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O intolerável feminicídio após desavenças conjugais

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Veja publicação original: O intolerável feminicídio após desavenças conjugais

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O feminicídio caracteriza-se pelo assassinato de uma mulher, com quem o autor tenha tido relacionamento íntimo, tempos depois da separação ou durante um conflito banal. Ocorre, geralmente, após vários eventos de abusos, humilhações e espancamentos, em ambiente doméstico, ou em situações forjadas para que a vítima não tenha chance de defesa e fique mais difícil identificar a autoria do crime. Às vezes, há também execução dos filhos, porque o homem deseja vingar com mais intensidade o desprezo da companheira.

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A frequência do feminicídio é o mais eloquente sinal do desequilíbrio nas relações de gênero, escancarando intolerância pela decisão da mulher de encerrar união infeliz, após uma história de amor que implicou procriação e contínuas atividades domésticas, às vezes com parcos recursos materiais. Trata-se de uma tragédia que não é exclusiva do Brasil nem é um problema desta época, em que predomina hostilidade generalizada. Pelo contrário, registros históricos indicam que as filhas não merecem apreço da família desde a Antiguidade, e isso inspirou muitas medidas do Estado para consolidar tradições em que as mulheres tinham status mais ou menos equivalente ao dos escravos, das crianças e dos estrangeiros e deveriam viver tuteladas por pais, irmãos e maridos. Hebreus, gregos e romanos preferiam o nascimento de varões, que seriam guerreiros e gerariam riqueza no campo e nos negócios, em benefício de todos. Enquanto isso, as meninas traziam preocupações para formação do dote e preservar a honra da família. Cabia-lhes apenas adquirir as qualificações para a procriação responsável e os trabalhos domésticos que propiciassem conforto aos homens ocupados com a provisão econômica.

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Mudar concepções tão arraigadas na cosmologia de um grupo demanda intenso esforço na educação das crianças e na reorganização do Estado, quebrando paradigmas sobre a superioridade masculina e sua formidável sina para gerir o destino de um povo. Infelizmente, apesar do formidável desenvolvimento tecnológico das últimas décadas, persistem inúmeros casos de discriminação sexual, em que os homens rejeitam compartilhar espaços e obrigações em ambientes públicos e privados. Os pais incentivam-nos, desde pequeninos, para superar todos os obstáculos a qualquer preço. Eles não se acostumam com a frustração amorosa, revidando contra quem se interpõe ao seu sucesso, especialmente no que se refere às suas experiências sexuais e ao bem-estar doméstico. Acreditam que as ex-companheiras tumultuam seu cotidiano, enquanto elas têm pleno domínio do conforto familiar. A revanche torna-se inevitável, especialmente quando elas mantêm a prole em condições favoráveis.

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Temos uma legislação avançada quanto às relações de gênero, mas predominam aqui preceitos quanto à legitimidade da dominação masculina. Enquanto eles não forem alterados, haverá alta frequência de feminicídio, porque as mulheres vêm conseguindo autonomia econômica, e isso lhes permite romper relacionamento que não esteja correspondendo às suas expectativas de união feliz.

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É indispensável que o Estado crie estratégias para convencer a sociedade de que a diferenciação sexual não implica desigualdade sexual, inspirando alianças mais serenas, profícuas e justas entre homens e mulheres. Elas têm demonstrado, sobejamente, que avançam nos índices de escolaridade e produtividade; merecem, portanto, reconhecimento de potencialidades equiparadas às dos homens.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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