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Não, Mariliz. O movimento feminista não é vitimista

Saiu no site FINANÇAS FEMININAS

 

Veja publicação original:   Não, Mariliz. O movimento feminista não é vitimista

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Por Karina Alves

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Há algo bastante intrigante sobre o medo que o movimento feminista causa. A reação inconformada quando vem dos homens é algo que já esperamos e estamos preparadas. A ala conservadora masculina se estremece com receio da mudança do status quo. Mas o que intriga mesmo é quando vemos mulheres trocando a sororidade por apoio aos homens receosos de perder privilégios. Em coluna para a Folha de São Paulo, a jornalista Mariliz Pereira Jorge acusa o movimento feminista de se vitimizar. E só o uso do termo “vitimismo”, por si só, já é suficiente para iniciar a leitura com um sentimento de decepção. É preciso ter estômago para chegar até o fim do texto.

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Chega a ser frustrante, a essa altura do campeonato, precisar reforçar em palavras que o feminismo não existe para travar uma batalha entre mulheres e homens, que o princípio básico é igualdade de direitos entre os gêneros. Já passou da hora de abandonar esse senso comum de guerra dos sexos.

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Nas palavras dela: “Amigos me contam que nunca sabem se, quando e como chegar numa mulher na balada, sem a insegurança de fazer algo que seja considerado inadequado. Por aquela mulher. Com a próxima tudo pode ser diferente. Nem sempre têm certeza de que os sinais são de “já pode beijar”. A partir de que momento está liberado passar a mão na bunda. Ou uma resvalada marota ao lado do peitinho.” Precisa desenhar que tudo isso que ela citou só pode acontecer a partir do momento em que houver consentimento?

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Acho que vale resgatar a lembrança da campanha da Ogilvy e a Scwheppes, feita no início do ano. Para quem não acompanhou, para mostrar como o assédio acontece em baladas, três mulheres foram monitoradas à distância em uma festa, usando um vestido coberto por sensores para detecção de toques. Em três horas, as três mulheres foram tocadas indevidamente 157 vezes.

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Feminismo: a ideia radical de que mulheres são seres humanos

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A gente vive em uma sociedade em que Youtuber não vê problema em gravar vídeo relatando ter estuprado a namorada enquanto ela dormia – inclusive em gravar isso achando que vai ser engraçado. Que homem não vê problema em espalhar vídeos e fotos de ex-namoradas como vingança. Uma sociedade que constantemente faz vista grossa para mulheres que são agredidas, estupradas, ameaçadas, humilhadas por homens que não conseguem lidar com seus problemas de autoestima. E diante dos abusos diários que nós mulheres sofremos todos os dias, a colega acha que o problema é o coitadinho do homem que não sabe como vai agir daqui para frente nas baladas?

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A série de disparates não para por aí. O movimento #metoo, nas palavras dela, foi reduzido a uma gritaria de mulheres “que não sabem a diferença entre uma relação consensual e uma forçada”. Um levantamento de um ano do movimento #metoo apontou que as denúncias de mulheres afastaram 201 homens influentes de seus cargos, após acusações públicas de má conduta sexual.

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E ver esse resultado é motivador, mas é preciso ter sempre em mente que isso é apenas o começo da reparação de uma cultura que SEMPRE foi opressora e silenciadora da voz feminina. O movimento feminista, como bem sabemos, não nasceu ontem. Os levantes mais marcantes começaram a acontecer ainda no período da Revolução Francesa. De lá para cá, vivemos ciclos constantes de levantes da união das mulheres, respondidos em seguida por uma onda de conservadorismo.

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Porque o movimento feminista não está “se vitimizando”

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Não adianta querer minimizar o que está acontecendo mundialmente dizendo que as mulheres estão “se vitimizando”. Tomem por base a quantidade de denúncias que se acumularam sobre as costas do produtor Harvey Weinstein até que alguma justiça, de fato, começasse a acontecer. A nomeação do juiz americano Brett Kavanaugh para a Suprema Corte, a despeito de denúncias de três mulheres sobre má conduta sexual, reforça a necessidade de continuar denunciando, dando apoio a outras mulheres, gritando sim, sem nenhum rótulo de vitimismo por isso. Lembre-se de situações de conduta sexual abusiva por parte de homens no seu entorno (seja no seu trabalho ou seu no convívio) e compare como a situação é encarada agora e como seria há dez anos.

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Usar a moeda do “o mercado vai encontrar formas de afastar as mulheres para evitar acusações” é tentar minar o poder de nossas vozes pelo medo. Isso não é novidade para nós, nem será suficiente para nos calar. À nossas leitoras, a palavra sempre será de encorajamento, de união entre si. Escutem suas colegas de trabalho, suas vizinhas, suas amigas. Acolham, entendam, coloquem-se no lugar delas antes de julgá-las.

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Lembrem-se de que quando um caso polêmico vem à tona e uma figura importante é afastada de sua posição em função de má conduta sexual, a repercussão disso é representativa. Em uma cultura em que a má conduta sexual realmente pega mal para a imagem de uma empresa, as corporações terão que se esforçar no sentido de garantir um ambiente seguro para as mulheres, em que ela tenha segurança para falar e ser ouvida, em que as denúncias sejam de fato apuradas com seriedade e com punições.

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O barulho do movimento feminista não é excessivo, Mariliz. Ele é necessário. Sobre os homens que estão insatisfeitos com tudo que está acontecendo, nós bem sabemos o que eles querem: voltar aos tempos em que se sentiam livres para fazer o que bem entendessem, com a certeza de saírem impunes.

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Nós não vamos voltar para esse tempo.

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Este editorial é uma resposta ao texto da colunista Mariliz Pereira Jorge, da Folha de S. Paulo, publicado em 5 de dezembro de 2018 com o título: “Por que o movimento feminista precisa fugir da vitimização”.

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Fotos: AdobeStock

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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