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ARTIGO: ‘Mulheres invisíveis’ — quando a casa não é um santuário

Saiu no site ONU BRASIL

 

Veja publicação original:  ARTIGO: ‘Mulheres invisíveis’ — quando a casa não é um santuário

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Em artigo, a especialista do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), Nika Saeedi, alerta para os desafios na reintegração de mulheres e meninas que se associaram de alguma forma com grupos terroristas ou que têm parentes homens alistados nesses movimentos.

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Um novo relatório da ONU aponta que essas mulheres e meninas são alvo de estigma e raiva quando voltam para suas comunidades — o que agrava o risco de ingressarem novamente em grupos extremistas..

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Depois de mais de dois anos como refém do Boko Haram no nordeste da Nigéria, uma das meninas de Chibok relata as terríveis condições que vivenciou. Foto: UNICEF Nigéria

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Por Nika Saeedi, especialista de políticas em gênero, processos políticos e construção da paz do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), e Sanam Naraghi Anderlini, fundadora e diretora-executiva da Rede Internacional de Ação da Sociedade Civil (ICAN)*

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Mortes resultantes de ataques terroristas e do extremismo violento caíram quase um terço em 2017. Mas para as mulheres e crianças com vínculos com grupos extremistas, o pesadelo de viver sob o jugo do ISIS ou do Boko Haram está longe do fim — com governos sobrecarregados e despreparados para reintegrá-las e reabilitá-las. Em nível local, são organizações comunitárias lideradas por mulheres que estão dando a volta por cima.

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A escala do problema

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Na Síria, autoridades curdas estariam mantendo em detenção cerca de 2 mil mulheres e crianças estrangeiras, que se acredita terem se associado ao ISIS. Na Nigéria, milhares de mulheres e meninas associadas ao Boko Haram — sequestradas ou forçadas a se alistar, recrutadas, agredidas ou subornadas — estão abrigadas agora em campos militares, vulneráveis a abuso e estigmatizadas por suas comunidades.

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Do Líbano e da Tunísia ao Quênia, Indonésia e além, homens e mulheres ligados a grupos extremistas violentos buscam cruzar fronteiras internacionais e retornar para casa, frequentemente acompanhados de crianças.

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Um novo relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) e da Rede Internacional de Ação da Sociedade Civil (ICAN), Mulheres Invisíveis: Dimensões de Gênero do Retorno, Reintegração e Reabilitação, visa a documentar os desafios relatados para reintegrar mulheres e meninas associadas a movimentos extremistas violentos e estabelecer uma base preliminar de evidências das melhoras práticas para lidar com eles.

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Em todos os contextos, o estudo aponta, dinâmicas de gênero desempenham um papel crítico. Mulheres e meninas que retornam e que foram vítimas de violência sexual enfrentam um estigma adicional e têm necessidades psicossociais e de saúde distintas. Elas sofrem consequências econômicas também: viúvas de homens que se uniram ao ISIL no Iraque ou na Síria agora têm de obter uma renda enquanto cuidam sozinhas das crianças.

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No Iraque, viúvas estrangeiras de ex-combatentes podem enfrentar a pena de morte independentemente de seu papel nos movimentos. O status de muitas crianças e órfãos permanece desconhecido. Na Nigéria e em outros lugares, se as mulheres voltam para as suas comunidades e enfrentam falta de oportunidades, junto com o estigma de serem afiliadas a extremistas violentos, o risco de uma nova radicalização e um novo recrutamento aumenta.

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Temidas e sem confiança

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O medo, a raiva e a desconfiança das comunidades em relação às mulheres e crianças que retornam estão entranhados em todos os cenários, frequentemente com consequências mortais. O governo tem, ao mesmo tempo, que proteger e garantir justiça para seus cidadãos, enquanto assegura o devido processo legal, a dignidade e a adesão às leis de direitos humanos para esses retornados.

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Em muitos casos, mães, esposas e irmãs podem estar em contato com seus parentes homens, ainda envolvidos em grupos extremistas — o que deixa turva a noção do que significa ser “associada” ou “afiliada” a extremistas e complica a tarefa dos processos de reintegração, benéficos e a cargo da comunidade mais ampla.

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Organizações locais e credíveis de mulheres têm liderado esforços para identificar e enfrentar a terrível situação de mulheres e crianças que retornam ou são deixadas para trás, oferecendo aconselhamento sobre trauma, treinamento em meios de subsistência e acesso seguro à polícia local e às autoridades.

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Elas também combatem as ideologias que fomentaram o extremismo, oferecendo narrativas alternativas que rejeitam a violência e a intolerância. No entanto, essas organizações permanecem amplamente excluídas dos planos nacionais para prevenir e se opor ao extremismo violento.

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Entre as principais descobertas do relatório, estão:

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  • A maioria dos países não tem políticas consistentes ou leis referentes ao tratamento de retornados associados com grupos terroristas e extremistas violentos — especialmente no caso de mulheres e crianças.
  • A proporção de mulheres para homens que retornam aos seus países de origem varia sginificativamente por país — e em muitos casos, as mulheres não estão retornando porque elas não conseguem obter o status de cidadania e a custódia de crianças nascidas durante seu tempo na Síria, Iraque ou em outros lugares.
  • Mulheres e meninas que de fato retornam enfrentam raiva, medo e estigma enormes de suas comunidades. Isso as isola e inibe as suas habilidades de se reintegrar. Também eleva a vulnerabilidade delas a um novo recrutamento para grupos extremistas, que os cooptam com ofertas de apoio e pertencimento.
  • As atuais políticas e programas tendem ou a ignorar essas mulheres e meninas ou a enquadrá-las como vítimas ou autoras da violência, ao passo que, na maioria dos casos, seus vínculos com grupos extremistas e parentes são complexos.
  • Apesar de sua misoginia, muitos grupos extremistas violentos cooptaram a mensagem do empoderamento feminino e dão até mesmo melhores condições socioeconômicas. Eles exploram ideologias e identidades para dar um senso de propósito, significado e pertencimento do qual mulheres e meninas vulneráveis sentem falta em suas vidas. Governos também têm de lidar com a misoginia, injustiça e déficits de dignidade que as mulheres experimentam em suas próprias sociedades. Do contrário, existe um risco continuado de mulheres serem atraídas pelas mensagens dos grupos extremistas violentos.
  • Muitas das mulheres são viúvas e têm de enfrentar estigma mesmo quando se tornam chefes de família pela primeira vez. Programas têm de ajudá-las a conquistar meios de subsistência, que podem impedi-las de serem pressionadas a se juntar ou voltar para grupos extremistas.
  • Organizações locais são frequentemente as primeiras alertadas sobre essas questões e estão nas linhas de frente da resposta aos complexos desafios enfrentados por mulheres e meninas retornadas. Elas têm sido pioneiras em programas de resposta efetivos e holísticos que combatem necessidades psicossociais, econômicas e ideológicas — mas permanecem excluídas de programas nacionais e locais e vulneráveis a riscos de segurança.

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*Publicado originalmente no site global do PNUD, em 9 de janeiro de 2019.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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