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“Sou uma mulher trans. E meu nome é Bruna”

Saiu na ÉPOCA

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– Olha, eu gostaria de te dizer que eu não sou um homem. Sou uma mulher trans. E meu nome é Bruna.

Era final de tarde, uma sexta-feira de abril, quando um analista financeiro da IBM, de 26 anos, chamou um gerente de sua área para uma conversa. Nascida em São José dos Campos, no interior paulista, estudante de relações internacionais, Bruna está na companhia desde 2018. Entrou como estagiário, um homem homossexual. De lá para cá, se descobriu mulher trans.

O processo de transição de gênero começou em outubro de 2020. E quem foram os primeiros a sabre? O pessoal de RH da IBM. A analista financeira faz parte do Programa de Assistência à Pessoa Trans (PAT). Lançado em 2017, o projeto prevê o cumprimento de todos os direitos relacionados à mudança de gênero, como garantir o uso do nome social dos funcionários. A companhia paga ainda 75% da hormonioterapia e oferece cobertura para cirurgias de mastectomia e histerectomia.

Cinco meses depois, Bruna contou sobre sua jornada para o pai, a mãe e as tias. “Minha família me deu muita força”, conta. Em seguida, falou com um chefe. Só então, na segunda-feira seguinte, comunicou aos colegas de equipe. Vinte pessoas, aproximadamente. Mais uma vez, foi bem recebido. Lembra com carinho especial do esforço dos amigos em chamá-la de Bruna. “Quando alguém errava, imediatamente se corrigia e se desculpava”, diz ela. Hoje ninguém mais faz confusão com seu nome. Ela é Bruna. E está feliz de ser quem é em todos como esferas de sua vida.

A IBM foi eleita melhor a empresa para a população LGBTQIA + trabalhar em 2021, pela consultoria global GPTW (Great Place to Work). No ano passado, estava na quinta colocação (veja gráfico no fim da reportagem) . Em 1953, um gigante de tecnologia, incluiu em seu código de conduta a não tolerância à discriminação e assédio em relação à raça, cor ou credo. Desde 1984, a orientação sexual está nesse rol. “A IBM está sempre se transformando, atendendo às demandas de cada época”, diz Fabiana Cardoso, líder de Diversidade e Inclusão da IBM Brasil. “Não toleramos nenhum tipo de discriminação. É intrínseco aos valores da companhia.”

Os programas de diversidade perpassam as hierarquias da companhia. Todos os funcionários estão envolvidos. E se fazem ouvir, quando necessário. Os canais de comunicação estão permanentemente abertos. Reuniões são realizados com bastante frequência. Denúncias são apuradas. Os chamados grupos de afinidade atuam em sete frentes – mulheres, LGBTQIA +, afrodescendentes, portadores de deficiência, neurodiversidade, desenvolvimento criativo e equilíbrio entre vida pessoal e trabalho.Sete anos antes da união homoafetiva ser reconhecido no Brasil, por exemplo, a IBM trouxe para o país, em 2004, uma iniciativa Parceiro Doméstico, pela qual casais de mesmo sexo podem incluir os / as companheiros / companheiras no plano de saúde.

Infelizmente, companheiras moldes ainda são raras. Um estudo realizado pela Gestão Kairós, consultoria de sustentabilidade e diversidade, revelação como a comunidade LGBTQIA + ainda segue com baixíssima representatividade nas empresas brasileiras. Gays, lésbicas e bissexuais ocupam apenas 16% dos quadro quadro. As pessoas trans, 0,4%. Entre as lideranças, o cenário só piora. O primeiro grupo está em 1,2% e o segundo, em 0,08%. Nos conselhos, então, elas praticamente inexistem. Os LGBTs se fazem presentes em apenas 0,2% de cadeiras.

– Já imaginou se um médico fosse julgado por ser careca?

Essa é a provocação proposta pelo estudo Demitindo Preconceitos , da consultoria de engajamento Santo Caos. Quarenta por cento dos 230 entrevistados contam já ter sofrido discriminação no escritório. Piadas, fofocas risinhos … Deles, 53% não se sentem à vontade para falar sobre a própria sexualidade no trabalho. Muitos têm medo da demissão e recebimento de que coloquem em dúvida sua capacidade profissional. Como se os olhos azuis ou castanhos, fosse o fator de aumento ou diminuição de produtividade.

As companhias brasileiras, em geral, não estão preparadas para lidar com o tema. Uma outra pesquisa, essa da Associação Brasileira de Recursos Humanos, mostra que 90% das empresas não possuem ações efetivas com esse foco. Em três de cada dez, o assunto não é tratado no âmbito corporativo e, pasmem, 60% não difundem o respeito aos LGBTs.

