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Descolada e feminista: argentina de 19 anos vira deputada mais jovem da AL

Saiu no site UNIVERSA

 

Veja publicação no site original: Descolada e feminista: argentina de 19 anos vira deputada mais jovem da AL

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Por Aline Gatto Boueri

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Ela é jovem, descolada, feminista, defensora da legalização do aborto e militante de um movimento popular. Ofelia Fernández não se parece em nada com o padrão de pessoas que costumam ocupar cargos eletivos e espaços de decisão na política institucional. No entanto, a partir de 10 de dezembro, ela assume como deputada da Cidade Autônoma de Buenos Aires, capital da Argentina.

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Eleita em outubro, a garota de 19 anos votou para presidente pela primeira vez no mesmo pleito em que terminou eleita como a legisladora mais jovem da América Latina. No legislativo portenho, Ofelia integra o bloco da Frente de Todos, coligação do presidente eleito Alberto Fernández e da ex-presidente, atual senadora e futura vice-presidente Cristina Kirchner.

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Em maio de 2018, Ofelia era uma líder estudantil que tinha acabado de completar 18 anos quando foi convidada a apresentar seus argumentos a favor da legalização do aborto na Câmara de Deputados da Argentina. Na ocasião, seu discurso chamou a atenção pela contundência e pela articulação de ideias em um espaço que não costuma ser ocupado por jovens combativas. O projeto de lei de interrupção voluntária da gravidez foi aprovado pela Câmara em junho daquele ano, mas acabou rejeitado pelo Senado do país dois meses depois.

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Um ano depois daquele discurso, Ofelia lançava sua pré-candidatura.

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“Minha plataforma tem eixos fundamentais que enfrentam algum fator de resistência porque todos são uma novidade para a política tradicional, apesar de serem questões que já aparecem nas ruas e na agenda de mobilizações da juventude”, explica a deputada eleita em entrevista a Universa. “O primeiro é, sem dúvida, a agenda feminista e o acesso à interrupção da gravidez nos termos que já estão previstos pela lei atual.”

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Desde 1921, o aborto na Argentina não é punível nos casos previstos pelo artigo 86 do Código Penal: quando a gravidez representa um risco de vida para a mãe e esse perigo não pode ser evitado por outros meios e quando é resultado de estupro.

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Ofelia também destaca a agenda ambiental e o acesso à educação de qualidade como pautas que pretende defender em seu mandato no legislativo portenho.

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Como integra uma força minoritária na casa e o partido do atual presidente, Mauricio Macri, a que ela se opõe, detém a maioria, ela reconhece que tem poucas chances de levar adiante o debate legislativo sobre as pautas que defende.

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“Eu não sou nenhuma fada-madrinha dessas reivindicações, ou seja, não vou lá resolver tudo magicamente de maneira individual. O que me dá o amparo para pensar em transformações, especialmente nas que incomodam o poder e disputam interesses, é a existência de um movimento massivo, tenaz e que vai estar presente para apoiá-las.”

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E capacidade de mobilização é o que não falta a Ofelia. Quando era estudante do ensino médio, liderou mais de uma ocupação do colégio Carlos Pellegrini, um dos mais tradicionais da capital argentina, para reivindicar melhorias na educação pública.

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“Não me chame de mocinha”

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Entre 2016 e 2017, quando era presidente do centro acadêmico, começou a ganhar notoriedade ao conceder entrevistas a jornalistas homens e de meia-idade que, ao tratá-la com certa indulgência, terminaram por ajudá-la a construir argumentos para a necessidade de maior participação de jovens na política institucional.

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Em uma palestra na série de conferências Ted Talks, feita em setembro de 2018, em Montevidéu, Ofelia mostra um vídeo de uma dessas entrevistas. O trecho mostra como o jornalista Carlos Monti, nascido na década de 1950, chama a então líder estudantil de “chiquita” (algo como mocinha, em tradução livre). Ofelia então responde: “Não me chame de mocinha”, ao vivo, para todo o país.

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Recentemente, durante o Encontro Nacional de Mulheres, evento que reuniu milhares de feministas de toda a Argentina pelo 34º ano consecutivo, um discurso de Ofelia bloqueou vários quarteirões da cidade de La Plata. Ovacionada por uma multidão, a então candidata à deputada afirmou que a luta pela legalização do aborto na Argentina é pedagógica.

