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Kátia Najara, a autônoma de sangue que é ‘empresa de uma mulher só’

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Veja publicação original:  Kátia Najara, a autônoma de sangue que é ‘empresa de uma mulher só’

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“Eu sou essa empresa de uma mulher só, que às vezes se desespera porque acha que não vai dar conta.”

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Jogo de cintura talvez seja a expressão que melhor defina Kátia Najara. A cozinheira de 47 anos é exatamente aquele tipo de pessoa que sabe lidar com absolutamente tudo sem se abalar, que enfrenta qualquer situação com um sorrisão no rosto e que dispõe de uma maleabilidade invejável para adaptar-se a qualquer situação. E faz isso tudo sozinha, sob sua própria alçada (e porque quer!).

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A empresa Pitéu Cozinha Afetiva, comandada por ela, ela e ela outra vez, poderia sem muito esforço ser renomeada para Hidra de Lerna, já que, tal qual a criatura mitológica grega, quando a dona desiste de um dos serviços que oferece, outros dois parecem brotar no lugar de onde aquele primeiro saiu.

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Ela dá consultoria a restaurantes; produz e envia semanalmente os “Congelados do Amor”; passa adiante o que sabe na Pequena Escola Culinária da Katita; realiza toda semana o Quintas Bistrô, onde cozinha para grupos pequenos de amigos; e é pau para toda obra — caso a obra em questão seja organizar, decorar e dar sabor a um evento seja ele qual for.

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Parou para contar uma vez quantas funções exerce no negócio e chegou à colossal quantia de 22 atividades. Por motivos de são-muitas-incubências-e-só-de-pensar-cansa, digamos que ela cuida da parte de criação, da comunicação, da limpeza da cozinha, faz as compras, a contabilidade e até o design gráfico do seu site — e, claro, põe a mão na massa literalmente. “Eu sou essa empresa de uma mulher só, que às vezes se desespera porque acha que não vai dar conta (risos) “.

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Kátia põe a mão na massa mesmo em todos os projetos aos quais se dedica.

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“O reflexo dessas mulheres atuou em mim de uma forma tão natural que eu comecei a trabalhar aos 12 anos. Isso já estava no meu sangue, já estava na fila da ancestralidade.”

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É com o controle na mão que ela gosta de estar, mas já avisamos aos telespectadores que aqui o zapping é frenético. As coisas trocam tão rápido de lugar que ela mesma alerta: “toda vez que eu dou uma entrevista eu vejo que já mudou muita coisa desde a que veio anteriormente”. Se o papo não prescrever até que você, leitora, ponha seus olhos neste textinho, a palavra-chave que dá a tônica da vida de Kátia agora é ancestralidade.

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Kátia vem de uma família de mulheres negras retadas, independentes. A avó escolheu ter filhos nos anos 1930 — nada de espantoso, ok. O problema é que marido ela não queria. Decidiu, então, realizar a sua vontade mesmo assim. Foi mãe de 7 crianças, geradas por 3 homens diferentes, numa época na qual as mulheres mal haviam conquistado o direito ao voto. “Ela bancou ser mãe solteira porque era a vontade dela. Para sobreviver ela lavava roupa de ganho, era cozinheira de pensão, fazia de tudo um pouco.”

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mãe não foi avessa ao casamento, mas não se contentou em ficar dentro de casa esperando o marido, que era caminhoneiro, ir e voltar de suas viagens. Trabalhava, e não era um só emprego não: somava 3 turnos diários no batente. “O reflexo dessas mulheres atuou em mim de uma forma tão natural que eu comecei a trabalhar aos 12 anos, sempre autônoma, dando aula de reforço para as crianças mais novas do que eu. Isso já estava no meu sangue, já estava na fila da ancestralidade”, reflete.

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A empresária entrou na faculdade de comunicação assim que terminou o Ensino Médio, mas viu que não era a dela. “Todas as minhas amigas fizeram tudo direitinho: terminaram o segundo grau, foram fazer faculdade e partiram para o mercado de trabalho. E se arrependeram, porque tiveram que escolher tudo muito novas. Na minha vida aconteceu tudo ao contrário, porque eu nunca me enquadrei em nada.” Foi então trabalhar em lojas de shopping, para garantir o pão de todo dia. Mas não aguentou ficar por muito tempo detrás dos balcões de atendimento. “Eu sou de sagitário, eu preciso ser livre. Eu não consigo parar, não posso com nada me segurando, eu não ‘guento’.”

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JUH ALMEIDA/ESPECIAL PARA HUFFPOST BRASIL
Ancestralidade é a palavra-chave na vida e nas realizações de Kátia Najara.

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Se existe a demanda, Kátia, assim como as duas mulheres que a formaram, fareja de uma distância que desafia os limites físicos e quânticos. E foi assim que encarou a efervescente cena de rock baiano dos anos 80. Bem antes de Produção Cultural se tornar curso em universidades, Kátia se incumbiu desse ofício para bandas como Deadbillys, Cascadura, Incoma e Dois Sapos e Meio – quando a cena soteropolitana não tinha absolutamente nada de profissionalismo. “As pessoas não sabiam nem escrever release [para divulgar as bandas]. Comecei a profissionalizar, no feeling mesmo, intuitivamente.”

