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‘Condenadas’: visitas são raras em penitenciárias femininas, aponta pesquisa da UFMG

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Veja publicação original:  ‘Condenadas’: visitas são raras em penitenciárias femininas, aponta pesquisa da UFMG

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Muitas presas preferem se isolar por culpa e preocupação com o bem-estar da família. A pesquisa aponta também que a sociedade rejeita mais detentas que detentos.

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Para Ferreira de Araújo, de 21 anos, presa no Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto, em Belo Horizonte, por tráfico de drogas, não recebe visitas desde janeiro. “Prefiro que minha família não venha. Tenho muita saudade dos meus filhos, da minha avó, que me criou, mas não quero que ela passe por esse constrangimento, que tenha que ‘agachar’”, disse a detenta se referindo ao procedimento de revista.

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Ela não vê os dois filhos mais velhos, de cinco e de três anos de idade, desde que foi presa, há um ano e nove meses. Na época, ela estava grávida do caçula. Ele nasceu quando Lara estava no Centro de Referência à Gestante Privada de Liberdade, em Vespasiano, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. “Não vejo meu bebê há quase cinco meses. Sinto muita falta dos meus filhos, mas não quero que eles me vejam aqui assim”, disse a mulher.

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Lara não é exceção entre suas companheiras. De acordo com pesquisas feitas pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a maioria das detentas do Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto não recebe visitas regulares da família ou de companheiros. Ao contrário das longas filas registradas em penitenciárias masculinas, os sábados e domingos, dias de visita, são solitários para muitas mulheres encarceradas.

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“Nas entrevistas que fazem parte da pesquisa, os homens dizem ter visitas, contam quem os visita, a periodicidade. As mulheres, por sua vez, não. As mulheres são muito pouco visitadas e isso é um dado que aparece na fala daquelas que são visitadas e daquelas que não são, que o dia de visita é um dia muito triste. O dia de visita é um dia muito vazio”, disse a professora Luana Hordones, uma das responsáveis pelas pesquisas.

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O G1 apresenta nesta semana uma série sobre a solidão enfrentada por detentas e ex-detentas em Belo Horizonte. As reportagens são norteadas por pesquisas realizadas pelo Centro de Estudos de Criminalidade e Segurança Pública (Crisp), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG)

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A Secretaria de Estado de Administração Prisional de Minas Gerais (Seap) não divulgou ao G1 quantas pessoas, em média, visitam penitenciárias masculinas e femininas no estado. Já as entrevistas feitas pelos pesquisadores da UFMG em ambos os espaços revelam que as presas são bem menos requisitadas por suas famílias do que os presos.

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De acordo com o estudo “Dores do aprisionamento: a vivência das mulheres nas prisões”, as detentas, ao contrário dos detentos, demonstram um cuidado maior com suas famílias ao justificar a ausência delas nos horários de visita.

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“Nas narrativas dos homens a preocupação com o bem-estar das pessoas que os visitam não aparece. Eles dizem que são visitados, qual é a periodicidade, quem vai até a prisão vê-los, como ele mantém contato com a família, mas na narrativa das mulheres, quando elas dizem que não são visitadas, e se são, são visitadas sem essa periodicidade, sem essa frequência, elas acabam justificando essa ausência da visita”, disse a professora.

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“Elas acabam dizendo, ‘eu prefiro que não me visite porque é constrangedor’, ‘é muito constrangedor que faça a revista’ ou ‘não quero que venha aqui me ver desse jeito’. (…) mesmo presas, essas mulheres tentam da sua forma, da forma que lhes cabe, cuidar da sua família. E muitas delas, a única forma que elas encontram é não requerendo essa visita, não insistindo para que as visitem”, completou.
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A pesquisa aponta também que o peso moral dos crimes das mulheres é maior quando comparado aos dos homens. A prisão recai como ‘rejeição moral’ mais fortemente sobre elas.

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“A mulher quando ela está presa é como se ela cometesse dois crimes porque além de infringir a lei, ela também infringiu o papel social que lhe foi dado que é o de mulher. É como se a mulher não fosse vista como um ser na sociedade que desenvolve as mesmas atividades do homem. A nossa sociedade rejeita muito a mulher criminosa. Isso pode ser sim um grande fator para que elas sejam menos visitadas”, explicou a pesquisadora.

