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“Defender a igualdade e dizer que não é feminista, é dizer que não bebe água mas bebe H2O”

Saiu no site DELAS – PORTUGAL

 

Veja publicação original:  “Defender a igualdade e dizer que não é feminista, é dizer que não bebe água mas bebe H2O”

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Maynara Fanucci nasceu e cresceu no Brasil, vive no Reino Unido. Lançou 100 desafios às mulheres para conquistarem o poder das suas vidas. Desafios que se transformaram em livro.

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“Empodere-se” é o nome do livro que Maynara Fanucci lança esta semana em Portugal. Formada em rádio e TV, tem trabalhado na produção audiovisual, está de partida para se dedicar mais as tecnologias. Nasceu e cresceu no Brasil, ouviu histórias de outras mulheres, aguentou piadas, percebeu há quatro anos que isso era machismo, próprio de uma sociedade desigual entre homens e mulheres. Tornou-se feminista, não para debater a teoria mas para provar com a prática o que significa o feminismo. Tão simples como, “Não é consentimento dizer “sim” só pelo medo de dizer “não”. O livro é consequência de uma palestra na TEdx Brasil, que tem 1,8 milhões de visualizações, 1,1 milhões de seguidores no Facebook e 770 mil no Instagram. Vive há três anos no Reino Unido.

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Conta que descobriu o movimento feminista a­os 24 anos, porque é que acha que só aconteceu há quatro anos?
Nasci no interior de São Paulo, a minha família nunca falou desses temas e estudei num colégio de freiras, não se lia nas revistas e nos jornais ou víamos nas televisões. Em 2014, quando comecei nas redes sociais, estava no Facebook, onde há coletivos feministas, e cai num grupo em que as mulheres falavam do feminismo. Quando comecei a ler relatos das mulheres, a ver os temas de que falavam, foi um choque muito grande. Identificava-me com muito o que estava ali escrito, com o que muitas mulheres contavam, falavam de situações de machismo e nunca tinha pensado que era algo comum, que acontecia com outras mulheres, em outras realidades.

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É uma realidade que lhe é próxima?
Nunca tinha tido contacto direto, mas todos passamos por situações de machismo, só que não percebia que isso acontecia pelo facto de ser mulher. Ouvia histórias de mulheres que estavam em relacionamentos abusivos e não tinha um nome para esses relacionamentos. Ouvia, “se ela apanhou foi porque fez alguma coisa, de certeza que provocou o homem, está nesse relacionamento porque gosta de apanhar”, coisas sobre as quais nunca tinha parado para pensar, para ver qual era a raiz do problema. Muitas mulheres não tiveram acesso à teoria sobre o que é o feminismo e há muitos estereótipos. As mulheres não conseguem assumir-se como feministas, nomeadamente no local de trabalho, porque vão ouvir piadas, ser diminuídas.

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Sente que, de alguma forma, esse desconhecimento deve-se ao facto de viver no Brasil.
Quando o tema começou a ser falado nas redes sociais, não se discutia muito o feminismo. Criei a página “Empodere duas mulheres” para que mais mulheres tivessem esse conhecimento. Tal como eu, que podia estar a viver numa bolha, queria que outras mulheres na mesma situação tivessem acesso a essa informação. Há quatro anos para cá, penso que houve uma expansão do feminismo no Brasil. Os media começaram a tratar mais desses assuntos, as televisões, foi um movimento para o qual as redes sociais colaboraram muito.

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A Maynara tem 28 anos, há 50/60 anos, as mulheres foram para a rua lutar pelos seus direitos, mais recentemente parece que ser feminista é algo ultrapassado. Sente isso?
Ainda se enfrenta muito preconceito no sentido em que as pessoas não entendem o que é o movimento feminista. Por vezes, ouvimos uma mulher dizer: “as mulheres devem ser tratadas com os homens, ter direitos iguais, mas eu não sou feminista”. Olho para ela e penso: Está falando o quê? Que não bebe água mas bebe H2O? Feminista é defender a igualdade de direitos.

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Há, até, quem diga, sou feminina mas não sou feminista.
Isso tem a ver com uma série de estereótipos em relação às feministas: são masculinas, não usam maquilhagem, não se depilam, ideias feitas que persistem, inclusive entre muitas mulheres. Mas quando você conversa com essa mulher, investiga mais a vida dela, vê que é independente financeiramente, suporta a casa, trata dos filhos, dizemos-lhe que é feminismo. Queremos que todas as mulheres sejam tratadas da mesma forma que os homens, que tenham espaço para fazer o que quiserem. Existe esse desencontro entre o que as pessoas são e com o que se identificam, não quererem o rótulo de feminista, porque dizem que é queimar sutiã, manifestarem-se nas ruas.

