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RACISMO, PRESENTE!

Saiu no site THINK OLGA:

 

Veja publicação original: RACISMO, PRESENTE!

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16 de março de 2014, Claudia Silva Ferreira, mulher negra e pobre, foi baleada durante uma troca de tiros entre policiais em Madureira, no Rio de Janeiro, enquanto ia comprar pão. Morreu depois ter seu corpo arrastado pelas ruas pendurado a uma viatura da PM.
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13 de abril de 2016, Luana Barbosa dos Reis, mulher negra e lésbica, foi espancada até a morte por três policiais militares na periferia de Ribeirão Preto.
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30 de março de 2017, Maria Eduarda Alves da Conceição, menina negra de 13 anos, morreu atingida por dois tiros na base do crânio quando estava dentro de sua escola em Acari, na Zona Norte do Rio. Tiros partiram de arma de policial.
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14 de março de 2018, Marielle Franco, mulher negra, periférica e feminista, a 5ª vereadora mais votada no Rio de Janeiro nas eleições de 2016, foi assassinada a tiros quando um carro emparelhou ao lado do veículo onde estava e dispararam nove tiros – pelo menos quatro a atingiram na cabeça. Os assassinos fugiram sem levar nada e a principal linha de investigação é execução.
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O perfil dessas mulheres e as circunstâncias das mortes não são coincidência.
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Mulheres negras e periféricas fazem parte de estatísticas alarmantes no Brasil: de cada 100 pessoas assassinadas, 71 são negras, segundo o Atlas da Violência 2017. Os negros possuem chances 23,5% maiores de serem assassinados em relação a brasileiros de outras raças. E, em um recorte de gênero, a mortalidade de não-negras (brancas, amarelas e indígenas) caiu 7,4% entre 2005 e 2015, enquanto entre as mulheres negras o índice subiu 22%.
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Ser negro é constantemente resistir e lutar para viver e se você quer, de fato, a justiça que clama nas redes sociais, entender isso é fundamental para compreender as mortes de Claudia, de Luana, de Maria Eduarda, de Marielle, e lutar para que casos como esses não mais se repitam.
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Ainda que não haja uma resposta única quando questiono quem matou essas mulheres, a questão racial está escancarada em todos os assassinatos. E, sempre que esse racismo é apontado, há um claro incômodo geral – inclusive dentro do movimento feminista, uma negação em ver o racismo como uma das causas determinantes e, por conseguinte, uma recusa a compreender as mortes como parte de um genocídio da população negra. O que, convenhamos, não é uma surpresa em uma sociedade que se esforça para acreditar na farsa da democracia racial e se esquiva de qualquer discussão sobre racismo:
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“Ela era negra, mas não morreu por isso!”
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“Ela poderia ser branca, ruiva, parda que ‘incomodaria’ da mesma forma.”
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“Um crime político não pode ser tratado como racismo.”
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Ora, racismo é político, no sentido de que se tornou inerente às estruturas do nosso aparato político, do Estado. É o racismo que facilita e justifica batermos o recorde de encarceramento de 727 mil pessoas, sendo 60% negras e dessas, 40% presas de forma preventiva, que ainda aguardam julgamento. É o racismo que naturaliza o fato de 75% das pessoas mais pobres do país serem negras. É o racismo que dá ao negro cinco vezes mais chance de ser analfabeto que a um branco. É o racismo que negligencia no sistema público de saúde a vida de mulheres negras – elas são 66% das vítimas de violência obstétrica e tem 2,5 mais chances de morrer em um aborto em relação às brancas. É o racismo que leva pretos e pardos a receberem quase a metade do rendimento médio de pessoas brancas, ainda que tenham a mesma qualificação profissional.
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Um racismo tão arraigado e naturalizado a ponto de uma vereadora negra e periférica, que ousava defender o fim dessa estrutura genocida, que dias antes havia denunciado o Batalhão da Polícia Militar que mais mata negros e pobres no Rio, ser claramente executada.
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Há um elemento simbólico inegável nesse fato: ser uma mulher negra. Não dá para dissociar sua militância política de sua identidade racial. Não dá para minimizar exatamente o que tem mais força simbólica. Ser uma mulher negra que lutava pelo fim do genocídio da população negra está na base desse crime.
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Ela denunciou um Estado que nunca se preocupou em criar políticas públicas efetivas e consistentes que tirassem a população negra dessa situação de vulnerabilidade, herança da escravidão e sem fim à vista. Um Estado altamente punitivo e que abusa do aparato da mídia, das leis e das estruturas sociais erguidas sobre o racismo para apresentar Marielle como inimiga-defensora-de-bandido. Mas a luta de Marielle pelo fim da violência sancionada pelo Estado contra os negros é, e sempre foi, fundamentalmente um apelo à paz. E a paz não deve ser confundida com o silêncio, com submissão. A paz que ela buscava é justiça.
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Justiça que demanda uma transformação fundamental de um sistema que preza e se beneficia do sofrimento negro. Isso exige o fim do encarceramento em massa e da criminalização da população negra. A garantia de necessidades humanas básicas, como habitação e uma educação de qualidade. O direito de viver e caminhar livremente, sem ser caçado pelo Estado. Isso não é discutível. Não há duas maneiras de ver a situação. É uma verdade básica e fundamental.
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É por isso que seguimos fazendo do luto, luta: não porque somos fortes, mas porque não nos dão outra escolha. São nossos corpos que estão na linha de frente todos os dias. O racismo não descansa.
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Helaine Martins é repórter e produtora de conteúdo na Think Olga, criadora do projeto Entreviste um Negro e cofundadora da Idánimo Comunicação – consultoria negra, feminista e LGBTQ+. Vem falando sobre racismo e diversidade no jornalismo em lugares como Rede Globo, Festival Colaboramérica e Festival Path.
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