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Thamyra Thâmara: A mina que prova que a periferia é dona do conhecimento

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Veja publicação original:  Thamyra Thâmara: A mina que prova que a periferia é dona do conhecimento

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Hacker social, ela criou espaço de compartilhamento no Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro: “Existe a ideia de que tudo que a periferia produz é “jeitinho brasileiro”, nunca inovação.”

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Grafites dos artistas Bidu, Cruz, David Amen, Leo Rack, Mario Brands e Tainá Rocha na parede de entrada, no terraço e na sala de reunião. Fitas coloridas no lugar de uma porta, um quadro com fotos que retratam cotidiano e uma parede inteira com referências negras. Na porta da sala de reunião, uma imagem em referência à vereadora Marielle Franco (Psol-RJ), assassinada em março deste ano. No som alto, Beyoncé, Childish Gambino e H.E.R. Nas paredes, agendas e cronogramas. Esta é a Casa Brota, gerenciada por Thamyra Thâmara, de 29 anos, e localizada alto do Complexo do Alemão. A casa, idealizada junto com um grupo de amigos , é uma espécie de co-working, com espaço para entretenimento, imersões de tecnologia, oficinas de inovação e até hospedagem — e também o lar dela.

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Quem a vê transitando pelas ruas da favela, cumprimentando quem encontra e conhecendo cada detalhe da geografia do lugar, sequer pode imaginar que na verdade ela é cria da velha Brasília, não da Nova — favela que faz parte do complexo. Não transformar os “s” em “x”, como fazem os cariocas, é um indicativo, mas as gírias típicas do Rio entregam que a cidade é sonho antigo. Há seis anos, chegou motivada pela vontade de estar mais perto do jornalismo comunitário e das fotografias de favela. Foi aqui que a jornalista se tornou mestra em Cultura e Territorialidades. Fora do Complexo do Alemão, morou por apenas dois meses.

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E desde que pisou no Rio, Thamyra constrói uma carreira focada em estimular novas possibilidades para jovens das favelas e periferias da cidade, e investir na formação deles. Seu projeto de vida é o GatoMÍDIA, uma alusão à expressão popular criada para definir as ligações clandestinas de luz, água, internet ou TV. Mas o que Thamyra quer mesmo é estimular novas redes, através de comunicação e foco na “baixa tecnologia”.

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Existe a ideia de que tudo que a periferia produz é “jeitinho brasileiro”, nunca inovação.

VALDA NOGUEIRA/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
“A gente vê o gato de uma forma moralista, mas é inovação. É tecnologia da sobrevivência.”

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“Baixa tecnologia são as gambiarras. Aquilo que a periferia já cria todo dia para resolver problemas de escassez ou de ausência do Estado, mas não é visto como a tecnologia. Existe a ideia de que tudo que a periferia produz é “jeitinho brasileiro”, nunca inovação. A gente vê o gato de uma forma moralista, mas é inovação. É tecnologia da sobrevivência”, define.

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GatoMÍDIA foi gestado durante a atuação de Thamyra e outros amigos no movimento Ocupa Alemão. Como coletivo que promovia ações culturais, eles organizaram oficinas para que jovens tivessem mais conhecimento técnico para expandir o que estavam fazendo naquele momento, que era o uso da internet como um megafone para as causas que defendiam. O espaço de aprendizado se fortaleceu quando a militância em temas sociais, como violência policial ou questões de gênero, ficou de fora do quadro programático.

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Se o cara tiver outra ideologia, ou quiser usar o que aprendeu só para ganhar dinheiro, tudo bem.

VALDA NOGUEIRA/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
Toda a atuação profissional de Thamyra é política, mas também passa por satisfação pessoal.

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“A gente entendeu que esses temas já passavam o dia a dia, e que era mais importante a galera entender a ferramenta e usar como quiser. Se o cara tiver outra ideologia, ou quiser usar o que aprendeu só para ganhar dinheiro, tudo bem. Cada um usa da forma que quiser, e isso é liberdade”, afirma em entrevista ao HuffPost Brasil.

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Para ela, a autonomia de escolha é o que define as atividades tocadas na Casa Brota e no GatoMÍDIA, que hoje é tocado por ela e mais três mulheres. “É importante sair daquele lugar que se é de periferia, só pode falar de periferia, se é preto, só pode falar sobre ser preto. O jovem tem que ter a liberdade de falar qualquer coisa, porque vai sentir que pode criar qualquer coisa e, principalmente, ganhar dinheiro pelo que faz.”

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É uma forma de construir outra rede e quebrar o bloqueio da galera de classe média alta que só se indica entre si.

VALDA NOGUEIRA/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
A fachada da Casa Brota, no Complexo do Alemão.

