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Nelson Mandela: três companheiras para uma longa caminhada

Saiu no site DIÁRIO DE NOTÍCIAS – LISBOA:

 

Veja publicação original: Nelson Mandela: três companheiras para uma longa caminhada

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Por Patrícia Viegas

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A única coisa que Nelson Mandela lamenta na vida é não ter passado mais tempo com os seus filhos, confessou em 2008, à CNN, Graça Machel, a sua terceira esposa. Numa rara entrevista, na altura dedicada aos seus dez anos de casamento, a ex-primeira dama de Moçambique, que quando casou com Mandela era já viúva de Samora, explicou que viver com o homem mais admirado do mundo era sinónimo de felicidade, conforto e paz. Ela foi a sua companheira de velhice, Evelyn e Winnie as mães dos seus filhos, as mulheres que com ele conviveram na luta pela liberdade na África do Sul. As três conheceram melhor do que ninguém o homem por detrás do político, do chefe do Estado, do Nobel da Paz, do ativista anti-Sida, enfim, o homem por detrás do mito.

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Curiosamente, quando era novo, Nelson Rolihlhla Mandela não queria casar, de tal maneira que fugiu para Joanesburgo para escapar a uma união arranjada pelo tio. Tinha 22 anos e, na altura, em 1940, não pensava em assumir tal compromisso. Mas ao frequentar a casa do amigo e mentor Walter Sisulu, no Soweto, conheceu uma rapariga sossegada, bonita, uma enfermeira quatro anos mais nova do que ele. Era Evelyn Ntoko Mase, com quem daria o nó algum tempo mais tarde, apesar de nenhum dos dois ter dinheiro para pagar uma festa ou comprar uma casa. O casal teve quatro filhos, Maki, batizada com o nome da irmã falecida aos nove meses, Thembi, que perderia a vida num acidente de carro, em julho de 1969, mais Makgatho, que em janeiro de 2005 se tornou aos 54 anos mais uma das vítima do HIV-Sida a morrer na África do Sul.

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Mandla Mandela, filho de Makgatho e neto de Mandela, foi em 2007 nomeado chefe do Conselho Tradicional de Mvezo, numa cerimónia no Grande Palácio de Mvezo, que é o local de origem do clã Madiba a que pertence Mandela. O histórico líder sul-africano tem, segundo o Nelson Mandela Centre of Memory, 17 netos e 13 bisnetos vivos, sendo que Zenani, de 13 anos, morreu em 2010 num acidente de carro, quando regressava de um concerto no âmbito do Campeonato Mundial de Futebol.

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Mandela e Evelyn escolheram dedicar-se a causas diferentes quando as coisas começaram a correr mal, ele ao Congresso Nacional Africano, o ANC, ela ao Jeová. Ele passava muito tempo fora de casa, ela tinha que deixar os filhos com a avó, até que um dia decidiu dar-lhe a escolher entre a família ou a vida política. Ele optou pela segunda, o casal divorciou-se 13 anos após jurar amor eterno. “Eu dizia que estava a servir a Nação e ela respondia que Deus está acima da Nação. Homem e mulher que têm visões tão distintas do seu papel na vida não podem estar juntos”, escreveu o histórico líder da luta anti-Apartheid na ‘Longa Caminhada para a Liberdade’, a autobiografia que começou a escrever na prisão em pedaços de papel higiénico que passava para o exterior.

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Richard Stengel, editor da revista Time, que ajudou Mandela a escrever a autobiografia, confirma a versão do ex-chefe do Estado sul-africano no livro O Legado de Mandela: Quinze Lições de Vida, Amor e Coragem“Teve algum êxito na adesão das massas para a causa mas não foi capaz de convencer a mulher. Evelyn não queria saber da política, converteu-se ao Jeová, passava os dias a ler a Bíblia”.David James Smith, jornalista britânico e autor do livro O Jovem Mandela, publicado em 2010, surgiu no entanto como uma outra versão depois de investigar o passado do ex-líder do ANC: Mandela terá tido vários casos amorosos durante a sua juventude, alguns dos quais quando ainda se encontrava casado com Evelyn.