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Está a querer dizer que o feminismo não é política?
Não, porque dizer que não é política é uma forma de esvaziar estes temas, tudo o que faz na sociedade é um ato político. Política não é só falar de partidos, de eleições, de votos, tudo o que fazemos é política, o preço da comida também é política. Falar de feminismo é falar de política, da igualdade de género, muitas destas questões estão na lei, mas falta a aplicação. Na constituição brasileira, todos somos iguais, mas o machismo continua a existir, em situações que não se resolvem com leis.

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Tem a ver com mentalidades.
Mentalidades, cultura, às vezes, o machismo mora nos detalhes, é um olhar, um comentário, uma piada, o facto de não conseguir um emprego porque se é mãe, um colega que trabalha menos e que é promovido porque o seu chefe acha que você não vai dar atenção plena ao trabalho porque tem um filho, são muitas coisas que não devemos descurar.

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Ideologicamente onde é que se situa?
Considero-me uma pessoa de esquerda.

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O feminismo tem preferencialmente lugar na agenda da esquerda?
Depende, no Brasil estamos num período muito polarizado, politicamente falando, entre esquerda e direita. Muitas pessoas de direita negam o feminismo, porque muitas pessoas de esquerda debatem o feminismo. Mas o feminismo só funciona se for para todas as mulheres, independentemente de serem de esquerda ou de direita.

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A situação das mulheres no Brasil piorou com Bolsonaro?
Está pior no sentido em que ele sempre foi um homem que não tem vergonha em defender posições machistas, um pensamento misógino. Faz afirmações do género, essa mulher não seria violada porque é feia, eu não a violaria. Para as minorias, em geral, o Brasil está num período muito complicado.

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A sua apresentação no TEDx Blumenau (Brasil) tem mais de 1,8 milhões de visualizações, não recebeu críticas?
Em geral, recebo poucas críticas. Quem acede à minha página, vai à procura de um determinado assunto. Não chega pelo feminismo mas por algumas frases de empoderamento.

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Quando diz às mulheres “empodere-se”, quer dizer o quê?
Empoderar é dar o poder a alguém, quando dizemos que a pessoa se deve empoderar é dizer que tem o poder de fazer o que quiser da sua vida, de decidir. Vivemos numa sociedade machista, que diz que a mulher não pode fazer certas coisas, que deve ter determinado comportamento para salvar um relacionamento, que tem de ser mãe, há várias questões que se relacionam com o empoderamento. Essencialmente, é perceber qual é o seu papel enquanto mulher e entender porque é que as coisas acontecem, tirar a pressão de que a culpa é dela. Estamos inseridos num sistema que favorece os homens, acabamos por ser moldadas para corresponder a um estereótipo, a um padrão, não só físico como de comportamento e de pensamento.

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O seu livro tem 100 desafios, um por dia, são passos para esse empoderamento?
Pensei em lançar desafios que fossem além das propostos habituais às mulheres, como iniciar um a dieta. Tudo bem se quer começar uma dieta na segunda-feira, mas temos outras questões para resolver na nossa vida, questões mais profundas e que se relacionam com o nosso dia-a-dia. A ideia é trazer mais mulheres para o debate com desafios com os quais se identifiquem, associar um desafio com alguma história que tenha vivido, não necessariamente falar de feminismo na teoria mas na prática, com uma linguagem simples e que consiga aproximar as mulheres.

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Este não é um livro sobre os direitos, mas sobre como uma pessoa gostar de si.
Exato. Sinto que somos ensinadas a ter um padrão para sermos felizes. Não é necessariamente ir atrás do que queremos mas do que esperam de nós. E sentimo-nos culpadas porque, na maioria das vezes, não no enquadramos nesse padrão.

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Dizemos “sim” com o medo de dizer “não”.
É um entre muitos exemplos, são comportamentos que têm raízes muito profundas. O primeiro desafio é “perdoe-se”, para embarcar nessa viagem de autoconhecimento, de autorrespeito, é importante que a mulher respeite o que foi no passado para entender quem é no presente. Se viveu uma situação de violência, se teve medo por ser mulher, se sentiu que foi tratada de maneira diferente, não é culpada disso, faz parte do sistema.

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Mais parece um livro de autoajuda.
Talvez seja, mas a intenção de criar a página “empodere duas mulheres” foi construir uma rede de mulheres, que as mulheres se conectem, que sejam plantadas sementes para a construção dessa rede. Escrevi este livro para trazer as mulheres para o debate do feminismo, não falando de teoria feministas, mas lançando desafios em que se possam reconhecer e aplicar no dia-a-dia.

