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Em casa na quarentena: confinamento com o abusador?

Saiu no site CARTA CAPITAL

 

Veja publicação no site original:  Em casa na quarentena: confinamento com o abusador?

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No Brasil, os números do feminicídio são assustadores e crescentes. Com a ‘coronacrise’, é possível esperar que estes números subam mais

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Por Ana Luíza Matos de Oliveira, Lygia Sabbag Fares e Gustavo Vieira da Silva

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Apesar da insistência do presidente Jair Bolsonaro em minimizar a “gripezinha”, o Covid-19 tem matado milhares mundo afora e paralisado a atividade econômica global. O Brasil também tem começado a parar e, cada vez mais, aqueles que podem ficam confinados em casa. Dado este novo cenário, com impactos ainda muito incertos, gostaríamos de levantar uma questão que já aparece na mídia internacional: a possibilidade de que aumentem os casos de violência doméstica.

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Estudos da própria Organização Mundial da Saúde mostram que em períodos de crise econômica os riscos de violência física e sexual aumentam. Em um contexto de crise sanitária, econômica e social, “muitas pessoas sentem como se estivessem perdendo o controle e buscam maneiras de lidar com isso. Mas quando um abusador sente que perde o controle, ele coloca a vítima em risco”. Também, um estudo sobre a violência na Rússia aponta que os gatilhos para comportamento violento são mais comuns em fins de semana, quando as interações familiares aumentam. Este componente está presente nesta pandemia: o aumento do confinamento.

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Nos EUA, a revista Time ressalta que, para pessoas em situação de violência doméstica, os lockdowns para barrar a expansão do Covid-19 as confinam em casa com seus abusadores e as isolam de pessoas e recursos para ajudá-las. Além disso, os abusadores podem usar a pandemia como forma de isolar suas vítimas ainda mais dos amigos, da família e do trabalho; podem ainda ameaçar expulsá-las de casa caso adoeçam.

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Na China também há relatos de aumentos dramáticos da violência doméstica no período de quarentena, em especial na província de Hubei. O número de casos relatados em janeiro na delegacia de Jianli, em Hubei, triplicou (162 casos contra 47) em comparação com o mesmo período do ano anterior. Segundo uma ativista da região, neste período “90% das causas de violência doméstica estão relacionadas à epidemia de COVID-19″.

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No Brasil, os números da violência doméstica e do feminicídio já são assustadores e crescentes: segundo a imprensa, a partir de dados do Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública , o Brasil teve um aumento de 7,3% no número de casos de feminicídio em 2019 em comparação com 2018 (1.225 feminicídios), sendo em 2019 1.314 mulheres mortas por esse crime de ódio motivado pela questão de gênero (ou uma mulher a cada 7 horas em média). Com a “coronacrise”, que levará a um aumento do desemprego e da anomia social (ainda mais com um governo que insiste em agir na contramão do resto do mundo, mostrando ser um caso de sucesso em fracassar para conter uma crise sanitária, econômica e social, e  criando uma pandemia social , e somado ao “confinamento”, é possível esperar que estes números subam ainda mais.

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É necessário, sim, fazer o lockdown neste momento e reduzir o contato social, mas é preciso considerar com seriedade a questão da violência doméstica. Além disso, com a “coronacrise”, escolas e outros espaços de convivência estão fechados, bem como as redes de assistência reduzidas pelas medidas de redução de contágio ou redirecionadas a atendimentos relativos à epidemiologia, reduzindo o acesso a assistentes sociais, assistência médica ou psicológica. Neste contexto, é importante que os governos ampliem a rede de proteção para as mulheres.

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Ao mesmo tempo, e infelizmente, é preciso lembrar que, em plena pandemia, o governo tem realizado cortes no Programa Bolsa Família (PBF): somente em março de 2020, 158 mil famílias, a maioria no Nordeste, foram cortadas do programa. O PBF, programa que já foi modelo para muitos outros países, tem comprovado impacto na autonomia financeira das mulheres, dado que a grande maioria de seus beneficiários são mulheres. Assim, com o apoio do programa, é mais fácil que mulheres deixem seus parceiros abusadores e possam se manter, mas,  com cobertura em queda, a dependência das mulheres e os riscos aumentam ainda mais.

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Entre a redação e a publicação deste texto, infelizmente nossas previsões foram confirmadas. A notícia do G1 publicada nesta segunda feira dia 23/03/2020 aponta que os casos de violência doméstica aumentaram em 50% durante o confinamento. Segundo a matéria do Huffpost Brasil , as delegacias da Mulher de São Paulo, mesmo com revezamento de funcionários, continuam funcionando 24 horas e casos podem ser registrados online.Além de aumentar a cobertura do PBF, o que o governo poderia fazer.

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Criar programa de renda mínima amplo que atenda os mais vulneráveis, dentre eles muitas mulheres.

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– Divulgar ostensivamente os canais de atendimento para as mulheres situação de violência em todos os meios de comunicação.

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– Manter e fortalecer os programas de ações de vigilância à violência doméstica junto aos serviços assistenciais e de saúde em funcionamento (p.ex. serviços do SUS e SUAS), sem redirecioná-los para o atendimento imediato de demandas sanitárias e econômicas decorrentes da crise, ampliando a compreensão da saúde e do bem-estar para além da lógica biomédica.

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Já nós, como sociedade civil, devemos permanecer vigilantes e manter o contato com parentes e amigas; observar alterações na vizinhança – em briga de marido e mulher se mete a colher sim!; e cobrar do governo o cumprimento de medidas efetivas de amenização da coronacrise e de combate à violência doméstica.

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* Ana Luíza Matos de Oliveira é economista (UFMG), mestra e doutora em Desenvolvimento Econômico (Unicamp), integrante do GT sobre Reforma Trabalhista IE/Cesit/Unicamp; Lygia Sabbag Fares é professora de Economia na Escola Superior de Administração e Gestão (STRONG ESAGS – FGV), doutora em Economia do Desenvolvimento – Economia do Trabalho – Universidade de Campinas (Unicamp). Organizadora do grupo de trabalho sobre gênero da Young Scholars Initiative (YSI) – Institute for New Economic Thinking (INET); e Gustavo Vieira da Silva é psicólogo e doutorando em Psicologia Clínica pelo Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (IP-USP).

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