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A luta de mulheres indígenas: “Vivemos um dos momentos mais dramáticos”

Saiu no site UNIVERSA

 

Veja publicação original:  A luta de mulheres indígenas: “Vivemos um dos momentos mais dramáticos”

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Por Breno Damascena

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A cobertura florestal da Amazônia sofreu perdas recordes em agosto de 2019, segundo dados do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) compilados com auxílio de sistemas de monitoramento da Nasa, a agência espacial norte-americana. A data de 5 de setembro celebra o Dia da Amazônia. Enquanto o governo disputa a narrativas das queimadas com a comunidade internacional e questiona os dados do desmatamento, os indígenas lutam.

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Os povos originários sobrevivem e resistem à sua própria destruição. De acordo com o Censo IBGE de 2010, cerca de 870 mil pessoas são indígenas no país. Quase metade é do sexo feminino. E elas, cada vez mais, têm se tornado protagonistas e símbolos de resistência na luta pelos direitos desses povos.

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“A mulher sempre teve o papel de liderança, esposa e companheira. Era dela a responsabilidade de propagar a questão cultural e orientar sobre a importância de ir à guerra para manter nossos territórios. Mas, hoje, ela não apenas orienta, como também está à frente”, indica Marcivana Sateré-Mawé, líder da Copime (Coordenação dos Povos Indígenas de Manaus e Entornos). “Estamos vivendo um tempo em que as mulheres estão se capacitando para esses novos enfrentamentos.”

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Marcivana mora em Manaus, mas sua família vem de Maués, município localizado na terra indígena Andirá-Marau, na divisa entre Amazonas e Pará. Formada em ciências contábeis, ela sente que a luta agora é para não perder os direitos conquistados anteriormente. “Estamos em um período não apenas de ameaça às populações indígenas, mas de ataques às questões ambientais no Brasil. Sem território, não há vida. Temos um futuro cheio de incertezas”, lamenta.

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Terra de indígena

A demarcação de terras é uma das pautas mais relevantes para os indígenas. Denúncias de invasão são recorrentes, mas o número estaria aumentando. Há consenso entre as lideranças dos povos indígenas, especialistas e o Ministério Público Federal de que, desde o início de 2019, o problema da violência também tem se agravado. “Vivemos um dos momentos mais dramáticos da nossa história. Nossos direitos têm sido atacados por esse governo”, comenta Marcivana.

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Ela enumera questões como a flexibilização do armamento, as políticas ambientais, a grilagem, a mineração e o próprio discurso do presidente Jair Bolsonaro como agravantes. Na visão da artesã Watatakalu Yawalapiti, o cenário parece ainda mais desolador. “Vieram para tirar tudo que conquistamos. Ele age como se soubesse o que é melhor para o nosso povo. Nos trata como se não fossemos nada”, afirma.

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Watatakalu é coordenadora da área voltada para mulheres da Associação Terra Indígena Xingu (Atix), órgão responsável por articular políticas para 16 povos indígenas que vivem no parque indígena, em Mato Grosso. “Nada veio de graça, tudo foi batalhado e agora nossa luta é para manter o que conquistamos. Deveriam nos respeitar pela história que esse país tem e nos pagar por tudo que fizeram contra nossa nação. Em troca do que foi tirado da gente, tinham que nos deixar em paz”, argumenta.

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A força feminina

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Exemplo do empoderamento feminino foi a realização da 1ª Marcha de Mulheres Indígenas, entre os dias 9 e 14 de agosto de 2019. Cerca de 2.000 mulheres de todos os cantos do país estiveram em Brasília para dar visibilidade às ações que elas desenvolvem. Com o tema “Território: nosso corpo, nosso espírito”, o evento se propôs a levantar questões relativas à garantia dos direitos humanos e cuidados com o meio ambiente.

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Organizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, a marcha teve financiamento coletivo. Entre as atividades, elas ocuparam a sede da Secretaria de Atenção à Saúde Indígena para um protesto contra a municipalização do atendimento do SUS (Sistema Único de Saúde), que atualmente é de responsabilidade federal. Marcharam na Esplanada dos Ministérios e, finalmente, se uniram à Marcha das Margaridas, maior ação de mulheres da América Latina.

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“A mulher tem sido bastante ativa dentro do movimento. Muitas são caciques, pajés e estão ocupando cargos de grande relevância”, Explica Marcivana. No entanto, essa nova configuração social não passa impune pelos conflitos dentro da própria comunidade indígena. “O machismo existe. Nossa cultura vem do patriarcado. Antes era o homem quem ditava quais eram as funções das mulheres. Como elas assumem um novo papel, é normal que surjam alguns embates”, sinaliza.

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Para Watatakalu, a situação começou a mudar quando elas tiveram condições de cuidar dos próprios filhos sozinhas, contando, inclusive, com serviços como o bolsa-família e salário-maternidade. E essa independência começou a impactar até em costumes internos. “Decidimos, por exemplo, que criaríamos nossos filhos não importando se eles nascessem com deficiência e não aceitamos mais casamentos arranjados”, pontua.

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Ao contar que as mulheres sempre foram vistas como submissas e que, independentemente da cor, todas elas sofrem violência, Watatakalu relembra que até para estudar precisou superar alguns obstáculos.

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“Diziam que íamos para a escola conversar com os homens brancos. Chamavam-nos de prostitutas porque aprendemos a ler e escrever. Eu ficava me questionando e sofria muito com isso, mas decidi que não desistiria”, comenta. “Na luta contra os nossos inimigos, sofro perseguições por ser quem sou, não ter medo de dizer o que penso e defender o que acho certo. Passo por muitas coisas para defender as mulheres, por querer vê-las à frente do movimento”, disse Watatakalu.

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As mulheres, segundo Marcivana, cuidam da terra da mesma forma que protegem os filhos. Defender os direitos indígenas seriam, então, a garantia de que eles serão respeitados como cidadãos no futuro. E o caminho para esse futuro, de acordo com Watatakalu, passa pela mudança de pensamento dos não-indígenas, fazendo-os refletir sobre as situações pelas quais o povo indígena enfrenta.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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