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Referências na literatura, elas falam sobre raça, gênero e direitos civis

Saiu no site CORREIO BRAZILIENSE

 

Veja publicação no site original: Referências na literatura, elas falam sobre raça, gênero e direitos civis

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Toni Morrison, Maya Angelou, Maryse Condé, Djaimilia Pereira de Almeida e Angela Davis refletem sobre gênero, raça, identidade, colonialismo e literatura

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Por Nahima Maciel

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Maya Angelou ensina os significados de casa, filantropia, verdade e violência a partir de sua perspectiva. Angela Davis fala sobre prisões, tortura e democracia em uma série de entrevistas enquanto Toni Morrison reflete sobre como uma pessoa se torna racista. Cotada para o Nobel, a francesa Maryse Condé conta a história de Tituba, uma das primeiras mulheres julgadas por bruxaria em Salém e essa história de dominação colonial é a mesma que serve de fundo a Djaimilia Pereira de Almeida em Luanda, Lisboa, Paraíso. Cinco autoras negras cujos nomes figuram na lista do que melhor se tem produzido em termos de ficção contemporânea e ensaios quando o tema é colonialismo, discriminação, direitos civis e democracia chegam às livrarias com lançamentos que não podem faltar em uma biblioteca.

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Angela Davis e Maya Angelou são duas referências da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos. A primeira integrou os Panteras Negras e teve o nome incluído na lista de dez pessoas mais procuradas pelo FBI nos anos 1970. Acabou presa e libertada depois de uma campanha intensa para, em seguida, tornar-se uma das ativistas mais importantes do país. A democracia da abolição – Para além do império, das prisões e da tortura é resultado de uma série de entrevistas concedidas em 2005 a Eduardo Mendieta, professor de filosofia na Stony Brook University.

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Conhecida pelo discurso que critica o sistema prisional americano, Angela fala sobre política para presídios, mas também sobre sua própria trajetória, a campanha global que a levou a ser solta nos anos 1970 e a autobiografia, um clássico da literatura afro-americana, influência para toda uma geração de autoras negras que vieram em seguida à sua publicação, em 1974. Mas Davis questiona o poder de transformação do cânone ocidental operada por textos como Uma autobiografia. “Tenho a impressão de que as lutas para contestar textos da literatura se assemelham às lutas por mudanças e transformações sociais. O que nós conseguimos fazer, a cada vez que obtemos uma vitória, não é tanto assegurar uma mudança definitiva, e sim criar novas áreas de luta”, reflete.

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Nas entrevistas, Angela, que foi candidata a vice-presidente pelo Partido Comunista dos Estados Unidos, também fala sobre nacionalismo, capitalismo e exploração. Ela conta que sempre preferiu se identificar com um tipo de pan-africanismo que confere aos negros do Ocidente a responsabilidade para aqueles que vivem na África, na América Latina e na Ásia. “(…) não em virtude de uma ligação biológica ou racial, mas em virtude de uma identificação política que é forjada na luta”, diz. Ficar de olho na África não é um dever decorrente de uma obrigação por conta da origem comum e sim porque é um continente permanentemente vítima do colonialismo e do imperialismo.

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Para Angela, o nacionalismo se tornou obsoleto em tempos de globalização, mas ele continua sendo um elemento fundamental da formação da identidade negra norte-americana. A ativista também fala sobre a necessidade de uma nova política. “(…) que trate do racismo estrutural que determina quem vai para a cadeia e quem não vai, quem frequenta a universidade e quem não frequenta, quem tem seguro-saúde e quem não tem”, explica Davis, que é professora emérita da Universidade da Califórnia.

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De uma geração anterior à de Davis, Maya Angelou lutou ao lado de figuras icônicas como Malcolm X e Martin Luther King e também é autora de uma autobiografia que entrou para lista das obras mais importantes de literatura afro-americana. Mas é um livrinho de memórias, sem compromisso cronológico e ora com reflexões, ora com narrativas de momentos tristes e violentos, que chega às prateleiras brasileiras este mês. Dividido em temas como Casa, Filantropia, Revelações, Dando à luz, Vulgaridade, Violência, Condolências e outros, Carta a minha filha narra a própria trajetória de Maya, que morreu em 2014, de uma maneira mais lírica e lúdica do que em uma biografia amarrada pela cronologia.

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Recém-publicado em edição caprichada da Companhia das Letras A origem dos outros — seis ensaios sobre racismo e literatura traz textos de Toni Morrison, a primeira mulher negra a ganhar o Nobel de Literatura, escritos para uma série conferências na Universidade de Harvard. Nos ensaios, a autora reflete sobre a literatura do pertencimento e analisa a presença do racismo e de questionamentos sobre identidade em diversas obras do cânone norte-americano. “A identificação e a exclusão raciais não começaram nem terminaram com os negros. Cultura, características físicas e religião eram e são, entre todos precursores de estratégias para a ascendência e o poder”, escreve Morrison.

