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João de Deus e o machismo nosso de cada dia

Saiu no site CARTA CAPITAL

 

Veja publicação original:   João de Deus e o machismo nosso de cada dia

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Em 2014, a holandesa Zahira procurou cura espiritual na Casa de Dom Inácio de Loyola, em Abadiânia (GO). Na primeira visita ficou sozinha com João de Deus – líder religioso da casa – momento em que ele perguntou por que ela estava ali. Em seguida, cheirou a moça e pediu para que ela ficasse de costas, conduzindo-a para um banheiro, de acordo com o depoimento de Zahira.

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Depois, o médium teria colocado as mãos dela no pênis dele e fez com que elas se movimentassem. Após o abuso, abriu um armário com pedras preciosas e pediu para a mulher escolher uma. Em seguida, ela foi levada novamente ao banheiro, e João de Deus teria a penetrado.

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A holandesa afirma que não saiu correndo e gritando porque acreditava muito que poderia ser treinada como médium para ajudar as pessoas. Passou então a auxiliar João de Deus nos atendimentos, o que foi considerado um grande privilégio. “Eu tinha muito medo de eles mandarem espíritos ruins, da minha vida se tornar miserável, de não conseguir dormir”, afirmou.

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Na sexta-feira (7) o jornalista Pedro Bial, da TV Globo, revelou essa e outras histórias de abuso e violência sexual praticados pelo médium goiano João de Deus. A gravidade do caso ganhou grande repercussão nos últimos dias, e outras mulheres estão vindo a público denunciando o médium, um dos mais conhecidos na área de cura espiritual no país.

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Após as denúncias, o Ministério Público Estadual de Goiás (MP-GO) e a Polícia Civil goiana instauraram investigações, com o objetivo de identificar outras mulheres que afirmam ser vítimas e apurar a vida do médium. Conforme relatos colhidos até o último sábado 8, os abusos sexuais teriam ocorrido dentro no local desde a década de 1980 até outubro do ano passado.

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Simony dos Anjos, especialista em antropologia, autora do Blog Sim Genuflexos e integrante do coletivo Evangélicas pela Igualdade de Gênero, afirma que as vítimas chegam aos templos religiosos pelas condições degradantes que sofrem na sociedade em função do racismo, do machismo, do poder econômico, num processo de desumanização.

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“Lá elas querem ser acolhidas, e esses líderes religiosos se utilizam disso para serem machistas e cafajestes. Mas é importante destacar que esse abuso é um efeito da condição degradante que elas já chegam nesses locais”, sustenta a especialista.

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A pesquisadora explica que o dispositivo que leva as mulheres – por muito tempo – a não denunciarem é semelhante ao da violência doméstica: a mulher, de modo geral, é culpabilizada pelo abuso, e se cala diante do poder econômico e moral que os homens têm dentro de casa.

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“A mulher será imediatamente desacreditada, ela não vai ter apoio. No templo religioso, a circulação de pessoas está ligada a intimidade delas. Elas vão com seus filhos, maridos, pais, e quando elas fazem a denúncia há impacto social em toda a família. Isso mexe com a moral delas em uma sociedade extremamente conservadora como a nossa.”

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É o caso de uma das supostas vítimas de João de Deus – o caso está em curso na Justiça – que em seu relato disse que frequentava o templo junto com a avó, já conhecida na casa.

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Isso explica porque dezenas de mulheres que agora, encorajadas por uma onda denúncias e pelo efeito midiático provocado, ao invés de revelarem os casos, tenham tido como única alternativa na época apenas se afastar do culto. Nessa perspectiva, o custo social da denúncia – permeada pelo machismo desde as instituições até as relações interpessoais, é alto demais para a vítima.

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Para o abusador, a conta é inversa. O poder dele dentro da instituição – nesse caso religiosa – não é colocado em risco, mas é o instrumento usado para praticar a violência.

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“Eles sabem que a sociedade os protege; é assim que funciona. Culpar a mulher é um dispositivo de controle. Ela vai ser desacreditada e muitas justificativas serão dadas para que ela seja a culpada até que a situação exploda e ela seja encorajada a denunciar massivamente, como agora”, complementa Simony.

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O caso guarda semelhanças com as denúncias contra o médico ginecologista Roger Abdelmassih, de Campinas. A posição de prestígio do médico aliado a forte misoginia permitiu que dezenas de mulheres fossem violentadas, e só pudessem denunciá-lo quando encorajadas pela publicidade de outros casos.

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“O funcionamento de abusos por líderes religiosos com mulheres, ou com crianças como é comum no caso dos padres católicos, é a reprodução dos modus operandi do patriarcado na sociedade.”

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A defesa de João de Deus nega as acusações. O advogado do médium nega as acusações a afirma que irá colaborar com as investigações.

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A Federação Espírita Brasileira divulgou no último sábado 8 uma nota condenando atendimentos individuais por curadores. Segundo a federação, “o espiritismo orienta que o serviço espiritual não deve ocorrer isoladamente, apenas com a presença do médium e da pessoa assistida”.

 

 

 

 

 

 

 

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