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ABUSO NO ESPORTE E A CONIVÊNCIA DA ESTRUTURA

Saiu no site AZ MINA:

 

Veja publicação original: ABUSO NO ESPORTE E A CONIVÊNCIA DA ESTRUTURA

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Coordenadora da equipe de basquete paralímpico Gladiadoras/Gaadian, Gracielle Silva foi flagrada segurando uma das jogadoras à força enquanto três colegas a abusavam com um pênis de borracha. Segundo o relato da vítima, que não quis se identificar, ela foi tirada à força da cadeira de rodas, jogada no chão e teve as roupas arrancadas. O episódio, que ocorreu em fevereiro de 2018, foi filmado e visto inicialmente como “brincadeira”.
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Até que em abril, o ginasta Diego Hypolito resolveu denunciar os abusos que sofreu nas mãos de colegas e treinadores durante a carreira. Gracielle, então, reconheceu que a brincadeira que havia sofrido tinha ultrapassado todos os limites do aceitável: tratava-se de violência sexual. Ela abandonou a equipe e começou a se organizar para fazer uma denúncia formal à Justiça. No fim de maio, o caso foi levado à público pela imprensa. Nessa época, Gracielle tirou a própria vida.
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A ideia de expor o problema ocorreu a Hypolito depois de uma reportagem da Rede Globo revelar que o ex-técnico de ginástica Fernando de Carvalho Lopes assediou mais de 40 meninos ao longo de 15 anos de carreira – entre eles Petrix Barbosa, campeão dos Jogos Pan-Americanos de Guadalajara, de 2011.
A matéria sobre o escândalo sexual na ginástica brasileira veio na esteira do julgamento de Larry Nassar, médico considerado “guru” por seu trabalho na ginástica dos Estados Unidos e condenado a 175 anos de prisão por molestar mais de 150 mulheres, entre elas as campeãs Simone Biles e Ary Raisman. O caso chocou o mundo. Como mais de uma centena de meninas foram abusadas sistematicamente por mais de duas décadas sem que ninguém soubesse ou fizesse algo para impedir?
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Infelizmente, a ginástica não é a única modalidade que carrega marcas de violência contra crianças e adolescentes. Não há dados oficiais sobre episódios de abuso sexual no futebol brasileiro, mas um levantamento feito pelo jornal EL PAÍS mostrou que 111 ocorrências foram registradas de 2011 a 2018 nas categorias de base masculinas. Porém, estima-se que apenas 7% dos casos são registrados. A situação não é diferente no futebol feminino, onde também faltam informações oficiais, mas sobram relatos. A nadadora Rebeca Gusmão, que jogou futebol na base, afirma ter visto colegas serem abusadas por técnicos, dirigentes e preparadores em troca de promessas de ida à seleção ou simplesmente de cestas básicas.
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A visão do treinador como uma figura de autoridade, somada à ideia de que atletas de elite precisam ser disciplinados, obedientes e resistentes à dor são fatores que explicam os abusos sistemáticos no ambiente esportivo. Trata-se, antes de tudo, de uma relação de poder. A vergonha e o medo de denunciar – ainda mais quando o abusador é renomado, como era Nassar –, e o recorrente problema de culpabilizar e desacreditar a vítima também colaboram para a impunidade dos agressores e manutenção desse cenário.
“Ele pedia que eu sorrisse, falava que já estava acabando e pedia pra que não contasse a ninguém. Ele nunca me ameaçou, acredito que ele tinha um poder sobre mim e sabia que eu não iria contar”, conta a nadadora Joanna Maranhão, molestada pelo treinador quando tinha nove anos de idade, em entrevista à Ana Toledo, da revista Vix.
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Dona de oito medalhas em Jogos Pan-Americanos e quatro Olimpíadas no currículo, a nadadora só conseguiu denunciar o caso muitos anos depois. O treinador era próximo da família e visto como responsável pelo sucesso de Joanna nas piscinas. A relação era de extrema confiança. Por isso, quando a garota tentou contar à mãe que havia algo errado, ouviu que ela devia ter “confundido as coisas”. Os abusos duraram quase seis meses, até que, diante da queda de rendimento, ela convenceu a família a trocar de clube e conseguiu se afastar do abusador.
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O caso afetou profundamente a vida e a carreira de Joanna. Ela passou por altos e baixos na natação, desenvolveu síndrome do pânico, gagueira, depressão e chegou a tentar suicídio. Decidiu expor o caso diante dos questionamentos sobre sua irregularidade nas piscinas. A atleta chegou até a anunciar a aposentadoria, mas voltou atrás e hoje se prepara para buscar uma vaga na Olimpíada de Tóquio, em 2020.