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Para Lara, o isolamento é uma consequência dos seus próprios erros. “Eu entendo eles, né? Eu estou aqui por minha culpa. Não foi por falta de aviso”, disse ela.

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A última visita que recebeu foi de uma tia. Os pais e os sete irmãos nunca foram vê-la. “Eles moram longe. No interior. É difícil pra eles, né?”, justificou ela.

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Perfil
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Segundo o último relatório do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), divulgado em abril deste ano, 411 mulheres estavam presas no Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto. A cadeia tem 374 vagas.

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A pesquisa “Dores do aprisionamento: a vivência das mulheres nas prisões” realizada pela UFMG aponta que 77% das detentas do Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto tinham companheiros antes da prisão, sendo que 47% alegaram ter terminado o relacionamento.

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“Meu companheiro ‘rodou’ junto comigo. Também está preso. Mas eu não quero mais nada com ele. Penso nos meus filhos, voltei a estudar por eles. Essa (prisão) foi a primeira e última”, disse Lara.

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Ainda segundo o estudo, 75% das presas são mães. Os filhos ficaram sob os cuidados de avós, e em sua grande maioria, de avós maternas. Grande parte deles também não recebe pensão do pai.

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Antes de serem presas, 71% das mulheres eram chefes de família ou dividiam a responsabilidade do sustento da casa. Lara trabalhava em um salão de beleza. Segundo ela, “se envolveu com as coisas erradas” quando o conheceu o ex-namorado. “Eu tinha emprego. Tudo direitinho. Espero abrir meu próprio salão um dia”, disse Lara.

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Crislaine

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“Meu sonho é abrir uma barraca de comida mineira na praia”, disse Crislaine Ataíde, de 38 anos, condenada a 13 anos de prisão por tráfico de drogas, associação para o tráfico, indução ao uso de drogas e receptação.

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Ela não vê os filhos adolescentes há dois anos. “Eles estão com a minha mãe. Eu prefiro que eles não venham, sabe? Falo com eles por telefone. É terrível. Perdi muita coisa da vida deles, o primeiro amor, a primeira decepção amorosa. Me pergunto como é possível conseguir viver em um ‘quadrado’ com outras 30 mulheres e não conseguir viver lá fora?”, disse a detenta.

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A única visita que Crislaine recebe é da mãe. De acordo com a presa, ela vai até a Penitenciária Estevão Pinto em datas comemorativas como Natal, Dia Internacional da Mulher ou Dia das Mães. “Ela sabe como é isso aqui. É a que mais me entende”, contou Crislaine ao se referir à mãe, uma ex-detenta. “Eu entendo que ela venha às vezes. Ela já cuida dos meus filhos o que já é demais”, disse ela.

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O pai de Crislaine também já foi preso. Ele foi diagnosticado com câncer dentro da cadeia e conseguiu o benefício da prisão domiciliar, mas não houve tempo para que os dois se reencontrassem.

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“Eu fui presa dias antes da saída dele. Ele estava morrendo e eu não pude ficar com ele. Sinto muita falta dele”, contou a detenta.

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A filha mais velha de Crislaine tem 22 anos e está presa na Penitenciária Professor Jason Soares Albergaria, em São Joaquim de Bicas, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

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“Eu rezo para que ela seja transferida para cá. Existe ex-namorado, ex-marido, mas não existe ex-filho. Só ter ela do meu lado vai me dar tanta alegria. Cuidar dela, sabe?”, disse a presa.

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‘A gente se sente um pouco inferior’

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O último namorado de Crislaine nunca foi visitá-la. Ela o conheceu quando cumpria pena em uma cadeia mista no interior do estado. “Ele estava preso lá também, mas já saiu. Não me escrevia há onze meses. Agora que veio uma carta dele. Mas não sei se vou querer dar seguimento a isso. Ele nem vem aqui”, contou ela.

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As duas irmãs e o irmão dela também ainda não foram vê-la. Apesar de entender a decisão deles, Crislaine sente falta de um apoio maior por parte da família.

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“Acho que não tem por obrigação de vir me visitar. Mas a gente se sente um pouco inferior, menor. Mas nada que uma oração, que o tempo não passe, não releve. É bom você ver a felicidade do próximo e não sua própria felicidade”, disse a detenta.

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* Arte: Lucas Vinaud

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* Edição de imagens: Humberto Trajano

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