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Falar de feminismo com meninas da favela: A ambição de Thaís Alvarenga

Saiu no site HUFFPOST

 

Veja publicação original:  Falar de feminismo com meninas da favela: A ambição de Thaís Alvarenga

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Fotógrafa criou projeto em favela do Rio para falar sobre feminismo com meninas de até 12 anos de idade: “Já falaram muito por nós. Elas precisam contar a história delas”.

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Certo dia, Thaís Alvarenga, de 31 anos, estava em uma manifestação política no centro do Rio de Janeiro. Moradora da Vila Kennedy, na zona oeste carioca e ficou alarmada pelo grande número de mulheres sem sutiã, com os seios expostos e gritando palavras de ordem sobre controle de seus corpos. Na hora, seu primeiro pensamento foi: “Se eu pegar o [ramal] Santa Cruz sem sutiã, gera uma outra questão”, e relembrou dos ensinamentos que recebeu de sua mãe ainda na infância, sobre a forma de se portar como forma de proteção. Desde então, Thaís está em um processo de auto-conhecimento, mas que já alcançou a fase de difusão: ela mantém o Vivência das Manas desde 2015, onde discute com meninas de 6 a 12 anos de idade agruras e questionamentos próprios dessa fase da vida, lá mesmo, na Vila Kennedy. O foco é apresentar para as meninas referências e possibilidades além do que a sociedade impõe.

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A fotografia abriu minha mente pra esses questionamentos, enquanto mulher negra e favela.

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VALDA NOGUEIRA/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
O foco é apresentar para as meninas referências e possibilidades para além daquelas já postas pelo atual sistema da sociedade

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Thaís acredita que o trabalho que faz com as meninas existe para preencher uma lacuna comum na vida de milhares de meninas que, como ela, não tiveram acesso a discussões importantes antes da fase adulta. “Queríamos um espaço que fosse para falar sobre as nossas questões, nossas dores, nossos amores. Porque eu também pensava muito que quando criança, adolescente, não tive esse espaço de fala. Até com a minha mãe era travado o diálogo, porque tinha a questão do respeito. Com a necessidade de dialogar esses assuntos, começamos a Vivência”, explica.

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A ideia de discutir o assunto no território em que nasceu, não dentro da universidade, amadureceu durante um curso de fotografia que fez em 2013, no Complexo da Maré. Ela define o período como um processo de descobertas e reconhecimento da sua identidade: “A fotografia abriu minha mente pra esses questionamentos, enquanto mulher negra e da favela. E futuramente eu iria querer estar em companhia, trabalhando essas questões”.

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Na companhia de sua amiga Diana, começou a perceber que os espaços acadêmicos e dos movimentos sociais não alcançavam as particularidades de existir enquanto mulher na zona oeste e na Baixada Fluminense, por exemplo, que são áreas mais complexas do que a quase uniforme zona sul carioca. “Nós começamos juntas a querer entrar nesses espaços e ter lugar de fala enquanto mulher periférica, mas observamos que esse espaço nunca era onde a gente morava. Não era fácil encontrar grupos que estivessem discutindo questões de ser mulher longe da zona sul”, analisa Thais.

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Elas precisam contar a história delas.

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VALDA NOGUEIRA/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
“Eu quero que elas possam usar dessa vivência para tudo na vida delas.”

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Naquele momento, começava a nascer a Vivência das Manas, que no início era de todos. O projeto começou como uma oficina de fotografia, sem espaço para debates e desabafos, mas com as questões que os alunos levavam da rua para o quintal dos pais de Thais, local onde acontece até hoje, ela sentiu a necessidade de ampliar o escopo e ouvir exclusivamente as meninas.

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“Inicialmente a tinha a ideia de abordar esse diálogo com adolescência e pré-adolescência, mas não rolou porque tem toda uma questão de interesse. As adolescentes não tinham tanto interesse. A Vivência é sempre domingo, e elas achavam chato.Por mais que a gente tentasse fazer a experiência ser atrativa, não rolava”, relembra a fotógrafa, que hoje se dedica exclusivamente às crianças. Com ludicidade, Thais acredita que mostrar referências essas crianças agora irá tornar o futuro delas diferente: “É bom para quando elas estiverem na fase da adolescência, terem autonomia para dar o papo reto”.

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No papo reto, nada de termos cunhados à exaustão nos papos universitários sobre feminismo e vivência feminina, conta Thais. Ela mesma “penou” para entender os códigos e os termos, por isso a importância de decodificar o que está sendo dito ali para as crianças. No encontro que começa às 10h e dura, com sorte, até as 13h30, Thaís e as meninas conversam, falam sobre suas angústias, comem comidas saudáveis, trançam os cabelos e fazem outras ações que giram em torno do auto-cuidado.

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Não era fácil encontrar grupos que estivessem discutindo questões de ser mulher longe da zona sul.

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VALDA NOGUEIRA/ESPECIAL PARA O HUFFPOST BRASIL
Thaís sonha que “suas meninas” possam, futuramente, ser difusoras de tudo isso.

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“Eu quero que elas possam usar dessa vivência para tudo na vida delas, ter uma rede que elas podem ir lá e conversar sobre questões psicológicas, fazer uma terapia. Criar um projeto, lembrar dessas referências que elas conhecem agora”, afirma Thais.

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Nas referências, Thaís se preocupa em apresentar artistas e pessoas com quem as meninas possam aprender: “A arte é negada o tempo todo para a gente. Eu converso muito com elas sobre o que é ser artista, porque se a gente for decodificar esse termo de arte, a gente vê que respira arte na favela”, define ao HuffPost Brasil. E completa: “É a arte da palavra, do diálogo, do desenrolo. Na Vivência, a gente fala muito sobre essas questões de reconhecer essas pessoas do nosso lado como artistas”.

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Com acúmulo de referências, vivências e trocas de saberes, Thaís sonha que “suas meninas” possam, futuramente, ser difusoras de tudo isso. Por enquanto, ela constrói um ambiente para que elas se sintam à vontade para impor suas narrativas. “A importância agora é contar nossa história, porque já falaram muito por nós. Elas precisam contar a história delas”, finaliza.

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Ficha Técnica #TodoDiaDelas

Texto: Lola Ferreira

Imagem: Valda Nogueira

Edição: Andréa Martinelli

Figurino: C&A

Realização: RYOT Studio Brasil e CUBOCC

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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