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O QUE PENSAM AS PARLAMENTARES SOBRE AS MULHERES

Saiu no site REVISTA ÉPOCA

 

Veja publicação original:   O QUE PENSAM AS PARLAMENTARES SOBRE AS MULHERES

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As falas demonstram que ainda há um longo caminho a percorrer para que a pauta feminina se torne uma questão que ultrapasse ideologias, gênero e classe social

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Por Natália Portinari e Daniel Gullino

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No início da tarde do dia 6 de junho, uma quinta-feira, o plenário da Câmara dos Deputados estava quase vazio. O deputado Rogério Correia, do PT de Minas Gerais, criticava a política do governo sobre o programa Mais Médicos quando mencionou que, em vez de se preocupar com questões fundamentais do país, “Bolsonaro fica lá, visita o Neymar para fazer gracinha, sem saber o resultado da Justiça”. Dias antes, o jogador havia sido acusado de estupro por Najila Trindade, que havia viajado a Paris para conhecê-lo, com despesas pagas por ele.

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Ela registrara um boletim de ocorrência na polícia dizendo ter sido agredida e violentada pelo jogador num hotel da capital francesa. De lá para cá, foi a única vez que o caso Neymar-Najila — uma história de proporções estratosféricas e contornos tortos — constou das notas taquigráficas da casa. Foi mencionado por um homem, de maneira banal, no meio de uma frase sobre um assunto totalmente distinto. No mesmo dia, um outro homem, o deputado Carlos Jordy, do PSL do Rio de Janeiro, protocolou um projeto de lei, que ganhou a alcunha de “Neymar da Penha” (em alusão à Lei Maria da Penha, que tornou mais rigorosa a punição para agressões contra as mulheres), propondo o agravamento das penas para denúncias caluniosas de crimes contra o que chamou de “dignidade sexual”. Nenhuma mulher foi à tribuna comentar nem um caso, nem outro. Nem para o bem, nem para o mal. O que poderia ser uma observação trivial de um caso parte fofoca, parte barraco, parte “isso não tem nada a ver com política”, no entanto, quer dizer alguma coisa — ou muito — sobre o que pensam as parlamentares brasileiras.

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Em 2018, 77 mulheres foram eleitas para a Câmara dos Deputados — um aumento de 51% em relação ao último pleito, mas que corresponde a apenas 15% do total de parlamentares. No Senado, elas continuaram a ser 13% do total de eleitos, ou seja: 7 senadoras.

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É esperado que a presença de mais mulheres na política aumente as chances de que determinados temas do interesse feminino, como a descriminalização do aborto, a equivalência salarial e medidas contra a violência sexual, sejam mais bem negociados e representados na forma da lei. ÉPOCA procurou todas as deputadas federais para saber o que elas pensavam sobre o assunto.

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Em janeiro, assim que assumiram o mandato, foram enviados questionários com dez perguntas para os gabinetes das 77 parlamentares eleitas. Obtiveram-se 51 respostas. E o retrato dá uma pista de que ainda há um longo caminho a ser percorrido para que a pauta feminina deixe de ser apenas identificada com a esquerda — um erro — para se tornar uma questão que ultrapasse ideologias, gênero e classe social.

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Jair Bolsonaro e Dias Toffoli durante café da manhã com deputadas e senadoras em maio passado. Para 22 parlamentares, o presidentre da República não é machista, contra 21 que dizem que é. Foto: Marcos Corrêa / Agência O Globo
Jair Bolsonaro e Dias Toffoli durante café da manhã com deputadas e senadoras em maio passado. Para 22 parlamentares, o presidentre da República não é machista, contra 21 que dizem que é. Foto: Marcos Corrêa / Agência O Globo

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Pelo levantamento de ÉPOCA, metade das deputadas acha que Bolsonaro não é machista e a maioria não se assume feminista — oito delas disseram que ser feminista é algo “ruim”. Muitas acreditam que é preciso ensinar educação sexual na escola, a maioria é favorável à criminalização da homofobia e 60% acham que a lei do aborto deve ser mantida como está, com permissão em casos de estupro, risco para a mãe e anencefalia do feto. O único tema realmente consensual é a desigualdade salarial — elas concordam que a disparidade entre os gêneros é gritante.

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Jandira Feghali (PCdoB-RJ), com uma trajetória de mais de uma década como deputada federal, diagnosticou uma crescente divisão entre as mulheres. “A bancada feminina cresceu, mas tenho o temor de que ela não consiga mais ser unitária, porque o nível de polarização de valores cresceu.” A “radicalização”, segundo ela, pode impedir que as mulheres atuem de forma comum, exceto em questões como assédio moral ou pedofilia, mais unânimes. Margarida Salomão (PT-MG) considera que essa diversidade de pensamentos é natural e que não faz sentido imaginar que haveria um consenso. “É da natureza da política. Não há por que uma bancada de mulheres ter uma identidade política, se não esperamos isso dos homens”, avaliou.

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Segundo um levantamento feito até meados de abril pelo LabHacker, o departamento de análise de dados e transparência da Câmara dos Deputados, em parceria com o Departamento de Taquigrafia, Revisão e Redação, os temas mais citados por mulheres em seus discursos em plenário neste ano foram reforma da Previdência, “homens e mulheres”, Marielle Franco, direitos humanos e violência doméstica. Entre homens, só o primeiro tema se repete. Os demais são cadastro positivo, salário mínimo e “ministro da Educação”.

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A deputada Érika Kokay (PT-DF) é a líder absoluta no tempo e na quantidade de discursos. Entre 2015 e 2018, falou o dobro da segunda colocada, Benedita da Silva (PT-RJ). Foram 1.534 pronunciamentos. Em 2019, até agora, Kokay manteve a posição como a que mais discursou. Já fez 103 discursos, muito mais do que a segunda colocada, Maria do Rosário (PT-RS), que falou 37 vezes. Das dez mulheres com mais tempo de discurso em 2019, a única com perfil conservador é Joice Hasselmann (PSL-SP). Líder de governo no Congresso, ela sobe frequentemente à tribuna para atacar o PT e defender as ideias do Executivo e a reforma da Previdência.

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Em 2010, 29 de 45 mulheres eleitas para a Câmara dos Deputados eram de siglas de esquerda. Os mesmos partidos elegeram apenas 27 mulheres em 2018, de um total de 77 deputadas. Algumas das eleitas mais populares, no entanto, têm mostrado pouco a cara. A Policial Katia Sastre (PR-SP), sétima mais votada de São Paulo, por exemplo, discursou apenas duas vezes no plenário.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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