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Abuso sexual por guru reliogoso: por que é difícil ser a primeira a falar?

Saiu no site UNIVERSA

 

Veja publicação original: Abuso sexual por guru reliogoso: por que é difícil ser a primeira a falar?

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Por Talyta Vespa

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Os abusos sexuais por parte do médium João de Deus vieram à tona na sexta-feira (7), mas atormentam mulheres desde os anos 1980, segundo relatos das vítimas. E foram muitas: até agora, foram mais de 200 denúncias oficializadas, de acordo com o Ministério Público de Goiás. Apenas um pronunciamento — feito no programa Conversa com Bial — foi suficiente para mobilizar essa torrente de denúncias. E por que ela demorou tanto? Por que é tão difícil ser a primeira a denunciar um guru espiritual?

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“É muito grande o medo de se pronunciar contra uma pessoa endeusada por parte da sociedade. O massacre das reações alheias é devastador. Há ainda o temor de ninguém acreditar na violência sofrida, afinal, o cara é Deus na Terra. Além disso, há o impacto nas relações familiares, a exposição pública, mensagens nas redes sociais e até processos jurídicos que o agressor pode mover contra a vítima, alegando que ela o está acusando injustamente”, diz Luiz Felipe Pondé, filósofo e professor da Ciência da Religião por 22 anos.

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Outra questão, pontuada pelo professor de antropologia e sociologia da ESPM Fred Lucio, é a aura quase mística que protege esses homens. Quando a fé no líder é grande, há uma confusão sobre o que ele pode ou não fazer –e o que é errado.

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“As vítimas se questionam se aquilo realmente faz parte de um ritual de cura. Elas viajam horas para encontrar essa figura endeusada e acreditam que é um ser milagroso. Então, pensam: ‘Se esse cara faz o bem a tantas pessoas, não pode estar fazendo algo ruim agora’. O abuso se torna subjetivo”.

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Lucio explica que é por essa mesma junção de fatores que as vítimas não gritam nem buscam ajuda no momento em que o abuso acontece. “Essas pessoas já estão fragilizadas quando vão ao encontro dos gurus. Algumas estão doentes, outras temem uma doença; há também as que precisam de ajuda financeira, psicológica. Sempre há um motivo e, por isso, elas se entregam. Quando percebem que foram violadas, acreditam que fizeram alguma coisa para despertar o lado mau de um ser tão bondoso”, explica.

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“Ser endeusado faz um homem abusar de pessoas com mais facilidade”

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Quem acredita nos milagres concedidos por guias religiosos teme que eles também tenham poderes para fazer o mal, segundo Pondé. Em alguns relatos, as vítimas contam que foram ameaçadas pelo poder do João de Deus. “Elas entram na paranoia de que se um homem tem o poder de curar o câncer, ele tem também o de colocar o câncer onde ele não existe.”

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Lucio reitera que qualquer contato com seu grande guru religioso coloca a pessoa em uma situação que beira a submissão. “Ela faz o que ele mandar. É como se Deus mandasse; afinal, ele representa Deus aqui na Terra”.

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“A sociedade recebe melhor abusos por políticos”

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O especialista garante que se o abusador fosse um político e, não, um líder religioso, mais pessoas acreditariam nessas mulheres. “Se fosse um político, como foi o caso do Bill Clinton, a sociedade acolheria a vítima com menos relutância”, diz Lucio. Pondé continua: “Existe um contexto cultural que coloca os políticos numa posição de gente que ‘não presta’. Já os grandes gurus espirituais são deuses. E isso é tão impregnado na nossa cultura que, mesmo com as denúncias de abusos, inclusive na Igreja Católica, as pessoas continuam relutantes”.

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“Nenhum líder religioso pode agredir sexualmente alguém alegando cura”

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Em nenhuma religião, o ato sexual involuntário pode ser usado como forma de cura. “Cada credo tem as próprias orientações, que servem como um código de lei. Forçar alguém a praticar qualquer ato sexual alegando cura ou renovação de energia não está previsto em nenhuma delas. Portanto, se isso acontece, trata-se de crime.”

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O que fazer para driblar o medo e denunciar

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O primeiro passo da vítima deve ser procurar alguém de confiança e contar o que aconteceu. “O apoio traz conforto rápido, que é o que a vítima precisa após sofrer a violência. Depois, ela deve buscar apoio institucional de ONGs ou organizações que trabalhem com casos de abuso sexual. Assim, terá suporte para formalizar a denúncia. Com esses órgãos por trás, se sentirá mais protegida”.

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Durante todos esses trâmites, é importante que a vítima tenha apoio emocional, segundo a psicóloga e especialista em terapia cognitiva comportamental Ellen Senra.

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“Ser abusada por um grande líder religioso traz uma sensação de culpa que se contrapõe à fé. A vítima se sente invadida mas não consegue questionar inteiramente a autoridade tão reconhecida. É uma coerção que causa traumas gigantes”, explica.

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“É preciso que ela consiga desconstruir a ideia de que é responsável pela violência que sofreu, e isso só é possível com apoio psicológico. São três vertentes que devem trabalhar juntas: a terapia, o apoio de uma pessoa querida e um apoio institucional”, garante.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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