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Violência patrimonial, quase invisível, destrói a vida de mulheres. Entenda

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A violência patrimonial é a tentativa de controlar a vida de alguém usando dinheiro, bens ou documentos. Há um apagão de dados e pouco debate no Brasil sobre o assunto, mas o abuso é uma das cinco formas de agressão contra a mulher previstas na Lei Maria da Penha

“Ele tomou meu celular da minha mão, para eu prestar atenção nele. Pedi o celular de volta e ele arremessou na parede.” “Ele mandou eu resolver a po##a do Pix porque disse que não é obrigado pagar tarifa para transferir nada para mim.” “Meu ex-marido me levou na pizzaria e não me deixou comer. Disse que se eu quisesse, eu que pagasse, porque eu só queria gastar o dinheiro dele.” “Enquanto eu cuidava da minha mãe no hospital, meu ex trocou as fechaduras da casa.”

Esses são alguns relatos de mulheres na conta do Instagram “Mas ele nunca me bateu”, sobre um tipo de violência doméstica quase invisível e muito destrutivo: a violência patrimonial, tentativa de controlar a vida de alguém usando dinheiro, bens ou documentos. Há um apagão de dados e pouco debate no Brasil sobre o assunto, mas o abuso é uma das cinco formas de agressão contra a mulher previstas na Lei Maria da Penha.

O problema ficou ainda mais evidente na pandemia de coronavírus, com as mulheres em isolamento social com os agressores e com o acúmulo de tarefas em casa.

Um estudo encomendado pelo C6 Bank ao Datafolha mostrou que as agressões verbais e restrições à participação no orçamento familiar são as formas de violência patrimonial mais frequentes no Brasil após a covid-19. Quase metade (47%) dos entrevistados relatou que o impedimento para participar de decisões de compra de produtos e serviços para a casa aumentou na pandemia. Os relatos são mais comuns entre mulheres do que entre homens.

Na Lei Maria da Penha, a violência patrimonial é “entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades.”

No dia a dia, esses atos podem ser negar o pedido por dinheiro indispensável para necessidades pessoais ou o comprar bens usando o nome da pessoa sem o consentimento dela. Também podem ser ameaçar o corte de recursos dependendo de atitudes pessoais, esconder documentos ou trocar senhas do banco sem avisar. Ou, ainda, proibir a pessoa de trabalhar ou destruir seus pertences. As histórias são comuns, mas às vezes não são reconhecidas como violência.

Há um apagão de dados no Brasil

A violência patrimonial costuma vir acompanhada de outros tipos de violência. Agressões verbais ou físicas, contudo, são mais reconhecidas. Segundo o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, foram recebidas 3 mil denúncias de crimes contra a segurança financeira com vítimas do gênero feminino em 2020. O número é bem baixo se comparado, por exemplo, às denúncias de violência psicológica divulgadas pela pasta, 106,6 mil.

A plataforma Evidências sobre Violências e Alternativas (EVA), do Instituto Igarapé, reúne dados das polícias estaduais e das unidades de saúde de todos os estados brasileiros sobre violência doméstica. As polícias estaduais receberam 37,8 mil denúncias em 2019, 4% a menos do que no ano anterior. Já as unidades de saúde receberam 3,9 mil denúncias em 2018, 17% a mais do que em 2017. Esses são os dados mais recentes reunidos pela EVA.

Como todos os registros de violência, esse é um dado muito subnotificado, porque depende da vítima ter a intenção de denunciar que isso acontece, ou até mesmo de se entender como vítima de uma violência, além de, claro, ter policiais e profissionais da saúde atentos à importância de fazer registro desse tipo de violência”, afirma Terine Husek Coelho, pesquisadora da plataforma.

A violência patrimonial é uma das grandes responsáveis por fazer as mulheres não saírem do ciclo dos relacionamentos abusivos, ainda mais quando elas dependem financeiramente do agressor, conforme Rebeca Servaes, presidente da Comissão OAB Mulher da OABRJ. A advogada diz que ter informação é o primeiro passo para identificar a situação de vulnerabilidade, conseguir autonomia financeira e sair da situação.

Como identificar a violência

Em geral, as mulheres têm dificuldade de identificar que são vítimas de violência patrimonial. “Vi vários casos da mulher confiar no homem e ele destruir financeiramente a vida dela. A mulher investe no homem por amor e acaba sem dinheiro nenhum”, conta Servaes.

Qualquer mulher está sujeita a sofrer violência patrimonial. O abuso acontece em todas as classes sociais, mas a população que mais sofre é a parcela de baixa renda, especialmente as mulheres negras. “Para elas, as consequências são mais graves, porque elas ficam sem dinheiro para comer. Recebemos vários relatos de roubo do auxílio emergencial por parte de ex-companheiros”, relata a advogada.

A perda da independência é o grande sinal de alerta, de acordo com Servaes. “A violência se manifesta de formas pequenas. O homem pede acesso à sua conta bancária e, quando vê, você não tem mais acesso a ela. Ele pede dinheiro emprestado e não paga”, exemplifica. “Começa de uma forma sutil e vai se agravando. Os comportamentos são repetitivos, o homem pede desculpas, diz que se arrependeu e você acha que ele vai mudar, mas ele não muda.”