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Foi a partir da aproximação com o mundo das artes, que, aos 30 anos, decidiu que queria se aprofundar na coisa. Só que deixava a desejar no quesito habilidade artística (em alguma coisa ela não tinha que ser boa, né?). Mas adivinhem: arranjou um jeitinho. “Eu me inscrevi no curso de decoração na Escola de Belas Artes, porque foi a única forma que eu encontrei de estar dentro da escola sem ser artista. Eu queria a fruição de arte.”

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Se formou decoradora, mas nunca exerceu. Antes de pensar em dar pitacos sobre a cor da cortina alheia, ou qual tapete ficaria mais garboso na sala da avó da vizinha, foi convidada a coordenar alguns espaços culturais de Salvador. Chefiou o Teatro Acbeu e a Sala do Coro do Teatro Castro Alves, o ápice da carreira veio com um chamado da Secretaria de Cultura da Bahia. Lá, dirigiu 18 espaços culturais espalhados em todo o estado. Descobriu, no entanto, que quando se trabalha para outrem, nem sempre encontramos nele a mesma disposição que há dentro de nós. Sobrecarregada, foi parar no hospital com a pressão em 19 por 14.

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JUH ALMEIDA/ESPECIAL PARA HUFFPOST BRASIL
Após pico de pressão alta, Kátia decidiu deixar instituições de lado e cuidar de sua “vida de cozinheira”.

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“Aí eu falei: quer saber? Se eu for ficar nisso de trabalhar para instituições, eu vou morrer, então eu vou cuidar da minha vida de cozinheira.”

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O que ela não havia se dado conta, até a experiência de “quase morte”, é que em todos esses diferentes momentos de sua trajetória, um xodó, herdado de sua avó, e encarado às vezes como hobby, às vezes como atividade rotineira, sempre esteve presente: a comida. Mantinha, já há alguns anos, um blog despretensioso no qual reunia receitas e dicas que havia aprendido em casa e na vida sobre a alquimia dos sabores. Para completar o pacote, pós-trauma, foi convidada por um amigo para cozinhar e pensar num conceito para uma festa de aniversário. Fez o cardápio, montou o ambiente, criou um “climão” e preparou até playslit. Eureka.

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“Eu falei: quer saber? Se eu for ficar nisso de trabalhar para instituições, eu vou morrer, então eu vou cuidar da minha vida e virar cozinheira. Hoje eu vivo com o mínimo de dignidade, só na cozinha”, conta. Spoiler: o mínimo de dignidade é falsa modéstia. Entre outras coisas, escreveu o Pequeno Livro De Cozinha Guia Para Toda Hora (Editora Verus), um manual para quem não sabe nem esquentar a água do miojo.

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“Fiz com uma amiga por encomenda de uma editora. Montamos o livro via e-mail, em duas semanas. E vendeu loucamente! A gente ganhou prêmio e tudo.” A premiação, a qual ela se refere é Gourmand World Cookbook Awards, concurso que acontece anualmente em Paris. Não sabia que havia sido indicada, muito menos que concorria com Jamie Oliver — “ele ganhou é claro (risos). Mas a gente ficou em quarto lugar. Até hoje eu recebo dinheiro disso, gente! Isso daqui foi de 2003, todo ano chega um chequinho”.

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JUH ALMEIDA/ESPECIAL PARA HUFFPOST BRASIL
Kátia encontrou a plenitude no acúmulo das atividades profissionais, todas feitas com afeto.

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Tal qual a mãe, foi no acúmulo de diversas atividades, que Kátia encontrou sua plenitude. Sem chefiar restaurante e divulgando seus produtos apenas em mídia espontânea, tem uma lista de clientes fiéis que fazem fila de espera por uma vaguinha nos jantares que oferece dentro de sua casa.

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O segredo para o sucesso, não é tão mistério assim — até figura o nome do projeto: afeto. Os banquetes são regados a um bom vinho, conversas sobre a comida, a vida, o universo e tudo mais, sem cardápio fixo e sem qualquer outra limitação à criatividade.

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“Eu sempre fui autônoma, senhora de mim. Sempre guiei os meus passos: tudo o que eu fiz até hoje foi by myself.”

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“Todos são projetos meus, pequenos e que deram muito certo. Eu não consigo nem atender a demanda! Divulgo quase nada e rapidamente se espalha. É que nem aquilo de biologia, de fagocitose dentro de um mesmo ciclo. Não precisa abrir para ninguém, são projetos que se autogerem. Eu sempre fui autônoma, senhora de mim. Sempre guiei os meus passos: tudo o que eu fiz até hoje foi by myself”, resume.

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Ficha Técnica #TodoDiaDelas

Texto: Clara Rellstab

Imagem: Juh Almeida

Edição: Diego Iraheta

Figurino: C&A

Realização: RYOT Studio Brasil

 

 

 

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