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Além dos treinos, Joanna mantém a ONG Infância Livre, que presta auxílio jurídico e psicológico a crianças vítimas de abuso. A nadadora dá atenção especial às aulas de educação sexual, que ela considera um passo fundamental para conscientizar os pequenos atletas e combater a violência sexual – muitas das meninas que depuseram contra Nassar alegaram que não conseguiam reconhecer que estavam sendo vítimas de abusos.
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Fiscalizar adultos que trabalham com crianças e adolescentes no esporte e criar um ambiente acolhedor, que dê espaço e abertura para que meninos e meninas sejam ouvidos, também são ações que devem ser tomadas por confederações, federações, clubes, dirigentes para mudar essa lógica opressora e evitar novos casos revoltantes como o das ginastas norte-americanas, da atleta Gracielle Silva ou da nadadora Joanna Maranhão.
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O machismo que acoberta a violência
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Esportistas de elite costumam ocupar lugares de destaque na sociedade. Seus passos, seja dentro ou fora do campo, viram notícia, eles ganham status de heróis e são vistos como exemplos a serem seguidos. O problema é quando essa “aura” se converte em um véu de impunidade. Quantas notícias já saíram sobre atletas que sonegaram impostos, cometeram infrações de trânsito ou se sentiram acima da lei? Grande parte dos casos, no entanto, trata de violência contra a mulher.
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O mais emblemático é o do goleiro Bruno, condenado a 22 anos e três meses de prisão por homicídio triplamente qualificado e ocultação do cadáver de Eliza Samudio, mãe de seu filho. O ex-goleiro, que jogou por Atlético-MG, Corinthians e Flamengo, teve o pedido de habeas corpus concedido no início de 2017. Logo que saiu da prisão, foi procurado por nove clubes brasileiros, dois deles da Série A, para voltar ao futebol. Assinou com o Boa Esporte.
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A contratação do goleiro gerou reações negativas por parte de torcedores, dos patrocinadores e da imprensa. Acusado de fazer do acordo uma jogada de marketing, o Boa alegou que tinha a obrigação social de “reinserir o ex-detento à sociedade”. Apesar da turbulência causada pela contratação, uma parcela da torcida apoiou a contratação. Bruno foi tietado, com pedidos de fotos e autógrafos, antes de voltar à prisão.
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O caso levantou uma série de questões: se Bruno já havia pagado parte de sua dívida com a sociedade, não merecia outra chance? Seria o futebol, dada a vitrine que oferece a seus profissionais, uma carreira diferente, em que um criminoso condenado por matar uma mulher não deveria ter espaço? Mas se Bruno só sabia trabalhar como goleiro numa sociedade cujo sistema penitenciário é repleto de falhas – que mais excluem do que inserem seus detentos –, ele não deveria ter o direito de voltar a exercer seu ofício de goleiro?
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Em 2014, antes de Bruno ser contratado pelo Boa Esporte, um dirigente do Peñarol-AM afirmou que o clube queria assinar com o goleiro para “elevar o marketing”, passando a mensagem que a vida de Eliza Samudio e das dezenas de mulheres assassinadas diariamente por questões de gênero têm menos valor do que sua fama ou a popularidade que ele daria a um clube.
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“A mensagem é cristalina: matar mulheres é o de menos na nossa sociedade. É como se nossas vidas fossem desimportantes, inferiores, descartáveis”, diz a jornalista Juliana Arreguy, autora de um manifesto publicado no Dibradoras. “É preciso lembrá-los incansavelmente: Bruno foi condenado por assassinar uma mulher. Quantos casos de violência doméstica, feminicídio e pensões alimentícias ignoradas os clubes legitimam quando decidem apelar para um marketing sádico e doentio?”, pontua.
Bruno foi julgado e condenado por seu crime, mas há muitos outros atletas acusados de agredir mulheres que escaparam à Justiça e aos questionamentos das agremiações, dirigentes, torcedores e, por que não, da própria imprensa. Passaram impunes e seguem normalmente a vida normalmente, muitas vezes mantidos no pedestal de ídolo.