Na clínica psicológica, Natália Marques, psicóloga e mestra em psicologia da saúde, percebe que a violência acontece de uma forma que parece carinho. “Você não precisa trabalhar, eu te dou tudo o que você precisa”, por exemplo, é uma fala comum contada pelas pacientes. “O dinheiro é uma grande forma de dominação masculina no patriarcado, além da força física”, afirma Marques.

O relacionamento também é um contrato de negócio e as mulheres precisam preservar seus bens, alerta a psicóloga. “Existe uma crença social grande de que, se você pensar em dinheiro, não tem amor, de que se você não quiser ter uma união total de bens, não ama o suficiente. As mulheres dão todas as senhas e deixam o homem ter controle sobre o seu dinheiro em nome do amor”, adverte.

Agressão é comum no divórcio

As histórias de violência patrimonial aparecem bastante na hora do divórcio, momento em que as mulheres precisam dos bens e muitas vezes se veem impossibilitadas de acessar os recursos.

“Uma história que me marcou foi a de uma mulher que ia perder na separação grande parte do patrimônio que construiu para uma pessoa que batia nela e estava cogitando não se separar por isso”, conta Marina Gonçalves, responsável pela área de planejamento patrimonial da assessoria de investimentos Montebravo.

“Outra foi de uma mulher que parou de trabalhar para cuidar do filho autista enquanto enquanto o marido construía sua belíssima carreira no mercado financeiro. Para comprar uma carne moída, cortar o cabelo, ela tinha que pedir autorização para ele”, relata.

Nos casos de divórcio, os direitos dependem do regime de bens do casamento, explica Gonçalves. Se for uma comunhão parcial de bens, tudo o que foi adquirido durante a relação deve ser dividido entre os dois. Se for separação total de bens, cada parte tem os seus. Nos casos em que um dos cônjuges é dependente financeiramente do outro, no divórcio, uma das partes pode ser obrigada a pagar pensão para a outra por um período, mas não para sempre, segundo a advogada.

“Se ela está apta a trabalhar, a Justiça pode estabelecer pensão por um período até ela se restabelecer no mercado de trabalho. Mas a pensão não é tão praxe assim, cada família é uma família, depende de muitas variáveis”, afirma.

Independência financeira é caminho, mas não só

Grande parte das mulheres entra nessa situação de violência patrimonial por não ter sua própria independência financeira. Por isso, Gonçalves aconselha: “Tenha algum tipo de fonte de renda para não ter que pedir autorização para fazer as coisas. Quem tem a renda mantém o controle sobre como funciona a casa, na prática, e a outra pessoa fica em situação de vulnerabilidade.”

No entanto, mesmo em relacionamentos em que a dependência financeira da mulher é uma escolha, ela precisa ter acesso ao dinheiro e ser respeitada. Não foi o que aconteceu com Sara, aos 90 anos, casada há 60 anos com José. Ela nunca trabalhou fora, mas criou os três filhos do casal e coordena a rotina da casa até hoje. O combinado é que ela ganharia uma mesada do marido aposentado para gastar com o que quisesse. Há quatro meses, ele não depositava o dinheiro e não explicava por quê.

“Chamei meus filhos e exigi que ele me pagasse e me desse acesso às nossas contas. Eu ajudei a construir tudo o que temos e tenho esse direito”, conta. “Por isso eu sempre digo para as minhas netas: tenham o dinheiro de vocês.”

Nesses casos de dependência financeira, é importante que a situação seja uma escolha, e não uma imposição, e que nenhuma parte seja diminuída, conforme a psicóloga Nathália Marques. “Você tem acesso aos seus bens? O outro não nega dinheiro quando vocês brigam? Não se acha mais importante que você na relação por ser o provedor da casa? É importante perceber se você está se sentindo confortável”, ensina.

A rede de familiares e amigos é muito importante para ter suporte para alertar a mulher de que ela está sofrendo violência patrimonial e ajudar a sair da relação, afirma Marques, mas o alerta precisa ser sutil. O ideal é tentar mostrar para a pessoa situações que podem ser sinais de violência, mas sem brigar. Outro caminho é estimulá-la a procurar uma psicóloga ou advogada alinhada na luta contra a violência contra a mulher.

Mônica Costa, educadora financeira e criadora do Grana Pretta, recomenda incentivar as mulheres a reservarem 10% do que ganham, mesmo que seja pouco dinheiro. “Pode ser um recurso que ela tenha em um momento de crise em um relacionamento abusivo. Se a mulher tem essa prática de fazer a reserva, consegue resistir mais. É uma estratégia de sobrevivência.”

Onde denunciar e buscar ajuda

Se você percebeu que é vítima desse tipo de violência ou conhece uma mulher que vivencia essa realidade, você pode buscar uma delegacia especializada de atendimento à mulher para denunciar ou ligar para a Central de Atendimento à Mulher, cujo telefone é 180, para obter informações.

Para denunciar, é essencial reunir provas, que podem ser documentos de transações financeiras e conversas em redes sociais ou WhatsApp e gravações.

Você também pode procurar a Defensoria Pública, a OAB do seu estado ou centros de atendimento gratuito ou a baixo custo que reúnem advogadas, como a Coletes Rosa, Rede Feminista de Juristas, Tamo Juntas e Themis.

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