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Certeza de impunidade impede mulheres de denunciarem assédio sexual no trabalho. O que empresas devem fazer?

Saiu no site O GLOBO.

 

Veja a Publicação original.

Quase metade das mulheres já sofreu assédio sexual no trabalho, mas oito em cada dez consideram a certeza da impunidade como a principal barreira para a denúncia. As constatações fazem parte de uma pesquisa realizada pela Think Eva, consultoria especializada em gênero, em parceria com o LinkedIn, divulgada na última terça-feira (6).

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Entre as entrevistadas, a maioria das que afirmaram já ter sofrido assédio no ambiente profissional são mulheres negras (52%) e que recebem entre dois e seis salários mínimos (49%). O questionário online recebeu 414 respostas, com índice de confiabilidade de 99% e amostra representativa da população brasileira em relação à raça, região, idade e renda.

O levantamento mostrou que as mulheres estão cada vez mais vocais e conscientes em relação à violência sexual. Elas conhecem o tema e sabem do que se trata. Do total de entrevistadas, 51% disseram conversar frequentemente sobre isso e 95% afirmam saber o que é assédio sexual no ambiente de trabalho. Porém, a identificação dos casos continua sendo um desafio e as denúncias ainda são raras, pois falta apoio para reagir.

A certeza da impunidade, o medo da exposição e da demissão estão entre as principais barreiras citadas pelas entrevistadas para não denunciar seus assediadores. Outras 27% afirmaram não têm certeza se o que sofreram foi um assédio sexual e 16% revelaram sentir culpa.

— Não há uma grande surpresa em relação a esses dados. A gente já imaginava que o cenário era esse. As empresas também fazem parte dessa sociedade machista e permissiva em relação ao assédio, mas têm feito muito pouco em relação a isso — afirma Maira Liguori, cofundadora e diretora de impacto da Think Eva.

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Para ela, ainda que sabidamente o assédio seja um dos grandes entraves para o ingresso e o desenvolvimento das mulheres no mundo do trabalho, o assunto segue sendo tratado como de menor importância pela maior parte das companhias.

O que é assédio sexual?

Pelo Código Penal, o assédio sexual é definido como o ato de “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.” O crime é passível de pena de 1 a 2 anos de detenção.

A advogada Marina Ruzzi, sócia do escritório Braga & Ruzzi Advogadas, explica que a conduta costuma ser tratada tanto no âmbito criminal quanto no âmbito trabalhista.

Para que seja configurado crime, é preciso que o agente, usualmente o homem, utilize de cargo hierárquico superior para obter alguma vantagem sexual indevida. Isso vale para o chefe no ambiente de trabalho, para o professor na universidade ou para líder religioso, por exemplo. Na Justiça trabalhista, a configuração do assédio pode ser mais abrangente e não necessariamente exigirá uma condição de submissão hierárquica da vítima.

— Pode ser chantagem, intimidação ou algo implícito. Se o chefe chama para sair, ele não precisa dizer que vai me ferrar se eu recusar, porque isso está implícito. Mas também pode ser assédio o colega que está no mesmo nível hierárquico e faz contatos e elogios inadequados e não consentidos, piadas de cunho sexual ou pede e manda nudes pelo Whatsapp — afirma a advogada.

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A maior parte das entrevistadas na pesquisa da Think Eva associa o assédio sexual a violências mais explícitas, como a física, deixando de lado as mais sutis, como a verbal e a psicológica. Nove em cada dez mulheres associam a conduta a solicitação de favores sexuais ou ao contato físico não solicitado.

— Não necessariamente é preciso que haja contato físico para que se configure o assédio sexual. A ameaça, a coerção e a violência psicológica também podem ser consideradas crime. Coisas sutis e indiretas como gestos ou olhares inadequados também, desde que a mulher esteja se sentindo constrangida e intimidada. Mesmo estando fora do horário de trabalho, no happy hour, também pode ser considerado assédio, porque a conduta aconteceu no contexto das relações profissionais — explica a advogada Luciana Terra Villar, especialista em Direito das Mulheres, líder do projeto Justiceiras e coordenadora do #MeTooBrasil.

Ela lembra que o crime também acontece no ambiente virtual. O mesmo alerta é feito pela Think Eva, que constatou que assédio não deixou de existir com a migração do trabalho para o contexto online imposto pela pandemia. Segundo o estudo, o LinkedIn, maior rede social profissional do mundo, registrou aumento de 55% no volume de conversas entre os usuários na plataforma entre março de 2019 e março de 2020. Mais conversas significa mais assédio.

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Como denunciar?

Uma mulher que sofreu assédio sexual no trabalho pode denunciar seu agressor criminalmente e buscar reparações ao processar a empresa na esfera trabalhista, explicam as advogadas Marina Ruzzi e Luciana Terra Villar. Ruzzi aconselha ainda que a mulher busque orientação jurídica e acolhimento psicológico, se puder, antes mesmo de acionar o RH da empresa. Mas Terra Villar considera ser importante comunicar a companhia:

— É importante a empresa ter o conhecimento. Se for negligente, a mulher pode registrar um boletim de ocorrência e abrir um processo trabalhista, ou acionar o Ministério Público do Trabalho — orienta.

Ruzzi considera que o ideal é que a companhia tenha um canal independente e confidencial para receber as queixas. Se isso não for possível, é preciso que haja uma forma de comunicação com o próprio setor de Recursos Humanos, que deve garantir o sigilo da denúncia e estar previamente preparado para lidar com esses casos.

