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Graça Machel: Muito mais que a sra. Mandela

Saiu no site REVISTA MARIE CLAIRE:

 

Veja publicação original: Graça Machel: Muito mais que a sra. Mandela

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A despeito de ter sido casada com Nelson Mandela e Samora Machel, dois dos principais revolucionários do século 20, Graça Machel construiu uma trajetória singular como ativista pela defesa dos direitos humanos

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A história de Graça Macheltem contornos de contos de fadas. Nascida em uma família humilde, numa província moçambicana, estudou em uma universidade de Lisboa numa época em que raras mulheres (muito menos africanas) chegavam ao ensino superior. Ali, percebeu as injustiças cometidas por Portugal contra seu país e, aos 25 anos, juntou-se à Frente pela Libertação de Moçambique como guerrilheira. Foi assim que conheceu o primeiro marido, Samora Machel, que proclamou a independência em 1975 e se tornou presidente do país africano, tendo Graça ao seu lado como ministra da Educação. Catorze anos depois, Samora morreu em um suspeito acidente de avião, e Graça se transformou numa combativa defensora dos direitos humanos na África.

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Graça Machel (Foto: Globopress)

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Sua atuação celebrada por órgãos internacionais à frente de instituições como a Fundação para o Desenvolvimento da Comunidade a aproximou de outro líder, o sul-africano Nelson Mandela, com quem se casou em 1998. Única a ocupar o posto de primeira-dama em dois países diferentes, ela é muito mais do que uma “mulher de presidente”. Aos 72 anos, Graça está mais altiva (e na ativa) do que nunca. A ativista recebeu Marie Claire dias antes de ministrar duas conferências no Brasil no fim de 2017, a convite do Fronteiras do Pensamento e do Centro Ruth Cardoso. Discorreu com firmeza sobre a crise de refugiados e o feminismo, até ser questionada sobre Mandela. Nesse momento, o tom de voz baixou: “Ainda não superei sua morte”, disse, em referência a Madiba (apelido do sul-africano), sobre quem ainda fala usando os verbos no presente.

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MARIE CLAIRE Como reconstruiu o dia a dia após a morte de Nelson Mandela?

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GRAÇA MACHEL Passaram-se quatro anos, mas ainda não estou preparada para falar de Mandela sob o ponto de vista pessoal: não superei sua morte. Parece muito tempo, mas, para mim, é pouco. Tento seguir considerando que ele estaria orgulhoso de me ter como sua companheira e, nesse processo, aprender a dar um sentido à vida sem ele. Trabalhar muito é um mecanismo de enfrentamento: deixo de pensar em mim e me dedico a descobrir o que posso fazer para minimizar os graves problemas do mundo. Isso permite que não me concentre em viver sem ele, mas, sim, em viver com ele de maneira diferente.

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MC O que guarda de ter vivido com Mandela?

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GM Madiba marcou a história da raça humana como o homem capaz de superar os próprios sentimentos e limitações, de olhar para os que oprimiram seu povo e a ele próprio e de reconhecer a humanidade dessas pessoas. Isso permitiu que lhes estendesse a mão, criando o ambiente propício para as negociações que acabaram com o apartheid. Ao fazer isso, correu o risco de se desacreditar junto aos seus, num momento em que muitos diziam ser impossível uma reconciliação, arriscando sua aceitação como líder. Ele é um homem extremamente corajoso.

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MC Quais suas principais memórias de Machel?

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GM Samora foi um homem vertical, com excesso de autoconfiança, que levou os moçambicanos a acreditar: “Nós podemos tomar nossas próprias decisões”. Muitos países da África não conseguiram se libertar da relação colonialista e, quando Samora proclamou a independência de Portugal em nome dos moçambicanos, acabou com essa dependência. Ele foi assassinado por isso. Se tivesse sido menos firme, talvez as forças que decidiram assassiná-lo o tivessem tolerado. Essa lição de afirmação inspira a maneira como tento estar na vida e na sociedade.

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MC Seu nome é sempre seguido do aposto “a única primeira-dama de dois países”. Isso a incomoda?

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GM Seja em Moçambique, seja na África do Sul, ninguém vai falar de mim como a primeira-dama. Nunca me defini assim, mas como uma cidadã com uma contribuição a dar. Em Moçambique, quando fui nomeada ministra da Educação, não me sentia preparada, mas tive de aceitar e aprender fazendo. Depois, me tornei ativista social. Na África do Sul, dizia ao meu marido: “Finalmente tenho a oportunidade de ser uma dona de casa” [risos]. Depois, criei uma instituição para continuar meu trabalho social.

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MC Quais são suas principais memórias de infância?

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GM Nasci em uma aldeia a 260 km da capital, Maputo, numa região que diziam ser pobre, mas nos consideramos uma família rica, por causa dos valores de dignidade e solidariedade herdados de nossa mãe, que criou, sozinha, meus seis irmãos e eu – nasci 17 dias após a morte de meu pai. As causas que escolhi defender foram inspiradas nesse ambiente de amor, em que riqueza não é o que você tem, mas, sim, o que você oferece em suas relações humanas.

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MC O que carrega do período como guerrilheira?

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GM No campo de treinamento, era a única universitária e uma das poucas que falavam português, pois o resto das meninas só se comunicava em idiomas locais. Algumas das minhas instrutoras mal sabiam ler e escrever, por isso, durante o dia, recebia ordens; à noite, lhes dava aulas. Nesse período, passei a entender o povo moçambicano.

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MC Qual deve ser o papel das mulheres hoje?

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GM Temos de nos questionar: “Somos solidárias e nos identificamos umas com as outras?”, “Somos capazes de enxergar o sofrimento de outra mulher?”. Temos de carregar as bandeiras de aceitação, respeito, solidariedade e partilha. É preciso ser humilde para não julgar porque, quando julgamos, criamos muralhas que levam à rejeição.

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MC Você se considera uma feminista?

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GM Eu sou feminista. Ser homem ou mulher não nos coloca em diferentes níveis: somos iguais. Essa hierarquização é o principal motivo da violência contra as mulheres. É na luta por nossos próprios direitos que melhoramos os direitos de toda a humanidade, fazendo, inclusive, com que os homens se tornem pessoas melhores.

 

 

 

 

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