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Robinho, hoje na Turquia, foi condenado a nove anos de prisão por estupro coletivo de uma mulher na Itália. À época da condenação, ele estava no Atlético-MG, que não se posicionou sobre o assunto e incomodou parte da torcida com seu silêncio. Robinho seguiu impune, protegido pelos colegas de time, por parte da torcida e até pela lei, que impede que o atleta seja extraditado para cumprir a pena. Ele já havia sido acusado de estupro em 2009, quando jogava no Manchester City, mas limitou-se a pagar uma fiança. O processo foi arquivado.
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As denúncias são frequentes, não só no futebol, mas no boxe, basquete, futebol americano e muitas outras modalidades. Nomes idolatrados por seus feitos no esporte, como Mike Tyson, Kobe Bryant, Van Persie, Dudu, Vampeta, Cuca são alguns dos atletas e ex-atletas investigados por crimes como estupro, agressão e violência doméstica.
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A impunidade abre brechas perigosas, prejudica a conscientização e o combate à violência contra mulheres. “Deixar um célebre agressor impune é como dizer que sua reputação é mais importante do que a vida das mulheres que ele pode ter arruinado”, resume a jornalista Ana Carolina Silva, do UOL Esporte.
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É papel da imprensa esportiva ajudar a impedir que casos de agressão caiam no esquecimento, fazendo uma cobertura mais consciente, questionando as atitudes dos agressores e cobrando esclarecimentos. Ao passo que cabe aos clubes e dirigentes tomar medidas para que os agressores não passem impunes.
A torcida e os investidores também têm seu papel. Imagine se os torcedores param de ir aos jogos ou o clube passe a parder patrocínios, por conta de casos de violências contra a mulher? Isso já aconteceu! Pelo menos na Inglaterra, manifestações fizeram a diferença. Em 2013, a torcida do Sheffield United reuniu mais de 60 mil assinaturas para barrar a contratação de Ched Evans, condenado a cinco anos de prisão por estupro. O galês cumpriu metade da pena, saiu por bom comportamento e recebeu propostas de três clubes, mas as negociações com o Sheffield foram travadas por protestos de torcedores e ameaças de patrocinadores. Evans só conseguiu voltar aos gramados três anos depois, mas o caso desatou uma reflexão importante e abalou a sensação de impunidade, tão comum aos atletas de elite.
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Desigualdade no salário, premiação e patrocínio
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Mas, não é só acobertando assédio e violência que o machismo prejudica mulheres todos os dias no esporte. Em termos de remuneração e salário, as mulheres também saem perdendo. Time feminino do Santos, o Sereias da Vila, por exemplo, foi campeão brasileiro de 2017 e recebeu R$ 120 mil de premiação da Confederação Brasileira de Futebol (CBF). No mesmo ano, o time masculino do Corinthians venceu o torneio nacional e recebeu R$ 18 milhões de prêmio – 150 vezes mais que as Sereias –, além de um bônus de R$ 2 milhões dos patrocinadores e da fornecedora de material esportivo.
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O Santos pagou pouco, muito pouco para as suas atletas vencedoras, mas a premiação ainda foi uma conquista inédita.O campeonato de  2017 foi o primeiro em que a CBF concedeu prêmio em dinheiro aos times femininos. No ano anterior, enquanto o time masculino do Palmeiras ganhou R$ 17 milhões da entidade, o time feminino do Flamengo teve de se contentar  apenas com alguns tapinhas nas costas pelo título. E essa disparidade ocorre em todo o mundo do esporte, não só no futebol. Em 2016, a seleção campeã da Liga Mundial de vôlei feminino ganhou 200 mil dólares de prêmio, enquanto o vencedor masculino embolsou 1 milhão de dólares. Após muita reclamação por parte das atletas , a Federação Internacional de Vôlei (FIVB) triplicou a bonificação feminina – que mesmo assim ainda ficou 40% menor do que a masculina.
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Em 2016, a seleção brasileira feminina de pólo aquático precisou fazer uma campanha de financiamento coletivo durante a preparação para os Jogos Olímpicos. Atletas relataram descaso da Confederação Brasileira de Desportos Aquáticos (CBDA), que descumpria promessas e destinava a maior parte do dinheiro à preparação e salários do time masculino.
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A discrepância também é gritante nas ligas de basquete dos Estados Unidos, onde os astros da NBA estão entre os atletas mais bem pagos do planeta. Dos 100 atletas da lista de mais bem pagos da Forbes em 2018, 40 são do basquete. Mas a realidade das mulheres é bem diferente.
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Em junho de 2017, Diana Taurasi se tornou a maior pontuadora da história da WNBA e recebia pouco mais de 107 mil dólares por temporada. Enquanto isso, o brasileiro Raul Neto, por exemplo – que jogou menos da metade dos jogos de Diana, não é titular e tampouco detém recordes como a atleta – ganhava 840 mil dólares por ano.