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Quem são as mulheres que alimentam as suas páginas?
Todo o tipo de mulheres, de todas as idades, dizem-me que mudei a vida delas, inclusive que virou livro de cabeceira. Uma das pessoas a quem dei o livro foi à minha avó, que é de outra geração. Contou-me histórias que se passaram com ela e que, só depois de ler o livro, percebeu que se identificava com o feminismo. Quis estudar, ser professora, vivia numa cidade muito pequena, tinha de apanhar um autocarro e chegava de noite, etc, etc.

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Muitas das afirmações/ideias/conselhos podem destinar-se a qualquer pessoa, independentemente de ser homem ou mulher, por exemplo, “gostar de si”.
Pode, mas é um livro voltado para as mulheres, é de onde parto. Há alguns homens que leram o livro e que dizem ter vergonha de alguns comportamentos, mas este livro é para as mulheres. Acho é que os homens deviam ler mais livros escritos por mulheres.

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Em qualquer género literário?
Sim, vejo pouquíssimos homens a ler escritoras mulheres, não necessariamente feministas. Há até a história J.K. Rowling, criadora do Harry Potter, a quem a editora aconselhou a assinar as iniciais do seu nome para não se perceber que era mulher. É o exemplo desse machismo, muito simbólico.

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Qual é a escritora de que gosta mais?

Virgina Woolf.

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“Um quarto que seja seu” fala precisamente nessa afirmação enquanto pessoa.
Sim, escreveu muitos livros que já tinham essa pegada feminista, que falaram de um tema muito delicado, isto há décadas, e há autoras mais recentes que abordam esses temas. No Brasil, temos a Jamila Ribeiro e que consegue ter uma projeção internacional. Há livros incríveis de mulheres.

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Nasceu e cresceu no Brasil, agora governado por Bolsonaro, vive há três anos Reino Unido, dominado pelo Brexit. Como vê essas duas realidades?
Estamos viver um momento delicado em todo o mundo, estamos a assistir a uma grande transformação, há uma corrente conservadora muito grande em muitos países, acho que é uma resposta aos movimentos sociais que se organizaram e cresceram. A consciencialização aumentou, as pessoas começaram a falar mais dos seus problemas e das desigualdades. Inglaterra é diferente do Brasil, culturalmente, debatem há mais tempo as questões de género e de uma forma mais aberta. Nos noticiários e nas notícias, há espaço para falar sobre o assédio no local de trabalho, as vítimas de abuso, as políticas públicas, abrem muito esse debate. No Brasil, encalhamos muito, principalmente com o atual governo, que é uma resposta à consciencialização que existiu nos últimos anos no país.

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As coisas estão piores para a mulher?
Acho que qualquer período anterior a este era pior para as mulheres. Ouvimos falar de mulheres que foram queimadas porque eram consideradas bruxas; mulheres que não podiam votar; que não podiam ter nada em nome delas, não podiam ter um cartão de crédito sem autorização do marido; deram-se grandes conquistas. Sinto que sou de uma geração privilegiada porque antigamente as mulheres da minha idade não tinham a informação que tenho, hoje as meninas já nascem com as redes e é mais fácil ter contacto com este tipo de assuntos. Espero que as próximas gerações consigam fazer uma transição mais natural no sentido da igualdade. Mas temos ainda muito para caminhar, muitas lutas para conquistar, e todo o debate é válido.

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Surpreendeu-a o seu sucesso nas redes sociais?
Foi surpreendente. Quando pensei em criar esta página dizia que se conseguisse reunir cinco mulheres era muito bom, cem já era mais do que poderia reunir em minha casa. Não esperava que existisse tanta necessidade de falar desse assunto, a explosão da página é porque encontrou um terreno fértil para debatermos as questões do feminismo e de uma forma escancarado. Talvez no passado o movimento feminista tenha sido mais fechado, com um grupo específico de mulheres que reuniam e iam para a rua protestar, hoje, conseguimos falar mais abertamente destas questões.

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Quem é a mulher Maynara?
Uma mulher de 28 anos, independente, mulher.

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Quer ter filhos?
Não penso nisso agora, tenho outros projetos. Estou num processo de mudança de trabalho (para uma área mais ligada à tecnologia), de mudança de carreira, não sei o que vai acontecer, mas não descarto a possibilidade de ter filhos. O feminismo é isso, ter a oportunidade de decidir, se quer trabalhar, se quer ter dona de casa, escolher o que quer é bom para ela. O feminismo quer que a mulher encontre o seu lugar, um lugar que não foi imposto.

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Qual é o projeto que se segue?
Tenho pensado muito nas redes sociais que não são necessariamente um espaço seguro para as mulheres, há muitas pessoas mal-intencionadas. Gostaria de criar um ambiente seguro onde pudéssemos partilhar as nossas experiências. Muitas mensagens que recebo são de mulheres que querem sentir que são ouvidas. Gostaria de criar um espaço seguro para as mulheres na internet, talvez uma plataforma. Somos fatores de mudança no mundo.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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