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Site Correio Popular 25/10/15: amparar para empoderar 

“Trabalho também com homens. Uma reflexão sobre a cultura machista, os direitos da mulher e os atos de violência que cometeram faz com que eles enxerguem que estão errando, que estão machucando mulheres e, via de regra, cometendo crimes”
  

Defender, amparar e empoderar as mulheres faz parte do trabalho da promotora Maria Gabriela Prado Manssur, coordenadora do Núcleo de Combate à Violência contra a Mulher do Ministério Público (MP) de Taboão da Serra (SP). Numa tentativa de encorajá-las a se libertarem e denunciarem agressões, ela fala de seus casos e sentenças nas redes sociais e em sua página na internet, sem expor as vítimas. Batizada de Justiça de Saia, a iniciativa ganhou reconhecimento e faz com que Gabriela seja frequentemente convidada a dar palestras como a que ministrou em um evento da Avon, quando conhecemos o trabalho dela – na ocasião, a marca de cosméticos anunciou globalmente uma nova fase em seu posicionamento para o empoderamento feminino por meio da independência financeira. 

“Várias pessoas começaram a trabalhar na causa, há o envolvimento de órgãos públicos e da iniciativa privada. Temos muitas conquistas em favor das mulheres, mas ainda queremos mais”.

Metrópole – Como iniciou seu engajamento na luta pelos direitos das mulheres?

Maria Gabriela Prado Manssur – Acho que desde que me conheço por gente luto pelos direitos das mulheres, pois nunca me conformei com desigualdades e injustiças. Acompanhei a luta da minha mãe para quebrar paradigmas. Ela estudou e mesmo depois de ter tido quatro filhos se formou e se tornou advogada. Ela nos levava à faculdade e ficávamos no carro esperando-a fazer prova. Quando começou a trabalhar e um dos filhos ficava doente, nos levava ao trabalho e escondia no arquivo dos processos ou embaixo da mesa. Eu via tudo aquilo e pensava: “Toda mulher tem filho, mas os homens também têm. Por que eles não passam por esse constrangimento e a mulher passa?”. Eu sempre quis mudar essa situação. Quando decidi ser promotora, no início da minha carreira numa cidadezinha da Grande São Paulo, comecei a atuar em processos nos quais as mulheres eram agredidas fisicamente. Ainda não existia a Lei Maria da Penha e os crimes contra as mulheres eram considerados de menor potencial ofensivo. Não havia processo, mas uma tentativa de conciliação e pagamento de cesta básica. Eu via mulheres machucadas no fórum aceitando cesta básica como se a vida delas e sua integridade física e moral não valessem nada, ou melhor, muito menos do que ração de cachorro (essa era uma das propostas que faziam para elas). Comecei a atender mulheres na minha sala e fui criando uma rede de proteção dos direitos delas, em parceria com a Prefeitura de Embu-Guaçu. Dava palestras e a causa foi ganhando visibilidade. Às vezes nem tinha cadeira; sentávamos no chão e discutíamos vários assuntos. Aí veio a Lei Maria da Penha e deu voz a muitas mulheres. Várias pessoas começaram a trabalhar na causa, há o envolvimento de órgãos públicos e da iniciativa privada. Temos muitas conquistas em favor das mulheres, mas ainda queremos mais.

O que lhe move a lutar pela causa?

Sede de justiça, a vontade de devolver à mulher o que lhe foi tirado, sua dignidade, sua liberdade e o respeito. Quando tenho um caso de violência contra a mulher nas mãos e consigo empoderá-la meu coração bate mais forte. Parece que tem uma chama acesa no meu peito, não dá para explicar. Nesses momentos sei que estou no caminho certo. Da mesma forma, quando não consigo uma medida protetiva ou tenho negado um pedido de prisão, não me conformo, vou atrás de provas e faço novos pedidos até conseguir ajudar a vítima. Se não for na justiça é conseguindo trabalho, psicólogo, atendimento médico ou dando um abraço na minha sala para dizer “Eu te apoio e não vou desistir de você”.

Como funciona seu trabalho na promotoria?

