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Por que Ruanda é o país com mais mulheres na política e o 6º em igualdade de gênero?

Saiu no site BRASIL DE FATO

 

Veja publicação original:   Por que Ruanda é o país com mais mulheres na política e o 6º em igualdade de gênero?

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Após genocídio de 1994, país avançou em políticas públicas para mulheres mas desafios na vida privada permanecem

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Pedro Ribeiro Nogueira e Tiago Angelo

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Com 12 milhões de habitantes, Ruanda, um pequeno país do leste africano é, segundo diversos indicadores, um dos países mais igualitários para as mulheres. Lidera em participação política e tem uma diferença salarial entre homens e mulheres particularmente baixa, mesmo estando em 158º de 171º no ranking de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Mas o que significam esses indicadores? E como esse estado de coisas veio a ser? O que eles revelam e o que eles ocultam?

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O país passou por fortes mudanças em sua estrutura social a partir de 1994 por conta de um genocídio que deixou 800 mil mortos — homens, em sua maior parte — em um período de apenas 100 dias.

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Após o massacre, as mulheres, que chegaram a representar cerca de 70% da população, passaram a ocupar os cargos que anteriormente pertenciam apenas aos homens, exercendo um papel importante na reconstrução do país.

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De lá para cá, Ruanda começou a colecionar índices de igualdade de gênero que colocam o país lado a lado de nações desenvolvidas como Finlândia, Noruega e Suécia: segundo o último levantamento feito pelo Fórum Econômico Mundial, Ruanda é o sexto país do mundo com maior igualdade entre homens e mulheres.

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O relatório mede níveis de igualdade entre os gêneros levando em consideração 4 tópicos: saúde, educação, economia e política. O Brasil atualmente ocupa a 95ª posição. Os Estados Unidos, a 51ª.

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Além disso, atualmente 67% dos assentos do Parlamento ruandês são ocupados por mulheres, fazendo com que o país tenha a maior participação feminina no legislativo em todo o mundo. A título de comparação, no Brasil as mulheres representam apenas 13% do Senado e 15% da Câmara.

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Como o genocídio mudou os papéis de gênero

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Com o fim do genocídio, o país passou a ser chefiado pelo presidente Paul Kagame — até hoje no cargo —, que iniciou a implementação de uma série de medidas para incentivar a formação e o ingresso das mulheres no mercado de trabalho. Hoje, cerca de 88% delas exercem função remunerada nos mais diferentes cargos do país, percentual superior ao de homens.

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Segundo Camila Soares Lippi, professora de relações internacionais da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), “o genocídio acabou sendo o principal fator dessa mudança. A maioria dos mortos foram homens tutsis e hutus moderados. Os homens hutus que participaram do genocídio ou fugiram do país ou foram presos, e as mulheres que sobreviveram precisaram assumir funções que eram tradicionalmente masculinas”.

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A legislação também teve que se adequar à nova realidade do país. Um dos primeiros passos importantes neste sentido veio com a lei que autorizou as mulheres a herdarem as terras de seus maridos. “Como Ruanda é um Estado muito rural, não poder herdar as terras de seus maridos mortos no genocídio as privaria não apenas de seu direito à moradia, mas também de sua subsistência”, afirma a professora.

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Um dos marcos na mudança dos papéis de gênero no mercado de trabalho e na política aconteceu em 2003, quando uma nova Constituição foi aprovada no país. O texto determina igualdade entre homens e mulheres na educação, na posse de terras e na economia, além de estabelecer que ao menos 30% dos cargos políticos sejam preenchidos por mulheres.

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O número de participação feminina no Parlamento que já vinha crescendo, aumentou exponencialmente: em 2003, as mulheres ocupavam 48% dos cargos; em 2008, Ruanda passou a ser o primeiro país do mundo com maioria feminina no Parlamento; hoje, ocupam quase 70% dos assentos. Além disso, mais da metade dos cargos ministeriais são exercidos por mulheres.

