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A AÇÃO PENAL NOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL E A NOVA LEI 13.718/18

Saiu no site EMPÓRIO DO DIREITO

 

Veja publicação original:  A AÇÃO PENAL NOS CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL E A NOVA LEI 13.718/18

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Por Ricardo Antonio Andreucci

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A recente Lei nº 13.718, de 24 de setembro de 2018, publicada no DOU em 25 de setembro de 2018, alterou o Código Penal para tipificar os crimes de importunação sexual e de divulgação de cena de estupro, tornando, também, pública incondicionada a natureza da ação penal dos crimes contra a liberdade sexual e dos crimes sexuais contra vulnerável. Além disso, estabeleceu causas de aumento de pena para esses crimes e definiu como causas de aumento de pena o estupro coletivo e o estupro corretivo, revogando, ainda, o art. 61 do Decreto-Lei nº 3.688/41 (Lei das Contravenções Penais), que cuidava da importunação pública ao pudor.

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Não trataremos, neste artigo, das novas figuras típicas inseridas no Código Penal pela nova lei, assunto que ficará para próxima oportunidade.

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O que julgamos importante tratar, nestas linhas, é justamente a modificação da natureza da ação penal nos crimes contra a liberdade sexual, que passou a ser pública incondicionada.

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Os crimes contra a liberdade sexual, como se sabe, são estupro (art. 213, CP), violação sexual mediante fraude (art. 215, CP) e assédio sexual (art. 216-A, CP), tendo a nova lei inserido o crime de importunação sexual (art. 215-A, CP). Os crimes sexuais contra vulneráveis, por sua vez, são estupro de vulnerável (art. 217-A, CP), corrupção de menores (art. 218, CP), satisfação de lascívia mediante presença de criança ou adolescente (art. 218-A, CP) e favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, CP), tendo a nova lei inserido o crime de divulgação de cena de estupro ou de cena de estupro de vulnerável, de cena de sexo ou de pornografia (art. 218-C, CP).

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Tanto os crimes contra a liberdade sexual (capítulo I), quanto os crimes sexuais contra vulneráveis (capítulo II) integram o título VI da Parte Especial, que cuida “dos crimes contra a dignidade sexual”.

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A denominação “crimes contra a dignidade sexual”, como já tivemos oportunidade de ressaltar em outro artigo anterior, é mais recente, sucedendo os chamados “crimes contra os costumes”, na redação originária do CP de 1940. O código anterior os definia sob a rubrica “dos crimes contra a segurança da honra e honestidade das famílias e do ultraje público ao pudor”. Na legislação vigente, o bem jurídico protegido é a dignidade sexual, que, no fundo, significa a moral pública sexual, no mesmo diapasão dos antigos “costumes”.

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Nesse aspecto, a noção de moral pública sexual não pode ser analisada em apartamento da mentalidade vigente em determinada época, em determinada sociedade e em função de determinados aspectos dominantes e correspondentes ao interesse social em torno da sexualidade.

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Com muita propriedade já ressaltava HELENO CLÁUDIO FRAGOSO que “as disposições de nosso CP nesta matéria são extremamente repressivas e representativas de uma mentalidade conservadora, incompatível com os tempos modernos. O critério que hoje domina a incriminação de tais fatos é o do efetivo dano social, sendo inteiramente injustificável a repressão penal de comportamentos considerados imorais pelos que têm o poder de fazer as leis. Vivemos num período de intensa revolução em matéria de moral pública sexual, com o desaparecimento de certos preconceitos, consequência de uma nova posição que a mulher vai adquirindo na sociedade. Passa a ser duvidosa a conveniência de proteger penalmente a moral pública sexual, numa sociedade pluralística, em que o interesse social em torno da sexualidade passa a se orientar por outros valores. Na aplicação da lei os juízes devem estar atentos ao envelhecimento e desatualização da lei, procurando interpretá-la em consonância com uma visão moderna, que corresponda às exigências dos novos tempos.”[1]

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Nesse sentido, a ação penal nos “crimes contra os costumes”, tal como estabelecida na redação originária do art. 225 do CP/40, era privada, somente se procedendo mediante queixa. Neste caso, o Estado transferia à vítima o direito de acusar (“jus accusationis”), preservando para si o direito de punir (“jus puniendi”). O interesse do particular, ofendido pelo crime, sobrepunha-se ao interesse público, que também existia. Naquela época, excetuavam-se os crimes sexuais em que houvesse a presunção de violência (art. 224 – já revogado) e também aqueles em que a vítima ou seus pais não podiam prover às despesas do processo, sem privar-se de recursos indispensáveis à manutenção própria ou da família, ou ainda se o crime fosse cometido com abuso do pátrio poder, ou da qualidade de padrasto, tutor ou curador. Aí a ação penal era pública incondicionada.

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Com a vigência da Lei nº 12.015/12, houve um avanço no trato da questão, passando a nova redação do art. 225 a prever que, nos crimes definidos nos Capítulos I e II do Título VI, procedia-se mediante ação penal pública condicionada à representação, à exceção do crime cometido contra vítima menor de 18 (dezoito) anos ou pessoa vulnerável, em que a ação penal era pública incondicionada.

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Agora, a partir da vigência da Lei nº 13.718/18, a ação penal, em todos os crimes contra a liberdade sexual (arts. 213 a 216-A, CP) e em todos os crimes sexuais contra vulnerável (arts. 217-A a 218-C, CP), passou a ser pública incondicionada.

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Portanto, o processo e o julgamento de todos os crimes contra a dignidade sexual, aí incluídas as providências de natureza policial, independem da vontade da vítima, retirando-se de sua alçada o pesado fardo de ter que decidir se o predador sexual seria ou não alcançado pela lei penal e punido por seu crime.

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A lei nova teve vigência imediata (art. 4º), a partir da data de sua publicação, que ocorreu em 25 de setembro de 2018, não sendo fixado pelo legislador período de “vacatio legis”.

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Resta saber, entretanto, se a nova regra sobre a natureza da ação penal é de natureza penal ou processual penal. Se for de natureza penal, não retroagirá, a “contrario sensu” do disposto no art. 5º, XL, da Constituição Federal, e no art. 1º do Código Penal. Se for de natureza processual penal, aplicar-se-á aos fatos já ocorridos, por imposição do art. 2º do Código de Processo Penal, que estabelece o princípio da imediatidade ou princípio da aplicação imediata da lei processual penal.

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Vale lembrar que “ação penal” é tema previsto tanto no Código Penal (arts. 100 a 106), quanto no Código de Processo Penal (arts. 24 a 62).

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Cuidando-se, entretanto, de matéria atinente à deflagração do “jus puniendi” do Estado e considerando-se a ação penal como o direito público subjetivo, determinado, autônomo, específico e abstrato de invocar do Estado-juiz a aplicação do direito objetivo ao caso concreto, em caso de violação da norma penal, temos que a nova regra (ação penal pública incondicionada) trazida pela Lei nº 13.718/18 não poderá retroagir, eis que gravosa ao criminoso, aplicando-se apenas aos crimes sexuais praticados a partir de sua vigência, ou seja, a partir do dia 25 de setembro de 2018.

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Notas e Referências

[1] Lições de Direito Penal – Parte Especial vol.II . 4ª ed. Rio de Janeiro: Forense. 1984. p. 01.

Imagem Ilustrativa do Post: close up courthouse // Foto de: Pixabay // Sem alterações

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