Sou responsável pela parte criminal, recebo boletins de ocorrência das delegacias, peço medidas protetivas de urgência (afastamento do agressor do lar, proibição de contato, proibição de frequentar determinados lugares, restrição do uso de armas etc), faço pedidos de prisão, ofereço as denúncias, dou início ao processo criminal, acompanho as audiências e peço a condenação do réu se estiver convicta. Atuo, ainda, nos plenários do júri de crimes de feminicídio (homicídios tentados ou consumados contra a mulher). Também escuto as vítimas na promotoria com a ajuda de uma equipe multidisciplinar para verificar que tipo de assistência, além da processual, elas precisam, como recolocação no mercado de trabalho, estudo, atendimento na área de saúde física ou mental, creche ou escola para os filhos.

Como surgiu o Justiça de Saia?

Sempre gostei de moda, esporte, blog, site, mídias sociais. Penso que, hoje em dia, todo mundo divulga o que faz, busca informação e inspiração. Minha ideia inicial era fazer um blog sobre direitos da mulher, mas ninguém gostou da proposta, falaram que era um assunto pesado. Então, criei um blog de moda para trabalho a fim de incentivar as mulheres a trabalharem. Com o tempo, vi que não era mostrando a roupa que eu usava que as incentivaria a trabalhar, mas o trabalho que desenvolvo e o que consigo transformar ao meu redor por meio dele. Chegou uma hora em que tinha tantos projetos, eventos, fotos e matérias publicadas que precisei criar um site para reunir essas informações. O Justiça de Saia é um site para mostrar quem sou e o trabalho que faço. Se servir de inspiração e de meio de empoderamento de mulheres, melhor ainda.

A senhora também é idealizadora do projeto Movimento pela Mulher. Como teve essa ideia? Como ele funciona?

Como lhe disse, sempre amei esportes e a corrida me seduziu há uns dez anos. A liberdade, o poder e a felicidade que sinto quando corro são sentimentos muito parecidos com o que busco para as mulheres. A corrida me deixa física e mentalmente forte. O número de mulheres nessa atividade vem crescendo assustadoramente e então pensei: “Por que não unir as duas coisas e ainda arrecadar fundos para investimentos em projetos que trabalham com enfrentamento da violência contra a mulher?”. A corrida aumenta a autoestima; a mulher com autoestima é empoderada e a mulher empoderada dificilmente vai se deixar levar pela violência. Ela vai reagir.

Quais são seus outros projetos?

Trabalho com projetos de prevenção à violência capacitando jovens por meio de palestras, explicando o que é gênero, violência contra a mulher, Lei Maria da Penha. É interessante porque muitos sofrem ou presenciam violência em casa ou estão em relacionamentos agressivos e se identificam. É como se fosse um start para reagirem e entenderem que nenhuma mulher merece violência e quais são os caminhos que ela têm para virar o jogo. Trabalho também com homens. Uma reflexão sobre a cultura machista, os direitos da mulher e os atos de violência que cometeram faz com que eles enxerguem que estão errando, que estão machucando mulheres e, via de regra, cometendo crimes. É muito bom esse projeto porque os homens realmente se enxergam em diversas situações e repensam o modo de ser.

E como a senhora consegue empoderar as mulheres com seu trabalho?

Mostrando para elas que sou feliz e realizada com meu trabalho e que consigo, por meio dele, salvar a vida de muitas mulheres. Mesmo que eu faça a diferença na vida de apenas uma pessoa já está valendo a pena. Uma mulher empoderada pode mudar o mundo, pode fazer o que quiser, vestir a roupa que quiser e ficar ao lado de quem desejar. Ela faz escolhas com liberdade. Saber que consegui retirar uma mulher de uma situação de violência me traz uma satisfação muito grande. Independentemente do que ela vai ser ou fazer, pelo menos naquele momento não sentirá mais dor no corpo nem na alma. É isso que faz sentido para mim. As mulheres me ensinaram isso. Cada uma que empodero me empodera também; é uma troca e está dando muito certo. 

Fonte original da matéria: http://correio.rac.com.br/_conteudo/2015/10/metropole/396742-amparar-para-empoderar.html

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