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Mas, um estudo divulgado pela BBC Sport em 2017 mostra que, ao menos no que diz respeito às premiações de torneios, essa realidade parece estar mudando. Das 44 federações e confederações que recompensam os campeões mundiais com prêmios em dinheiro, 35 desembolsam o mesmo valor para competições masculinas e femininas, total de 83%.
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O tênis, segundo o estudo, foi o pioneiro na igualdade de premiação. Um dos quatro torneios do Grand Slam, o US Open, igualou os valores dos prêmios em 1973, quando um grupo de tenistas pressionou a organização. Wimbledon só fez o mesmo em 2007. Outras 12 modalidades igualaram os pagamentos de 2004 para cá, como o surf e o ciclismo. O futebol, entretanto, segue apresentando uma das maiores disparidades, ao lado de críquete e golfe.
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Mesmo quando mulheres e homens recebem o mesmo tipo de premiação, ainda assim as atletas são desvalorizadas. Se compararmos os patrocínios que homens e mulheres recebem, existe um abismo entre os valores. Na lista da Forbes dos 100 atletas mais bem pagos de 2017, que leva em conta salários, bônus e acordos publicitários, só havia uma mulher: a tenista Serena Williams, 51ª colocada. Ela recebeu 27 milhões de dólares, sendo 19 milhões somente em contratos de patrocínio. Já o tenista Roger Federer, por exemplo, aparecia na quarta colocação, com  seis milhões pelo trabalho em quadra, entre salários e premiações, mas 58 milhões de dólares em publicidade.
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Desanimador? Na lista de 2018, não havia NENHUMA mulher entre os 100 esportivas mais bem pagos. Serena ficou um ano e meio afastada do tênis por causa de uma gravidez, deixou de acumular dinheiro de premiações e acabou fora do ranking. A disparidade choca, ainda mais se pensarmos que os dois são considerados os melhores tenistas de todos os tempos.
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Mulher fora do esporte
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O esporte feminino é historicamente desvalorizado. A visão machista enraizada de que a função social da mulher é a maternidade e a criação dos filhos fez com que certas práticas esportivas fossem consideradas “desfavoráveis à reprodução” e mesmo proibidas até o século XX.
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Esportes de contato eram considerados “coisa de homem”. Em 1940, o médico Humberto Ballariny, da Escola de Medicina, publicou um artigo em que explicava porque mulheres não deviam praticar futebol. “É um desporto violento e prejudicial ao organismo não habituado a esses grandes esforços. Além disso, provoca congestões e traumatismos pélvicos de ação nefasta para os órgãos femininos”, escreveu Ballariny, alegando que a modalidade “masculiniza” corpos femininos e é “anti-higiênica e contrário à natural inclinação da alma feminina”.
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Mulheres que jogavam era vistas como “grosseiras, sem classe e malcheirosas”, segundo a pesquisadora Heloísa Bruhns. A prática de esportes considerados “incompatíveis às condições da natureza feminina” chegou a ser proibida por lei durante a Ditadura do Estado Novo. A vivência do futebol pelas mulheres era limitada à ida aos estádios, e somente se acompanhadas de um homem. Prevalecia a ideia equivocada de que praticar atividade física intensa poderia afetar seus úteros, o que comprometeria a maternidade, considerada a principal função social da mulher.
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Na Ditadura Militar, o presidente do Conselho Nacional de Desportos, general Eloy de Menezes, restringiu ainda mais essa proibição. Mulheres não podiam “praticar lutas de qualquer natureza, tampouco jogar futebol, futebol de salão ou de praia, pólo aquático, pólo, rúgbi, halterofilismo e beisebol”. A derrubada da lei só veio em 1980, acompanhada de medidas para fomentar o futebol feminino no Brasil.
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Apesar da mudança da lei, alguns preconceitos permanecem. Estamos no século XXI, o machismo continua arraigado na sociedade, a maioria dos esportes de contato segue como espaço predominantemente masculino e mulheres continuam sendo vistas como as grandes responsáveis por afazeres domésticos e criação dos filhos. E o esporte feminino sofre as consequências disso até hoje.
Menos valorizadas, as competições femininas têm menos visibilidade. Logo, movimentam menos dinheiro e geram menos lucro, o que reforça o abismo na remuneração, no patrocínio e no próprio investimento das confederações.
