HOME

Home

Por que salvar a relação de uma crise é visto como função da mulher?

Saiu no site UNIVERSA

 

Veja publicação original:   Por que salvar a relação de uma crise é visto como função da mulher?

.

Por Heloísa Noronha

.

Independentemente de qual seja o motivo de uma crise conjugal, estamos condicionados a acreditar que é a mulher quem precisa tomar à frente e “dar um jeito nas coisas”: demonstrar (mais) paciência até tudo se acalmar, chamar o par para conversar, se conformar que “casamento tem fases ruins e fases boas”, discutir o relacionamento. Seja qual for o problema, ele só será solucionando se a mulher tomar algum tipo de atitude –nem que isso signifique não tomar atitude alguma. Mas se um relacionamento é composto por duas pessoas, porque atribuir a apenas uma delas a responsabilidade por reparar os conflitos?

.

A principal justificativa vem da construção cultural dos papéis de gênero: os homens sempre receberam o estímulo para ganhar dinheiro, prover, ter sucesso profissional, se aventurar pelo mundo. Às mulheres, porém, couberam as funções de cuidar da manutenção do lar e dos filhos.

.

Para a psicóloga Valéria Ribeiro Neves, de São Paulo (SP), ainda que muita coisa tenha mudado, as religiões –sobretudo as cristãs– também se encarregaram, ao longo da história, de associar as funções do cuidar e do apaziguar às mulheres. “Isso foi disseminado, principalmente, pela valorização do ato de se sentir grata por ter uma família”, diz.

.

Segundo Mara Lúcia Madureira, psicóloga especializada em terapia cognitivo-comportamental, de São José do Rio Preto (SP), a responsabilidade atribuída à mulher de salvar a relação é um ranço do modelo patriarcal obsoleto, alimentado por crenças infundadas e interesses machistas em subestimar, subordinar, explorar e abusar de mulheres, a fim de evitar a competição material por poder, controle e prestígio social.

.

“O ingresso feminino no mercado de trabalho e na política significa competição direta por vagas e cargos antes ocupados exclusivamente por homens. A criação de barreiras à ascensão feminina representa um esforço para manter o prestígio e a ideia de supremacia masculina. Portanto, a propagação de ‘rainha do lar’ e cuidadora é uma tentativa de conferir algum consolo e mantê-la quietinha, sem representar nenhum tipo de ameaça à estrutura socialmente consolidada há tanto tempo”, explica.

.

Por mais que os costumes evoluam, são necessárias gerações e mais gerações para mudar pensamentos arraigados. Se levarmos em conta que há apenas 60 a única opção viável para uma moça considerada “de família” era se casar –virgem, obrigatoriamente– e se preocupar com a limpeza da casa, o bem-estar do marido e a educação dos filhos, percebemos que ainda há um longo caminho a percorrer.

.

.

Homens aprenderam errado que demonstrar sentimentos é fraqueza

.

De acordo com a psicanalista Loide Berenice Barreiras, de São Paulo (SP), também é válido relembrar que a herança cultural patriarcal ainda tem um peso enorme na comunicação (ou na falta dela) entre homens e mulheres.

.

“Se pararmos para pensar bem, um casamento à base de amor é algo muito recente na história da humanidade. Homens e mulheres da contemporaneidade foram criados por pais que reproduziram, ao educar seus filhos, modelos antigos de masculino e feminino dados pelos próprios pais. Ainda carregamos muitos traços dessa herança, como acreditar que homem não deve chorar. Se hoje ainda é a mulher quem se dispõe a tentar salvar uma relação e chama o par para conversar, é porque ela foi preparada e incentivada a lidar com sentimentos. O homem, não”, comenta Loide.

.

Não há como consertar um relacionamento sem diálogo. E não existe diálogo produtivo sem que as pessoas envolvidas falem abertamente sobre seus sentimentos, desejos e necessidades. Eis aí outro entrave: há um grande preconceito em cima do termo “DR”, principalmente por parte dos homens. “Se a mulher quer conversar sobre o que não está bem, ele já se posiciona na defensiva. Os pedidos dela são entendidos como cobranças e as insatisfações são ouvidas como críticas. Isso é uma questão de gênero que afeta muitos casais. Se ambos se colocassem disponíveis a ouvir o outro, tudo seria mais simples”, aponta Marina Vasconcellos, terapeuta familiar e de casal pela Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

.

“Há mulheres que acreditam no ‘felizes para sempre’ e nessa fantasia consideram que, por serem mais românticas, devem resgatar o relacionamento com a força do seu amor. Elas conseguem expressar mais os seus afetos, o que pode auxiliar na reaproximação de ambos”, comenta Joselene L. Alvim, psicóloga clínica de Presidente Prudente (SP) e especialista em Neuropsicologia pelo setor de Neurologia do HCFMUSP (Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo). No entanto, o que parece uma “vantagem”, na verdade, é uma prisão, já que encarrega apenas a mulher de se esforçar pelo casamento.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

.

 

 

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no linkedin
LinkedIn

HOME