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“Com essa luta, aprendemos que os direitos se conquistam, não se mendigam. Aprendemos que temos direito a decidir como, quando e se queremos ser mães. Aprendemos também a desarticular todos os imperativos de gênero e a colocar sobre a mesa todo um sistema de violência.”

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Mais adiante, Ofelia continua: “Aprendemos que o homenzinho cis e pedante não é a única forma de liderança possível porque, evidentemente, não seria capaz de representar essa reivindicação. E, nessa busca, aprendemos que também podemos ter voz própria”.

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Para além das referências identitárias, que ficam claras quando Ofelia Fernández cita o acesso privilegiado a espaços de poder para homens cisgênero —que se apresentam e se identificam com o seu gênero biológico—, a deputada eleita lembra que não é somente o fato de ser mulher e jovem que gera uma oposição a ela tão forte quanto o movimento que a apoia.

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“O que incomoda de verdade é ser mulher, jovem e representante de uma juventude organizada e irreverente em um espaço político do campo nacional e popular.”

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Aprendendo com Cristina

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A jovem é militante também da organização Mala Junta, um espaço feminista que forma parte da Frente Pátria Grande, um dos movimentos políticos que integra a unidade de setores progressistas que disputaram as eleições de 2019 sob o guarda-chuva da Frente de Todos.

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Assim como a mulher que ocupou todos os espaços nacionais eletivos na Argentina —Cristina Kirchner foi deputada federal, deputada constituinte, presidente, senadora e, em breve, será vice-presidente -, Ofelia evita responder os ataques que recebe por motivos de gênero.

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“O pouco tempo que nos permitem usar para debater política tentamos usar para falar de ideias”, resume. “Não tive a possibilidade de falar disso especificamente com Cristina Kirchner, mas, de maneira indireta, aprendi com ela a derrubar cada uma das barreiras que nos impõem por sermos mulheres.”

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Atenta aos processos políticos da América Latina, Ofelia costuma opinar também sobre as crises nos países da região. E aponta que o movimento feminista tem um caráter internacionalista porque aborda questões que atravessam as fronteiras.

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“Uso muito o exemplo do Brasil quando falo que querem despolitizar o feminismo”, diz Ofelia, que vê em Marielle Franco, vereadora pelo Psol do Rio assassinada em 2018, “uma bússola para todas nós na região”.

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“Quando houve as marchas do Ele Não, muitos se apressaram em dizer que a mobilizações tinham ajudado Jair Bolsonaro a se eleger. Que louco, não? Aquelas que se mobilizam com força são as culpadas da derrota, no fim das contas”, diz Ofelia.

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“Esse tipo de comentário serve para tentar domesticar o movimento feminista, para dizer ‘Não tomem a dianteira estratégica, companheiras. Vocês não servem para isso’. Temos aí uma disputa em nível continental para ocupar esses espaços e entender que somos valiosas na hora de desenvolver estratégias políticas.”

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Apesar da presença magnética que provoca diversos pedidos de selfies —aos que Ofelia responde com generosidade—, a jovem defende que o movimento não deve despertar ternura. “O que temos que fazer é amedrontar. Quando tentam cooptar o feminismo para uma agenda liberal, transformá-lo no feminismo do pequeno direito individual, da privilegiada, temos que pensar que somos um movimento político com estratégias para conquistar lugares de decisão. E fazermos isso de maneira coletiva, solidária e organizada.”

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É com essa combatividade que Ofelia acredita que os movimentos feministas são capazes de reverter o avanço de forças políticas que se opõem aos direitos conquistados pelas chamadas minorias. E cita o Brasil como uma referência nesse sentido.

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“Impressiona como a questão da ideologia de gênero foi central na campanha de Jair Bolsonaro. Se ele nos trata como algo tão grande, não podemos nos diminuir. A demonização do feminismo é o caminho mais fácil para esse tipo de liderança porque, ao nos desqualificar, ele se exime de ter que nos enfrentar em um debate. É mais fácil nos interditar”, diz a futura deputada. “Eu acredito que o movimento feminista no Brasil é hoje a grande luz no fim do túnel.”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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