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Débora Otunolá: A mina que descobriu nos cabelos a força de ser uma mulher negra

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Veja publicação original: Débora Otunolá: A mina que descobriu nos cabelos a força de ser uma mulher negra

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Aos 32 anos, Débora é organizadora da Marcha do Orgulho Crespo em Porto Alegre: “Mas o nosso cabelo cresce para cima é assim que é. Como uma coroa”, afirma em entrevista ao HuffPost Brasil.

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A revolução, para Débora Otunolá, de 32 anos, começou pelos cabelos. A decisão de deixar de usar qualquer químico nos fios foi apenas a porta de entrada – ou seria de saída? – para um mundo de descobertas e reconstruções, interiores e exteriores: quem ela é; o que representa; de onde veio e, principalmente, a pergunta: como impactar de forma positiva a sociedade em que sua filha vai crescer?

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“Minha mãe começou muito cedo com química, pente quente, trancinhas ‘megapuxadas’. Não lembro como era meu cabelo natural quando criança”, conta. Há cinco anos, Débora iniciou a chamada transição capilar, que tem esse nome bonito porque é muito mais do que uma opção estética: é uma opção política, que leva tempo e paciência. “Cortei bem curto para deixar crescer o cabelo natural. Em seguida, engravidei, e pensei: agora eu sou referência para alguém, seja guri ou guria. Lembrava da minha experiência na infância, do couro cabeludo queimado”, relembra.

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“Usar o cabelo natural é um ato político.”

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CAROLINE BICOCCHI/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
Para Debora, hoje, seu cabelo é como uma coroa que mostra seu lugar de rainha na ancestralidade.

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A gestação foi um gatilho que fez Débora refletir sobre sua hereditariedade e qual legado queria deixar para sua filha, Aderemi Vitória, hoje com três anos e nenhum produto químico nos cabelos. “Minha mãe ainda pergunta quando eu vou ‘dar um jeito’ no cabelo dela. Para uma pessoa de mais de 60 anos, o cabelo para cima é desajeitado. Mas o nosso cabelo cresce para cima é assim que é. Como uma coroa“.

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Foi assim que Débora explicou para Aderemi por que seu cabelo é diferente do das colegas na escola. “Quando ela disse: ‘mãe, eu quero um cabelo que cresce para baixo’, eu percebi: ela não está se identificando. E aí eu entendi a minha mãe”.

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Minha mãe ainda acha que eu deveria sentar todo domingo com minha filha e fazer aquelas trancinhas bem puxadas que doem horrores.

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CAROLINE BICOCCHI/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
A ideia de que o cabelo crespo é “ruim”, “não presta”, e “é feio” não existe na cabeça de Debora. E ela quer que mais mulheres entendam isso também.

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Em iorubá (idioma original do oeste africano), o nome da pequena significa “empoderada pela coroa do rei”. Otunolá, sobrenome adotado por Débora em substituição ao Rosa Santos de batismo, quer dizer “a nova riqueza e honra”. “Utilizar os nomes africanos é resgatar a identidade que nos foi tirada. Nome também é um agente de transformação”.

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Em vez de histórias como a da princesa “Bela Adormecida”, Aderemi ouve histórias da literatura afro – como Meninas Negras, de Maria do Carmo Ferreira Costa. “São contos sobre a criação do mundo sob a perspectiva da matriz africana, que é bem diferente da eurocêntrica a que nos acostumamos”, aponta Débora. Aluna de uma escola particular, Aderemi é a única negra em sua turma, e uma das únicas em todo colégio.

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No dia em que a atividade das crianças envolvia pintar a mão de tinta branca para carimbar o “limpo”, e pintar a mão com tinta preta para identificar o “sujo”, Débora foi até a escola questionar a equipe pedagógica. A conversa, felizmente, foi construtiva. “Até me pediram mais referências [de material didático]”, conta.

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Os professores do curso de psicologia, que cursa no momento, também a vêem como uma referência. Débora faz questão de buscar e levar para as aulas autores negros fora da bibliografia, como Virgínia Bicudo, a primeira psicanalista não-médica do Brasil, e a psiquiatra Neusa Santos Souza.

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“A gestação foi um gatilho para entrar nos movimentos. Não quero que minha filha passe por tudo isso, mas sei que racismo e machismo não vão acabar na geração dela.”

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CAROLINE BICOCCHI/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
Há cinco anos, Débora iniciou a transição capilar, que tem esse nome bonito porque é muito mais do que uma opção estética.

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Além de mãe e estudante universitária, Débora também é técnica em enfermagem. E suas atividades não se resumem a isso. Desde 2015, é uma das coordenadoras da Marcha Nacional do Orgulho Crespo em Porto Alegre, e ainda: é educadora social do projeto Ori Inu, onde ministra quinzenalmente oficinas para crianças de 6 a 12 anos de uma comunidade; é apresentadora do programa Orgulho Crespo, todas as quartas-feiras na web rádio Reação; e membro da Rede Nacional Afrobrasileira de Saúde (Renafrosaúde RS), um movimento de articulação junto a governos para sensibilizar para o atendimento médico para comunidades negras ligadas a terreiros.

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“A gente não está nos mesmos espaços, mas está todo mundo na rede social reclamando que outros estão ocupando nossos espaços. Então temos de sair do ativismo de rede social.”

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CAROLINE BICOCCHI/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
“A capoeira é a metáfora da vida. Tem horas que tu leva uma rasteira, mas a opção é levantar”, afirma.

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Ela ainda encontra tempo para praticar capoeira e faz isso há mais de cinco anos. Descobriu, na capoeira angola, mais uma ferramenta de conexão com a matriz civilizatória africana. Começou a praticar graças a uma bolsa concedida pela escola e nunca mais parou. “A capoeira é a metáfora da vida. Tem horas que tu leva uma rasteira, mas a opção é levantar. Se não cair, como se aprende a levantar?”.

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“Não fomos escravos. Fomos escravizados.”

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CAROLINE BICOCCHI/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
No projeto “Através do Espelho” Debora consegue fazer com que a mensagem de beleza e empoderamento chegue a mais meninas e mulheres.

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Há cerca de um ano, Débora optou por usar dreadlocks, uma tradição entre antigas civilizações da Índia, do Egito e da África. No leste africano, esse penteado era usado por guerreiros para intimidar os inimigos, mas também é, para Débora, uma “expressão de pureza, não-violência e de luta contra o sistema”.

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Marcha do Orgulho Crespo em Porto Alegre terá sua quarta edição em novembro de 2018. Na estreia, lembra Débora, a percepção geral foi de que era um movimento apenas estético. E hoje é um ato de expressão cultural em sua forma mais ampla, que reúne quase 2 mil pessoas nas ruas de Porto Alegre. Em 2017, as organizadoras da Marcha criaram o projeto Através do Espelho, para promover o conhecimento e a discussão da história negra ao longo do ano inteiro. Há rodas de conversa com crianças, e até sobre cabelo.

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“As crianças [negras] às vezes não se vêem nos professores, não se vêem nos colegas, chegam na universidade e pensam ‘esse lugar não é para mim’. A gente quer falar das mortes, do preconceito, mas de uma forma não tão dolorida. Queremos mostrar a alegria que temos, apesar da dor, da batalha diária. E que a Marcha seja um momento de festejar o construído ao longo do ano, e não falar só das nossas dores”, finaliza.

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Ficha Técnica #TodoDiaDelas

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Texto: Isabel Marchezan

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Imagem: Caroline Bicocchi

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Edição: Andréa Martinelli

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Figurino: C&A

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Realização: RYOT Studio Brasil e CUBOCC

 

 

 

 

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