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Mulheres negras sofrem (ainda) mais
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A desigualdade salarial se agrava ainda mais na comparação entre atletas negras e brancas. Serena Williams coleciona 23 títulos de Grand Slam contra apenas cinco da russa Maria Sharapova, mas só passou a receber mais que a adversária em 2016, após 11 anos de carreira. O “pay gap”, como é chamada a diferença salarial, fez Serena se engajar na causa da igualdade de pagamento às mulheres negras. No artigo “Como as mulheres negras podem acabar com a diferença salarial”, publicado na revista Fortune, a tenista destaca: “Os ciclos de pobreza, discriminação e sexismo são muito, muito mais difíceis de quebrar do que o recorde de títulos de Grand Slam.”
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As atletas que não se encaixam no padrão de beleza imposto pela sociedade e pela mídia também sofrem com remuneração. A surfista brasileira Silvana Lima já falou abertamente sobre os desafios para conseguir patrocínio por não ser considerada “bela”. “Para as marcas, a gente tem que ser modelo e surfista ao mesmo tempo. Então quem não é tipo modelinho acaba não tendo patrocínio, como foi o meu caso. Você acaba ficando de fora, é descartável. Os homens não têm este problema”, disse Silvana à BBC Brasil em 2016.
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A imagem da surfista não deveria ser mais importante do que seu desempenho nas ondas, mas a falta de apoio financeiro obrigou Silvana a improvisar para continuar no esporte: vendeu duas ninhadas de filhotes do seu casal de buldogues para pagar passagens e inscrições para competições na Nova Zelândia e na Espanha. Foi campeã em ambas.
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Uniformes curtos e objetificação
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A justificativa que confederações e imprensa usam para explicar a falta de investimento e visibilidade das competições femininas é de uma suposta falta de interesse do público, que gera pouca audiência e poucos lucros. Como mostramos na sétima parte do  Minimanual do Jornalismo Humanizado, há falhas no argumento. Algumas modalidades femininas superam o público das masculinas, como é o caso do futebol feminino nos Estados Unidos.
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A modalidade também vem atraindo espectadores em Manaus, considerada a capital do futebol feminino no Brasil e escolhida para sediar a Libertadores de 2018. Um levantamento feito pelo Globo Esporte mostrou que, até a publicação da reportagem, em julho de 2017, 82,6% dos torcedores que foram à Arena da Amazônia haviam ido prestigiar jogos femininos. Algumas partidas registraram público superior a 15 mil pessoas, batendo a média dos jogos da Série A daquele ano.
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Não dá para negar que há potencial interesse pelos torneios femininos. Está nas mãos das federações, dos clubes e da mídia dar mais visibilidade às atletas, mas esse avanço deve ser feito com intuito de fomentar o desenvolvimento da modalidade, focar nos resultados esportivos e no desempenho das jogadoras, e não de um modo superficial e sexista.
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Mas, infelizmente a  objetificação dos corpos das atletas, para justificar maior interesse de público e patrocínio,  começa nas próprias entidades que comandam o esporte. Em 2004, o ex-presidente da Fifa, Joseph Blatter, foi bastante criticado ao sugerir que as atletas do futebol feminino jogassem com “shorts mais apertados” para aumentar a popularidade do esporte. Mais de uma década depois, em 2017, atletas do handebol de praia carioca denunciaram caso semelhante.
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Por determinação da Federação Internacional de Handebol, o uniforme das equipes femininas da modalidade é o chamado “sunquíni”, que tem o mesmo padrão de um biquíni, mas a parte de baixo é mais larga e a de cima, mais reforçada, como um top. Já os homens podem jogar de bermuda e regata.
Apesar das reclamações das atletas de que o sunquíni é desconfortável e objetifica os corpos das mulheres, o time feminino CopaBeach/Cepraea foi impedido pela arbitragem da Federação de Handebol do Estado do Rio de Janeiro de disputar uma partida vestindo shorts. A entidade ameaçou punir o time com WO caso as atletas não usassem o sunquíni, alegando que a regra internacional deveria prevalecer.
As jogadoras de handebol de praia reclamaram da exposição e do caráter apelativo da roupa, usada de mote para atrair mais público masculino para a modalidade. As atletas chegaram a enviar um documento à entidade internacional questionando a regra, se posicionaram nas redes sociais e receberam apoio de outras equipes femininas e de homens da modalidade, mas nada foi feito. Mais uma vez, a lógica machista do esporte priorizou a exposição de corpos femininos em vez do esporte em si. Até quando?
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