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Problematizando o filme ‘Eu não sou um homem fácil’

Saiu no site AZMINA:

 

Veja publicação original: Problematizando o filme ‘Eu não sou um homem fácil’

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Por Luisa Toller

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Filme francês até rende algumas risadas, mas tem problemas e clichês suficientes para não jogarmos tanto confete quanto ele tem recebido

 

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É a primeira vez nesta coluna que escrevo para problematizar algo. Respiro fundo, crio coragem e peço a paciência de vocês.

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Desde que me disse publicamente feminista e passei a escrever sobre o tema tenho recebido muitos textos, recomendações de exposições, filmes, livros e vivenciado boas discussões (e adorando isso).

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Por isso, assim que ouvi de amigas “você precisa ver Eu não sou um homem fácil [Je ne suis pas un homme facile]” me prontifiquei a assistir – e confesso que com certa expectativa. O filme rendeu algumas risadas, mas também uma grande inquietação sobre o quanto as pessoas, críticas e blogs o tem celebrado. Achei demais.

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Comecemos pela proposta: inversão da dominação de gêneros para gerar empatia pela luta feminista e conscientizar o público sobre o quanto o machismo está presente em nosso cotidiano.

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*Alerta de spoiler*

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Produção francesa da Netflix, escrito e dirigido por Éléonore Pourriat, a trama trata de um personagem clássico machista que objetifica e subestima as mulheres no trabalho e nas relações que de repente bate a cabeça e acorda em uma nova realidade em que o sexo feminino é o dominante.

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A partir daí obviamente ele vive um choque experimentando o que vivem as mulheres diariamente: pressões estéticas, assédios, subestimações, relacionamentos abusivos e até “sororidade invertida” por ver seu pai e amigos sofrerem as mesmas opressões.

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Vamos partir do princípio de que o humor construído nos detalhes da trama propõe uma conscientização do público espectador, e que isso ajuda a abrir o debate feminista para mais pessoas – o que já não acredito muito, porque quem deveria assistir não se dará o trabalho em clicar e se prontificar a assistir.

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Então pulo para o que achei problemático o suficiente para não jogarmos tanto confete.

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Em primeiro lugar, mesmo trocando os gêneros nos lugares opressor(a)/oprimida(o) mantém-se os estereótipos do que é ser feminina e masculino com muitos clichês: as relações com corpo, comida, estética, sexo, emotividade, dinheiro, família, tudo sempre partindo de uma referência elitista, branca e estável financeiramente.

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Além disso, apesar do filme mostrar exemplos práticos de assédio e imposições estéticas que vivemos diariamente, é muito importante entendermos que o machismo é bem mais violento do que é mostrado.

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Estupro, feminicídio, violência doméstica e o não direito ao próprio corpo são questões urgentes que os movimentos feministas escancaram e lutam contra. Senti falta destas questões e achei que a discussão ficou na superfície.

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Talvez porque a inversão dos papéis com manutenção dos corpos limite e fique difícil falar sobre aborto, direitos reprodutivos e estupro como uma prática de dominação histórica.

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Faltou também falar sobre a interseccionalidade. O machismo não afeta as mulheres da mesma maneira – nem no Brasil, nem na França.

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O recorte de raça, classe, etnia, sexualidade e identificação de gênero precisa entrar nas discussões ou não vamos conseguir grandes transformações.

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Dito isto, reforço que meu texto não propõe boicotes tampouco sugere que o filme não seja visto. Apenas lanço questões que podem servir de reflexão enquanto se assiste.

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Na minha crítica, a bonequinha está sentada, olhando pra tela, sem aplaudir.

 

 

 

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