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Desenvolvimento desigual

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Nos últimos anos, o país passou por um longo processo de redução da pobreza, o que impacta nos resultados. Ainda assim, em relação ao nível de desenvolvimento humano, Ruanda fica bastante atrás das nações com mais igualdade de gênero: atualmente o país ocupa o 158º lugar entre os países com maior IDH, enquanto a Noruega ocupa a 1ª colocação, Irlanda, a 4ª e Finlândia, a 6ª.

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Embora essas transformações tenham ocorrido, a representação política e no mercado de trabalho ainda contrastam com uma realidade bastante desigual nas relações entre homens e mulheres, principalmente no ambiente doméstico.

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Para Lippi, “ainda há problemas e um Parlamento dominado por mulheres pode às vezes aprovar leis que sejam desfavoráveis às mulheres. Um exemplo disso é que, em 2009, o Parlamento ruandês aprovou uma lei que diminui o tempo de licença-maternidade de 12 para 6 semanas”. Além disso, “as mulheres mais pobres são o segmento populacional mais afetado pela crescente desigualdade social em Ruanda, e elas têm tido dificuldade em tirar do papel esses direitos conquistados no período pós-genocídio”.

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A cientista política ruandense Justine Uvuza, durante sua pesquisa de doutorado, estudou a vida das mulheres que ocupam cargos políticos em seu país e descobriu que, independentemente do posição que elas ocupam, velhas expectativas patriarcais ainda as cercam.

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“Uma mulher disse que seu marido esperava que ela polisse seus sapatos, que levasse água ao banheiro e que passasse roupa”, ela contou ao podcast Invisibilia, na estadunidense NPR. Segundo ela, o marido fazia questão que isso fosse feito pela parlamentar e muitas temiam a violência caso contradigam seus esposo.

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“Uma deputada poderia se levantar no Parlamento e pedir penas mais fortes contra violência sexual e subsídios para absorventes para as mais pobres, mas ter medo de falar sobre a opressão em seu lar”, relata Uvuza.

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A pesquisadora aponta ainda que ser uma “boa ruandense” significava ser patriótica e servir ao país através do trabalho e da carreira, mas também ser dócil e servil ao marido. A palavra feminismo, que passa a ter mais entrada nas novas gerações, é visto como algo “ocidental”. Mulheres que tentam avançar e conquistar espaço na vida privada são encaradas como “americanizadas”.

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Mas ela reflete que “mudança real leva tempo” e é possível que as novas gerações vejam amanheceres mais igualitários. “Pegar um atalho pode te levar rapidamente a algum lugar, mas deixa a cargo da próxima geração cuidar das mudanças que ficaram para trás”, encerra o artigo que acompanha o podcast.

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O genocídio

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Em 6 de abril de 1994, um avião que transportava o então presidente ruandês, Juvenal Habyarimana, de etnia Hutu, foi derrubado. A queda, supostamente orquestrado por membros da Frente Patriótica Ruandesa (RPF), de etnia Tutsi, serviu como desculpa para o início do que se tornaria um dos maiores massacres das últimas décadas. O genocídio, que completou 25 anos no último dia 7, deixou entre 800 mil e um milhão de mortos no intervalo de 100 dias.

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Sem a presença do presidente, radicais hutus membros do governo se apropriaram da administração do país e iniciaram uma minuciosa campanha para assassinar tanto tutsis quanto hutus moderados, considerados opositores políticos.

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Na época, carteiras de identidade apresentavam o grupo étnico ao qual as pessoas pertenciam, facilitando o trabalho das milícias, que montaram bloqueios nas estradas, onde abatiam os tutsis, na maior parte das vezes usando armas rudimentares, como facões e machados. Estima-se que cerca de 84% da população tutsi, que já era uma minoria étnica, foi assassinada durante os 100 dias de massacre.

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Edição: Luiza Mançano

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