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Ficção

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Djaimilia Pereira de Almeida é uma das boas revelações da nova geração de autores de língua portuguesa. Aos 37 anos, ela tem na bagagem quatro livros e já acumula alguns prêmios. Com Esse cabelo, de 2015, ganhou o prêmio Novos na categoria literatura e, em 2018, a autora levou o Prêmio Literário Fundação Inês de Castro com o romance Luanda, Lisboa, Paraíso, que agora chega ao Brasil em edição da Companhia das Letras. Gênero, raça, colonização, identidade e imigração atravessam esse romance que conta a história de um angolano em viagem a Portugal para consertar o defeito de nascença no pé do filho adolescente.

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Com muito lirismo, Djaimilia, que nasceu em Angola mas é portuguesa e cresceu em Lisboa, mergulha nas feridas deixadas pela colonização na identidade angolana. Quando desembarca em Lisboa vindo de Luanda, Cartola se dá conta de que a terra do colonizador não pode ser chamada, também, de sua terra. “Ninguém os esperava no aeroporto, mas era Portugal”, constata o narrador. Por causa de um problema no calcanhar, Cartola deu ao filho o nome de Aquiles. E é ao lado dele, em uma rotina de hospital perpassada pela dificuldade de adaptação na metrópole, que passa a se descobrir colonizado. “O pai de Aquiles queria vomitar Luanda, mas ainda não conseguia. queria livrar-se da primeira vida, mas ela fazia-lhe frente; passar à próxima etapa, mas era ainda o mesmo homem”, escreve Djaimilia, em uma das passagens mais fortes de Luanda, Lisboa, Paraíso.

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Identidade, colonização e violência também são o ponto forte de Eu, Tituba, bruxa negra de Salém. Filha de uma escrava estuprada por um marinheiro, Tituba vai da terra natal, Barbados, a Salém, a cidade norte-americana famosa pelo julgamento que condenou à morte diversas mulheres por praticar bruxaria. A personagem está presa quando Maryse Condé, cogitada para o Nobel de literatura deste ano e vencedora do The New Academy Prize em 2018 (além de outros 16 prêmios da literatura de língua francesa), se debruça sobre ela.

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Na história da autora guadalupense, Tituba deixa a prisão e retorna à terra natal em tempos de revoltas de escravos. “A memória da escravização vivida pelos povos africanos diversas vezes é conclamada pela personagem, na medição dos sofrimentos pelos quais ela passa no presente. Barbados, como metonímia da África, lugar distante, é retomado pela memória nas terras em que Tituba se encontrava isolada”, avisa Conceição Evaristo, no prefácio do romance. “E, para saber de Tituba, a bruxa negra de Salem, é preciso acompanhar quem sabe lidar com a alquimia das palavras. Maryse Condé tem as fórmulas, as poções mágicas da escrita”, completa.

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TRÊS PERGUNTAS // DJAIMILIA PEREIRA DE ALMEIDA

Pode contar o que inspirou para escrever Luanda, Lisboa, Paraíso? Que preocupações ou reflexões motivaram o romance?

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Antes de ser um livro, o Luanda, Lisboa, Paraíso foi uma coleção de objetos em segunda mão que fui comprando em feiras de velharias, que costumo visitar. Com o passar do tempo, conjugadas com imagens que fui coligindo e algumas leituras, começou a emergir dessa coleção um ambiente e um tom que viria a dar origem a esta história.

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Quando Cartola e Aquiles chegam em Lisboa, é claro o sentimento de pátria negada. O romance é também sobre esse sentimento de pertencimento, de desenraizamento? O que te faz querer falar sobre isso em forma de ficção?

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Mais do que pensar num tema em particular, interessou-me pensar ficcionalmente na natureza de certos ambientes e relações. Nunca pensei na noção de ‘pertencimento’ como ponto de partida, mas pensei no modo como me interessava explorar, por exemplo, gradações e deslocações do poder em relações assimétricas, como é a relação de Aquiles, um rapaz doente, com o mundo e com o seu pai, seu cuidador. Luanda, Lisboa, Paraíso é um livro muito melancólico, cheio de tragédias, mas com uma linguagem muito elegante, sem nunca cair na pieguice.

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Pode falar um pouco sobre os desafios de construir uma narrativa nesses moldes, de ser trágico e catastrófico sem ser piegas?

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Luanda, Lisboa, Paraíso tem uma dimensão trágica, mas procurei que não fosse um livro sentimental, não sei se consegui completamente. Do ponto de vista da escrita, talvez essa busca tenha sido a de não me deixar levar completamente pelo meu amor por Cartola e Aquiles, minha companhia ao longo de tanto tempo e duas personagens de quem tenho ainda saudades.

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Serviço

A origem dos outros — seis ensaios sobre racismo e literatura

De Toni Morrison. Tradução: Fernanda Abreu. Companhia das Letras, 148 páginas. R$ 54,90

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A democracia da abolição — Para além do império, das prisões e da tortura

De Angela Davis. Record, 128 páginas. R$ 34,90

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Carta a minha filha

De Maya Angelou. Tradução: Celina Portocarrero. Agir, 144 páginas. R$ 29,90

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Eu, Tituba — Bruxa negra de Salém

De Maryse Condé. Tradução: Natália Borges Polesso. Rosa dos Tempos, 252 páginas. R$ 44,90

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Luanda, Lisboa, Paraíso

De Djaimilia Pereira de Almeida. Companhia das Letras, 198 páginas. R$ 59,90

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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