Um dos maiores propostas à evolução da pauta no ambiente corporativo é que, lembra Liliane Rocha, fundadora e CEO da Gestão Kairós, como empresas tendem a se perceber mais diversas inclusivas do que realmente são. E, como se lê no relatório de Santa Caos, “ser neutro não é suficiente”. Os projetos de diversidade e inclusão só podem funcionar a partir do momento em que reconhecermos que todos nós, em maior ou menor grau, temos nossos vieses.

A atenção ao tema deve ser permanente. As ações devem ser constantes. O tempo todo. Como se lê no relatório de Santa Caos, “ser neutro não é suficiente”. Na busca por uma empresa realmente diversa e inclusiva, é preciso, segundo Liliane, adotar algumas medidas básicas. Entre as principais, estão:

Censo demográfico
A companhia precisa conhecer muito bem quem a compõe. Só assim é possível identificar suas áreas de deficiência. Determinar se o quadro funcional está ou não refletindo na sociedade brasileira.O primeiro passo para resolver um problema é reconhecer a existência de sua existência.

Programas de treinamento
“Treinamento, treinamento e treinamento”, defende Liliane. Do RH e das lideranças, sobretudo. “As pessoas têm de ter o mínimo conhecimento do que é diversidade sexual”, diz a executiva.

Acesso à liderança
é preciso garantir a presença dos LGBTQIA + nos postos de comando. Garantir a possibilidade de ascensão. “Os líderes são catalizadores de cultura”, diz a CEO da Gestão Kairós. “Os líderes movimentam a cultura das empresas.”

Garantir um ambiente de trabalho seguro aos grupos minorizados não é apenas uma obrigação moral, mas uma estatégia de business.Em um ambiente diverso, a criatividade flui, a inovação grassa, talentos são preservados, uma taxa de rotatividade de funcionários capacitados … Nas melhores empresas para a comunidade LGBTQIA + trabalhar o volume de negócios anual é de 4%, segundo a consultoria GPTW. Companhias com políticas de diversidade tem 15% a mais de probabilidade de superar como metas, segundo a Santo Caos. Segundo um estudo da consultoria americana Deloitte, 23% dos consultados trocariam de trabalho para entrar em empresas mais inclusivas.

Não permitir que os colaboradores se sintam acolhidos e seguros um ambiente de trabalho hostil –e não apenas para as pessoas. Um estduo do Instituto Gallup indica que 87% dos funcionários entrevistados em vários países, em geral, não se sente engajados no trabalho. E isso custa aos cofres das empresas entre US $ 450 bilhões a US $ 550 bilhões anualmente.

Bruna Todeschini, da IBM, lembra de seus empregos anteriores, onde não se sente à vontade. Ela não tinha motiviação, cumpria as obrigações no automático. Em um dos trabalhos, um colega chegou um dia a investigação se uma jovem era homossexual. Ela (na ocasião, ele) mentiu. Disse, inclusive, que tinha namorada. “Eu gastava muita energia tomando cuidado com o que eu ia falar. Cumprindo um papel que não era o meu”, conta.

“Os líderes nem sempre acertam, e de fato precisam dar espaço para que eles errem. Mas a competição por talentos diversificados só aumenta”, lê-se no artigo O poder da diferença: como marcas e agências podem contratar e manter equipes diversificadas “ , do sociólogo e professor David Slocum, da Escola de Liderança Criativa de Berlim e da Rare, iniciativa do Google de desenvolvimento de culturas empresariais mais inclusivas.

Há de se levar em conta que 10% da população brasileira se declara LGBTQIA +. No mínimo, 10%. “É importante considerar a relação que se cria quando se percebe um alinhamento legítimo às questões vividas pelas pessoas da comunidade. Isso pode ser observado inclusive em termos práticos: dos quase 18 milhões de brasileiros que se identificam com alguma das letras da sigla, 50% se dizem dispostos a priorizar uma marca que apoie a causa, mesmo contra ofertas mais vantajosas “, informa o relatório Por que sua marca deveria saber sobre a comunidade LGBTQIA + espera dela, elaborado pelo ThinkWithGoogle.

Os estudos mais recentes indicam que o dinheiro rosa movimenta cerca de US $ 3 trilhões por ano, no mundo. No Brasil, são R $ 300 bilhões. As empresas, prémios, deve tomar cuidado. A linha entre causas genuínas e o pinkwashing pode ser tênua. A diversidade e a inclusão ir além do branding com a bandeira arco-íris. O estudo NeedScope celebra a diversidade, da Kantar, empresa inglesa de pesquisa de mercado, traz alguns alertas para as marcas:

. Sejam autênticas.

. Não use como comunidades marginalizadas durante um período específico só porque é politicamente correto.

. Não declarem um falso suporte para a comunidade.

. Não sejam superficiais no suporte à causa.

Ah, e, antes de terminar, sabe o que chefe de Bruna, na IBM, disse quando ela contou que era mulher trans? Que estava muito lisonjeada com uma confiança.

 

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