— O RH tem a responsabilidade de conduzir essa investigação de forma sigilosa, acolhendo essa mulher, assegurando seus direitos e sua proteção e garantindo uma solução ágil. Se ela está trabalhando diretamente com o agressor, alguém vai precisar mudar de setor e é preferível que quem mude seja a pessoa que esta sendo investigada. A vítima não pode ser prejudicada por algo que não teve culpa — afirma. Ela ressalta que é muito comum que, nessas investigações, o RH acabe descobrindo outras ocorrências envolvendo o mesmo agressor, pois essa é uma conduta em que costuma haver reincidência.

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Ao contrário do considerado ideal, a relação com o setor de RH é outra. A maioria das mulheres não considera a área como aliada. No levantamento da Think Eva, metade das entrevistadas afirmou que preferiu dividir o ocorrido apenas com pessoas próximas; 33% não fizeram nada e 14,7% optaram pela demissão.

— Se a mulher pediu demissão porque foi coagida ou porque a situação ficou insustentável na empresa, ela não tem as verbas trabalhistas resguardadas. Isso pode ser revertido na Justiça do Trabalho, que também pode determinar que ela seja readmitida, se assim preferir — diz Terra Villar.

Antes de recorrer à Justiça, Ruzzi recomenda ainda que a vítima verifique se tem provas que possam corroborar sua denúncia: tem alguma mensagem? Alguma testemunha? Alguém com quem conversou quando sofreu o assédio que possa ampará-la nesse processo?

O assédio também costuma deixar marcas na saúde mental das vítimas. Depressão, ansiedade e síndrome do pânico são as consequências mais comuns. Laudos médicos que comprovem o desenvolvimento de algum transtorno psíquico decorrente da violência podem ser apresentados como provas em um proceso.

Responsabilidade das empresas

Poucas corporações encaram, solucionam e amparam as vítimas de uma forma transparente e comprometida. Para 78% das entrevistadas pela Think Eva, a impunidade é a maior barreira para a denúncia, seguida de políticas ineficientes (63,8%) e medo (63,8%).

— Quando uma mulher denúncia o assédio, as equipes de RH não estão preparadas. O problema é minimizado e não tem o encaminhamento devido. É um ciclo que permite que esse comportamento aconteça. As mulheres sabem que quando vão denunciar isso vai se reverter contra elas, impedindo seu avanço profissional ou até causando uma demissão — afirma Maira Liguori.

Na pesquisa, as entrevistadas puderam sugerir ações para combater o assédio sexual. Entre as recomendações está a importância de se investir em campanhas de conscientização e de as empresas assumirem um compromisso oficial e público de tolerância zero com a violência sexual. As participantes também sugeriram a criação de ouvidorias especializadas com a disposição de apurar e solucionar as denúncias, além de um monitoramento constante dos casos.

As mesmas medidas são defendidas por especialistas, que reforçam ainda a importância de que a companhia crie protocolos para lidar com os casos de forma que o agressor seja responsabilizado e não haja ônus para a vítima, e de que o processo seja conduzido de forma transparente, para que a mulher saiba o que está acontecendo com a sua denúncia.

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— Muitas mulheres não querem que o assediador vá preso, só querem que o assédio pare e que elas possam trabalhar em paz. E é responsabilidade das empresas garantir essa paz e garantir a saúde dos seus funcionários, e isso também inclui a dignidade sexual — afirma Marina Ruzzi.

A advogada considera que mesmo empresas maiores tenham mais facilidade de implementar medidas mais efetivas de combate ao assédio, as pequenas e médias empresas — que são maioria no Brasil — também podem e devem atuar para garantir um ambiente de trabalho seguro para suas funcionárias.

— É claro que uma multinacional vai ter condições de fazer algo melhor, mas essas pequenas empresas geralmente têm ao menos uma pessoa de RH que pode atuar para além do recrutamento e do pagamento da folha. Mesmo que seja uma pessoa, se tiver um protocolo, ela vai se sentir mais segura para agir nesses casos e as funcionárias também — diz Ruzzi.

Para Liguori, é essencial que assédio deixe de ser considerado um problema individual da mulher, mas passe a ser debatido como uma questão da sociedade, em uma conversa pública e qualificada entre as empresas e setor público:

— É também uma conversa sobre a reputação das empresas. Uma empresa que não assumir o compromisso de enfrentar a violência contra a mulher vai ficar parada no tempo.

Raça e classe

A pesquisa feita pela Think Eva indica que o assédio sexual atinge as mulheres de maneira desigual. Negras (pretas e pardas) e mulheres com rendimentos menores são as principais vítimas. Maira Luguori, diretora de impacto da entidade, reforça a importância do recorte de raça e classe apontados pela pesquisa:

— A vulnerabilidade social dessas mulheres já agrava esse problema. As mulheres negras e que ganham menos de dois salários mínimos são as mais gravemente afetadas pelo assédio. Elas costumam ser responsáveis financeiramente pelos seus lares e têm uma relação de necessidade com o trabalho que não permite nenhuma concessão ou questionamento. São mulheres que não podem se dar ao luxo de enfrentar o chefe, porque não podem correr o risco de perder o emprego. E vimos que o assédio acontece mais com elas — explica.

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O levantamento apontou que entre as entrevistadas, a sensação de insegurança é maior entre mulheres com renda de até 2 salários mínimos (50,8%). Este mesmo grupo, assim como as participantes pretas e pardas (54%), também são maioria em afirmar que sentem vergonha por serem vítimas de assédio sexual. O índice chega a ser 10 pontos percentuais superior à média de mulheres com outros perfis.

— O impacto sobre a produtividade dessas mulheres também é maior. Elas são muito mais silenciadas e quando falam, não são ouvidas.

Neste cenário, a organização reconhece o racismo como um dos fatores que agravam a condição das mulheres negras e afirma que combater o ciclo do assédio no ambiente de trabalho também passa por considerar essas especificidades.

 

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