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Smith baseia o início da sua argumentação numa frase que foi excluída da autobiografia A Longa Caminhada para a Liberdade. Mac Maharaj era segundo ele um dos prisioneiros responsáveis por garantir o sucesso do esquema que permitia a Mandela passar mensagens para o exterior. Num certo dia virou-se para o líder do ANC e disse-lhe que aquilo que ele estava a escrever era um mero instrumento político, que o homem e a pessoa não estavam ali refletidos e que ele deveria falar por exemplo da primeira mulher e do divórcio de ambos. Maharaj terá pedido a Walter Sisulu, um dos fiéis companheiros de luta de Mandela, que o convencesse a contar mais sobre si enquanto ser humano e, algumas noites mais tarde, recebeu uma nota a pedir que acrescentasse a seguinte frase na passagem em que fala do seu primeiro casamento: “E depois vivi uma vida totalmente imoral”

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Smith, que acedeu a documentos e falou com vários amigos e familiares de Mandela, referiu no seu livro que pode ter havido traição entre Evelyn e o ex-líder do ANC.Ruth Mompati, ex-dactilógrafa do escritório de advogado que Mandela e Oliver Tambo abriram, em 1953, em Joanesburgo, terá sido uma das amantes do líder do ANC. Numa entrevista que deu a este jornalista de investigação há anos, não negou nem confirmou que tivesse existido esse tipo de relação entre ambos.

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Evelyn terá confidenciado mesmo ao jornalista britânico Ferd Bridgland, especialista nessa zona do continente africano e autor da biografia de Jonas Savimbi, que chegou a ameaçar deitar água a ferver por cima da dactilógrafa caso ela voltasse a ir à casa deles. Esta ficava no número 8115 Ngakane Street, Orlando Ocidental, Soweto, tendo hoje em dia dado lugar a um museu sobre a família do Nobel da Paz.

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Amina Cachalia, uma das mais antigas amigas de Mandela, disse a Smith: “Mesmo que eu pergunte ele nega e diz para não dizer disparates quando pergunto sobre Ruth”. Esta ativista admite que ele gostava muito de mulheres e escolhia sempre as mais bonitas. Lilian Ngoyi, ex-membro da Liga das Mulheres do ANC, terá sido outras das amantes, tal como a atriz e cantora sul-africana Dolly Rathebe, contemporânea de Miriam Makeba.

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O casamento acabou em 1958 e Evelyn viria a morrer em 2004. Winnie Madikizela, ao contrário de Evelyn, vinha de uma família importante. Quando conheceu o advogado e ativista Mandela, com 23 anos, tornara-se a única estudante negra de serviço social no hospital de Baragwanath. Ele via nela uma mulher apaixonada pela política e por ela própria enquanto pessoa individual. Tiveram duas filhas, Zenani e Zindzi, em 1959 e em 1960, que ela criou praticamente sozinha. Enquanto ele esteve preso, desde 1962 até 1990, ela desafiava o regime para o visitar. Mas com o tempo, as visitas e as cartas foram reduzidas, até quase não haver qualquer contacto, tendo ela sido presa, em 1967, em frente às filhas, ambas menores de dez anos. “Ao longo de meses não soube o que acontecera às minhas meninas e essa foi a maior tortura”. Onde esteve presa, as mulheres estavam nuas, não tinham toalhas, não podiam limpar-se e quando estavam menstruadas o sangue escorria-lhes pelas pernas abaixo”, contou a jornalista sul-africana Charlene Smith numa biografia que fez sobre Mandela.

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Ao longo dos anos de luta Winnie emergiu como uma forte opositora do regime branco do apartheid mas, no final, quase que se autodestruiu. Formou a equipa de futebol Mandela, não para jogar à bola, mas para eliminar os opositores. Foi o que aconteceu com Stompie Seipei, um alegado informador de apenas 14 anos, que foi raptado e posteriormente morto, ao que tudo indica, sob as suas ordens. Isso mesmo admitiu um dos seus guarda-costas, em tribunal, algo que deixou o marido muito desiludido. Influência terá tido também a alegada descoberta de um caso amoroso que ela terá tido com Dali Mpofu, um advogado da sua equipa de defesa, mais novo do que ela, escreveram na década de 90 jornais como o Guardian e o Washington Post. Quando Mandela tomou posse na qualidade de primeiro presidente democraticamente eleito da África do Sul, em 1994, ela já não apareceu em público ao seu lado.

