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O PAÍS ONDE 48 MULHERES SÃO ESTUPRADAS A CADA HORA

Saiu no site AGÊNCIA PATRÍCIA GALVÃO

 

Veja publicação original:  O PAÍS ONDE 48 MULHERES SÃO ESTUPRADAS A CADA HORA

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A República Democrática do Congo tem uma das taxas mais altas de violência sexual do mundo, mas uma nova abordagem do tema está estimulando os homens a confrontarem e questionarem a “masculinidade tóxica”.

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Por Aaron Akinyemi

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Moises Bagwiza é um dos homens que agora reflete com pesar sobre seu passado. As lembranças de como tratou e estuprou sua esposa, Jullienne, são francas, explícitas e perturbadoras.

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“Sexo com ela era como uma briga. Eu não me importava com o que ela estava vestindo – eu arrancaria tudo”, diz ele.

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Em um modesto bangalô na pacata vila de Rutshuru, no leste da República Democrática do Congo, Bagwiza se lembra de um ataque em particular, quando a esposa estava grávida de quatro meses.

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“Eu me virei e dei um chute no estômago dela”, ele diz, contando que ela caiu no chão, sangrando, enquanto vizinhos, preocupados, correram para levá-la ao hospital.

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O que ela tinha feito? Ela estava economizando, escondida, dinheiro para despesas domésticas com ajuda de um coletivo local de mulheres.

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Antes do ataque, ela tinha se recusado a dar dinheiro a ele para um par de sapatos.

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“É verdade que o dinheiro era dela”, reconhece Bagwiza. “Mas, hoje em dia, como você sabe, quando as mulheres têm dinheiro, elas se sentem poderosas e mostram isso.”

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Ideias tradicionais de masculinidade

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Esse ressentimento está no centro do que alguns chamam de crise da masculinidade africana moderna.

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Durante séculos, os homens foram criados com ideias definidas sobre o que significa ser homem: ser forte, capaz de proteger e sustentar sua família.

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No entanto, a evolução das questões de gênero, com maior empoderamento feminino, combinada com altos níveis de desemprego masculino, está frustrando a capacidade dos homens de viverem de acordo com esses ideais antigos de masculinidade.

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Para homens como Bagwiza, uma mulher independente financeiramente representa uma ameaça. Pedreiro em uma vila local, ele diz que sentiu que a violência era a única forma de se comunicar com sua esposa.

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“Eu achava que ela pertencia a mim”, disse. “Eu pensei que poderia fazer qualquer coisa que quisesse com ela.”

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Compensação pelo ‘fracasso masculino’

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O caso de Bagwiza está longe de ser o único. A República Democrática do Congo tem uma das maiores incidências de estupro no mundo, com uma estimativa de que cerca de 48 mulheres são estupradas a cada hora, de acordo com um estudo do American Journal of Public Health.

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Vários especialistas atribuem a crise de violência sexual do país a um conflito de longa data no leste do Congo, onde grupos de milícias rivais geralmente usam o estupro coletivo e a escravidão sexual como armas de guerra.

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A causa principal do estupro, contudo, é muito mais profunda, segundo Ilot Alphonse, co-fundador da ONG Rede de Homens do Congo (Comen).

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“Quando falamos de violência sexual apenas no contexto de um conflito armado, estamos fugindo da questão central”, diz ele.

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“Nós herdamos essa maneira de tratar as mulheres como objetos nossos, uma ideia de que os homens têm o direito de fazer sexo a qualquer hora. A causa da violência sexual se trata do poder e da posição que os homens congoleses sempre quiseram manter.”

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Mulheres no debate

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Danielle Hoffmeester, do Instituto de Justiça e Reconciliação (IJR) na África do Sul, diz que a violência de gênero está diretamente ligada a como os homens são socializados enquanto crianças e à incapacidade de cumprir as regras rígidas da masculinidade africana tradicional.

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“A incapacidade dos homens de prover e sustentar suas famílias levou muitos deles a compensar esse ‘fracasso’ na masculinidade de maneiras frequentemente tóxicas e violentas”, diz ela.

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Alphonse diz que ele foi tanto um agressor quanto uma vítima de violência.

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“Na escola, fomos espancados, em casa fomos espancados e, na aldeia, organizamos sessões de luta”, diz.

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Ele diz que internalizou a violência, que mais tarde se tornou uma maneira de se comunicar.

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“Às vezes eu batia na minha namorada e era ela quem tinha que se desculpar. Lembro que um dia, quando ainda éramos crianças, briguei com minha irmã e joguei uma faca nela.”

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As iniciativas contra o estupro na África têm normalmente focado nas mulheres, que são a maior parte das vítimas, e excluído os homens, que são a causa da violência sexual.

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Para Alphonse, contudo, essas medidas tratam dos sintomas e não das causas profundas da violência sexual.

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“Estamos combatendo a violência com base no gênero”, diz ele. “Para que isso aconteça, temos que envolver homens e meninos que são parte do problema, então eles têm um espaço para mudar o comportamento.”

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Foi isso que Alphonse e colegas fizeram. Criaram a Baraza Badilika, uma versão contemporânea de antigos espaços de encontro onde os homens se reuniam para resolver questões urgentes da comunidade e iniciar os meninos na masculinidade.

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Como conflitos sucessivos arrasaram aldeias e mataram pessoas, esses espaços foram quase erradicados, o que levou a uma falta de modelos masculinos para as crianças, segundo ele.

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Enquanto a tradicional Baraza Badilika (cuja tradução é “Círculo de Mudança”) era frequentada apenas por homens, essa interação do século 21 dá às mulheres papeis de liderança.

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“É realmente hora de as mulheres tomarem esses espaços”, afirma.

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Mudanças

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Toda semana, cerca de 20 homens se encontram na Baraza por duas horas para aprender sobre masculinidade positiva, igualdade de gênero e paternidade.

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As oficinas são conduzidas por um homem e por uma mulher, que usam filmes, livros ilustrados e sessões de psicodrama para “reprogramar o cérebro” dos agressores.

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Alphonse diz que a maioria das mulheres diz a ele que os maridos mudaram depois de participar das oficinas.

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“Elas dizem: ‘Fomos a líderes religiosos, chefes tradicionais, mas ele não mudou. Foi preso várias vezes, mas não mudou. De repente, vejo ele não sendo mais violento e voltando para casa na hora’”.

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Bagwiza também percorreu um longo caminho desde que bateu na esposa grávida.

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“Claro que não é 100% – somos humanos -, mas muitas coisas melhoraram dramaticamente. Agora temos conversas adequadas e nossa relação sexual melhorou muito.”

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Alphonse está determinado a alcançar “todos os homens” na República Democrática do Congo com sua filosofia de masculinidade positiva.

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“Sonhamos em ver o fim de todas as formas de violência neste país”, diz ele. “Assim, podemos torná-lo apropriado para homens, mulheres, meninos e meninas.”

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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