo só funciona devido ao desejo do consumo. Mulheres felizes e contentes com o seu corpo não consomem tanto. Fazer que se busque um ideal de beleza que não existe faz parte da engrenagem do sistema. Daí que está a luta do movimento de mulheres e deveria ser uma luta da sociedade toda para desconstruir esses padrões, questionar, relativizar esses padrões com o objetivo de sermos mais livres.

CS – Bailes funks habitualmente celebram a mulher como objeto sexual em letras e danças que exaltam comportamentos sensuais. E o funk é visto como manifestação cultural, especialmente no Rio e em regiões de São Paulo. Com esse perfil, o funk é prejudicial às bandeiras de libertação da mulher ou traz benefícios?

Emanuela – O baile funk é uma manifestação cultural e tem características de emancipação feminina especialmente na questão do empoderamento da mulher com as cantoras e elas perceberem essa força, pautando a questão da liberação sexual, uma vez que nós mulheres sempre fomos reprimidas na nossa sexualidade. Existe algo de revolucionário em poder exaltar a liberdade sexual no sentido da mulher ser dona do seu corpo e da sua sexualidade, ao mesmo tempo em que existem músicas que coisificam e depreciam a mulher, a exemplo do funk que faz apologia ao estupro. Tanto que o movimento de mulheres se rebelou contra isso como toda a sociedade. Contudo, não é só o funk que age dessa forma, outros gêneros musicais já tiveram conteúdos violentos, machistas, depreciativos, contra a mulher. Talvez o funk enfrente mais oposição por ser um movimento cultural periférico resultando em mais preconceito. Para tudo é necessário a crítica.

CS – Dentro das famílias também há mulheres que tratam os filhos de forma diferenciada: a mãe manda a filha lavar louça, enquanto permite que o filho vá jogar bola. Tomando por base esse exemplo, não pode acontecer de a mãe ter uma atitude machista para com a filha, estimulando uma cultura machista desde a família? O que fazer para evitar esse comportamento?

Emanuela – De um modo geral, uma das principais características da construção do gênero é a desigualdade entre os sexos. Por essa razão nossa sociedade se caracteriza essencialmente pela dominação masculina. Ainda hoje, em que pese todas as transformações ocorridas na condição feminina, muitas mulheres ainda não podem decidir sobre suas vidas, não se constituindo enquanto sujeitos completos e ativos na sociedade. Através dos tempos, a subalternidade foi determinante na condição feminina, formando seu papel de gênero.

CS – Não é a família, responsável pela formação dos filhos, que estimula a criança a práticas de cultura machista?

Emanuela – Os padrões culturais são socialmente impostos e construídos e por isso podem ser mudados e revistos. Importante, portanto, que as famílias eduquem para uma cultura de paz, criem os filhos com igualdade de direitos e condições. As mães, por outro lado, não podem ser “culpadas” como produtoras do machismo, pois algumas reproduzem a cultura de gênero implementada pela sociedade patriarcal. Cabe não só à família, mas também ao Estado, por meio da Educação, por exemplo, combater esta visão.

CS – Por que há tanta mulher que ainda apanha do marido? Por que tanta mulher ainda é assassinada?

A violência praticada contra mulheres é conhecida como violência de gênero porque se relaciona à condição de subordinação da mulher na sociedade, que constitui na razão implícita do número estarrecedor de casos de agressões físicas, sexuais, psicológicas, morais e econômicas (patrimoniais), perpetrados em desfavor de mulheres, revelando a incontestável desigualdade de poder entre homens e mulheres, sobretudo nas relações domésticas. Sorocaba, entre o fim do ano passado e começo deste, teve seis assassinatos em 48 dias, cada oito dias uma mulher assassinada. Muitas mulheres morrem pelo simples fato de serem mulheres. Porque essa cultura patriarcal, machista, sexista, dá a ideia de que o homem dono da mulher. Como o homem a considera como propriedade, ele tem poder sobre a vida e morte dela. Por isso que ele agride, violenta, tira a vida da mulher, porque ele se sente dono.

CS – O que a mulher pode fazer para mudar esse quadro? 

Emanuela – Há uma questão que se chama ciclo da violência. As relações domésticas são permeadas por relações também permeadas pela afetividade: o agressor é o amor da sua vida, é o pai dos seus filhos, aquele que a sua família recebeu para viver com você pelo resto da vida. Existe muita questão relacionada à questão econômica, religiosa, cultural, dos filhos. Muitas mães ainda perpetuam num relacionamento abusivo, violento, por conta dos filhos. E isso traduz o ciclo da violência, porque não é de todo violento: ele é violento, fica bonzinho, agrada, tem a fase da atenção, a violência de novo.

CS – A Lei Maria da Penha existe há onze anos. Ajudou no combate à violência doméstica?

Emanuela – A Lei Maria da Penha é considerada pela ONU uma das três leis mais importantes do mundo em relação a garantias e direitos da mulher. Só uma lei não tem o condão de coibir a violência se não tiver uma mudança cultural dos padrões. O Mapa da Violência 2015 fala que principalmente nos grandes centros e os lugares onde a desigualdade é melhor, houve um decréscimo da violência contra a mulher, chegou a 10%. Isso vale para os últimos 10 anos da Lei Maria da Penha. Em relação às mulheres brancas, de grandes centros, houve um declínio (da violência). Só que em relação às mulheres negras houve um aumento de 54% nos últimos 10 anos, e em relação às mulheres de periferia também.

CS – E o que justifica isso?

Emanuela – A questão da invisibilidade. Ainda as mulheres negras são aquelas que mais sofrem a violência porque são as mais discriminadas, que menos têm voz, que têm menos chances de poder denunciar o agressor, que estão às vezes vivendo em lugares periféricos, em lugares sem equipamentos públicos. Tudo isso influencia na questão da violência.

Conselho da Mulher é órgão deliberativo

O Conselho Municipal dos Direitos da Mulher (CMDM), após atuar muitos anos como órgão consultivo, entra em 2018 como órgão deliberativo. Esta é uma das inovações encontradas pelas 20 novas integrantes que compõem o CMDM, presidido pela advogada Emanuela Oliveira de Almeida Barros.

Como órgão consultivo, o CMDM só emitia opinião sobre aceitar ou não as políticas públicas no município. “Só tínhamos o poder de reclamação, caso não estivéssemos contentes com aquela política”, descreve Emanuela. Ela explica que agora, como órgão deliberativo, a sociedade civil passa a pautar a política pública que ela quer no município: “Ganha muita autonomia e ganha poder de efetividade.”

A mudança está amparada pela lei 11.598 iniciativa da administração municipal, que também prevê a criação de um fundo de recursos com participação dos poderes públicos local, estadual e federal.

Para isso, o CMDM vai se estruturar em seis eixos de trabalho com câmaras técnicas ou comissões temáticas encarregadas das questões de educação, cultura, saúde, desigualdade e protagonismo, trabalho e violência contra a mulher.

Pela primeira vez, a composição do CMDM foi feita por meio de votação, no ano passado, em substituição à antiga composição por indicação do poder público. Também pela primeira vez o CMDM terá em sua composição a presença de uma mulher trans, Thara Wells Correia.

 

 

 

 

 

 

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