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Em 2010, Nadira Naipaul, jornalista e mulher do Nobel da Literatura V.S. Naipaul, publicou um artigo no jornal Evening Standard em que relatava uma conversa que tinha tido com Winnie Madikizela-Mandela na sua casa em Joanesburgo. “A única preocupação que eu tinha era pelas minhas filhas. Nunca saber o que lhes acontecia. Sinto que elas sofreram muito com tudo isto. Não eu nem Mandela. Essa angústia era insuportável para uma mãe, não saber como estavam as minhas filhas, enquanto eles me encerravam em confinamento prolongado na solitária”, terá dito na entrevista, que logo em seguida desmentiu apesar de o jornal britânico reafirmar a sua confiança em Nadira. Na tal conversa, escreveu a jornalista, Winnie terá dito também que Mandela desiludiu os sul-africanos negros com um acordo que os prejudicou.

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Em entrevista ao DN, em novembro de 2017, a realizadora francesa Pascale Lamche, que realizou o documentário Winnie e venceu com ele o festival de Sundance desse ano, disse considerar que a segunda mulher de Mandela foi um pouco injustiçada. “Este filme é uma versão condensada. Não pude pôr tudo. O Nelson Mandela Football Club não era uma milícia. No Soweto houve muita violência e havia muitos clubes desses para tirar os jovens da rua. Da violência. Para tentar proteger pessoas ameaçadas. O clube de futebol era um disfarce para pessoas que vinham lutar, fazer operações, depois voltavam a sair do país. O que quis fazer com este documentário foi dar espaço para discutir Winnie como líder militar. O que era aceitável para um homem líder militar não era no caso de uma mulher. Isso tem que ver com o facto de ela ser vista como a mãe da Nação e, por isso, não ser bem-vista como líder militar”. Winnie morreu a 2 de abril de 2018, aos 81 anos, vítima de doença prolongada e após vários internamentos por infeção nos rins.

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O divórcio oficial entre Winnie e Mandela surgiu em 1996, altura em que líder sul-africano já era algo próximo de Graça Machel, a viúva a quem dez anos antes enviara uma mensagem de condolências pela morte de Samora. “Não foi exatamente amor à primeira vista”, disse ela, um dia, mas com o tempo descobriram que tinham muita coisa em comum e queriam partilhar a vida. Ele encontrou nela uma pessoa inteligente, dinâmica, uma mulher que cuida dele. “Quando ouço o Nelson a falar às vezes parece que é o Samora que fala”. Formada em línguas românicas, em Portugal, Graça integrou a Frelimo em 1973 e tornou-se ministra da Educação e Cultura, dois anos depois, aquando da independência. Foi então que casou com Samora, que viria a morrer na queda de um avião, ainda por esclarecer. Teve dois filhos com ele, que criou sozinha, sendo a família uma das razões pelas quais não assumiu mais cedo o seu seu romance com o histórico do ANC. Mas, no décimo aniversário do casamento, Graça, com menos 28 anos do que o marido, disse: “Nós conhecemo-nos numa altura da vida em que já sabíamos o valor da partilha. E por isso aceitamo-nos um ao outro como somos, apreciamos cada dia, cada dia como se fosse o último e, por isso, tem sido maravilhoso tê-lo como marido”. No dia do funeral de Mandela, em dezembro de 2013, Graça e Winnie estiveram juntas.

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Mas se Mandela lamentou não ter passado mais tempo com os seus filhos, também conseguiu marcar positivamente a vida dos filhos dos outros. Foi o caso de Josina Machel, filha de Graça e Samora, que tinha apenas dez anos quando o pai morreu. Em entrevista ao DN, publicada também em novembro de 2017, Josina afirmou: “Infelizmente, o meu pai foi assassinado tinha eu dez anos. Perdi muito. Gostaria de ter tido a oportunidade de conversar com ele, de beber muito mais dos conhecimentos de quem era, do grande homem que era. Mas a vida foi boa e trouxe-me, anos mais tarde, Nelson Mandela. E foi aí que aprendi o que é ser uma jovem com pai. Aprendi muito mais porque passei muito mais tempo com ele. Tivemos grandes diálogos. Ele deu-me grandes lições sobre o que é o ANC, como foi criado, em que bases. Tive o grande privilégio de, às vezes, viajar com ele para vários países e ver como era recebido”.

 

 

 

 

 

 

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