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Fazer dinheiro com ações que envolvem pessoas dos grandes círculos de amizades no mercado da tecnologia e comunicação, aliás, é um desafio. Mas Thamyra acredita que as atividades como residências, imersões e oficinas preparam os jovens, que vêm de todas as regiões do Rio, para o mercado e, principalmente, para novas redes.

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“É uma forma de construir outra rede, dentro das várias que já existem, para quebrar o bloqueio da galera de classe média alta que só se indica entre si. Não tem nenhum problema trabalhar ou fazer projeto em uma empresa grande, mas a prioridade é mostrar que também podemos ganhar dinheiro trabalhando para outras empresas ou para os nossos próprios amigos”, explica.

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Thamyra é parceira da agência de planejamento estratégico Naya, idealizada pela amiga Marcela Lisboa. A Naya também tem foco em empreendedores e artistas favelados, e os jovens que se formam no GatoMÍDIA já entram nessa rede construída e podem ganhar dinheiro com isso, claro.

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A coisa mais forte que a gente pode deixar é que as crianças vejam que é possível experimentar mil coisas, ser o que quiserem ser.

VALDA NOGUEIRA/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
As barreiras simbólicas são alvo de Thamyra o tempo todo.

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Toda a atuação profissional de Thamyra é política, mas também passa por satisfação pessoal. O hobby, viajar, virou um trabalho: o projeto Favelados pelo Mundo. Junto com o namorado Marcelo Magano, ela já viajou para países como México e Angola, e deu dicas de como fazê-lo sem gastar muito dinheiro. Para ela, o Favelados vai além de um canal do Youtube com dica, ele é sobre criar quebrar barreiras.

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“Um mototaxista me falou ‘acabei de te ver na internet dando dicas de como guardar dinheiro para viajar. Fiquei mó empolgado, vou guardar também’. Eu ganhei meu dia. E é isso, o cara do mototáxi trabalha e tem dinheiro, mas não viaja porque é mais aquilo de achar que não pode do que necessariamente a falta de grana. São barreiras simbólicas e queremos quebrá-las. Sendo de periferia, preto pode viajar, é possível gastar pouco”

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As barreiras simbólicas, aliás, são alvo de Thamyra o tempo todo. “A coisa mais forte que a gente pode deixar é que as crianças vejam que é possível experimentar mil coisas, ser o que quiserem ser. Pra mim é o maior direito negado”, pontua.

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Quem vê Thamyra com sorriso largo e voz alta, enquanto fala de temas tão complicados e ainda inexplorados, pergunta como ela mantém o astral tão alto. Sua rotina de cuidados inclui desligar o celular depois das 22h, fazer pilates e hidroginástica — “meus amigos dizem que é coisa de velha, mas eu amo!” — e controlar a respiração para não deixar a ansiedade dominar.

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E observando a necessidade de autocuidado, já que vários amigos sofrem de depressão ou ansiedade, ela criou o evento Brota Cafuné. Por um dia, as portas da Casa são abertas para que mulheres, homens e crianças possam comer boa comida, comprar roupas em bazar e aprender a cuidar de si. “Quando a gente diz cuidar do corpo não é estética, é espiritualidade, cabeça, como estamos com as pessoas, as relações em micro”, destaca.

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Tem muita gente que veio antes de mim que me fez ver muitas coisas, ao longo da vida várias pessoas me tocaram e me fizeram chegar até aqui.

VALDA NOGUEIRA/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
Ela reconhece que o caminho que trilha hoje foi preparado por quem veio antes.

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Ela reconhece que o caminho que trilha hoje foi preparado por quem veio antes, e batalhou por melhorias para a população negra e pobre. “Para eu entrar na universidade e fazer mestrado, teve gente que batalhou por isso porque batalhou pelas cotas. Tem muita gente que veio antes de mim que me fez ver muitas coisas, ao longo da vida várias pessoas me tocaram e me fizeram chegar até aqui.”

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E ela também deseja tocar as pessoas, apresentando a elas outras possibilidades: “acho que o meu “tocar” é criar esse sentimento. A porta fica aberta, e as crianças que entram aqui podem sentir que é possível morar numa casa legal, fazer eventos, cursos e até mesmo uma família, porque em alguns momentos até formar uma família é ostentação, né?”

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Sem titubear, ela diz que as inspirações que têm hoje não podem ser nomeadas, porque não são pessoas, mas sim um grupo. “Minha referência máxima é sentar para escutar mulheres negras, desde a minha avó até minhas amigas, até a Beyoncé. Mulheres negras me interessam, e são minhas referências. Eu sempre tenho referências novas, a partir dessas mulheres”, diz.

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Ficha Técnica #TodoDiaDelas

Texto: Lola Ferreira

Imagem: Valda Nogueira

Edição: Andréa Martinelli

Figurino: C&A

Realização: RYOT Studio Brasil e CUBOCC

 

 

 

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