HOME

Home

Evolução histórica dos direitos das mulheres no direito de família brasileiro

SAIU NO SITE JUS.COM:

 

Veja publicação original:  Evolução histórica dos direitos das mulheres no direito de família brasileiro

 

 

A família, uma das mais antigas instituições sociais, tem sofrido ao longo do tempo grandes transformações em sua estrutura, situação que se caracteriza pelas transformações e mudanças da sociedade como um todo.

A sociedade mudou, e em consequência disso o Direito também. Direitos antes considerados inadequados e mesmo inexistentes são agora acessíveis a todos os cidadãos, independente do gênero a que pertençam.

De acordo com Cabral (2008, p.15), “a organização familiar é produto da organização histórica do ser humano. Isso porque, devido à necessidade de reprodução da espécie eles acabaram encontrando diferentes formas de relação entre si”.

Durante todo processo histórico a sociedade vivenciou diferentes formas de organização doméstica, entre elas, encontra-se o patriarcado, o qual “centra-se na figura masculina” (CABRAL, 2008, p.16).

Destaca-se o pensamento de Simone de Beauvoir (1970, p.13) a qual comenta que a despeito das transformações que a sociedade vem passando, no que se refere a condição da mulher, “por mais longe que se remonte na história, sempre estiveram subordinadas ao homem: sua dependência não é consequência de um evento ou de uma evolução, ela não aconteceu”. De acordo com a autora isso ocorre em parte pela inexistência de uma identidade de grupo que as fizessem se reconhecer e lutarem por espaço.

Salvo em certos congressos que permanecem manifestações abstratas — não dizem “nós”. Os homens dizem “as mulheres” e elas usam essas palavras para se designarem a si mesmas: mas não se põem autenticamente como sujeito. Os proletários fizeram a revolução na Rússia, os negros no Haiti, os indo-chineses bateram-se na Indo-China: a ação das mulheres nunca passou de uma agitação simbólica; só ganharam o que os homens concordaram em lhes conceder; elas nada tomaram; elas receberam (Cf. Segunda Parte, § 5). Isso porque não têm os meios concretos de se reunir em uma unidade que se afirmaria em se opondo. Não têm passado, não têm história, nem religião própria; não têm, como os proletários, uma solidariedade de trabalho e interesses; não há sequer entre elas essa promiscuidade espacial que faz dos negros dos E.U.A., dos judeus dos guetos, dos operários de Saint-Denis ou das fábricas Renault uma comunidade (BEAUVOIR, 1970, p.13).

 

Beauvoir destaca que os laços os quais unem a mulher a seus opressores não são comparáveis a nenhum outro e ainda afirma ser biológica e não um momento pontual da história humana essa divisão de sexos:

[…] a mulher sempre foi, senão a escrava do homem ao menos sua vassala; os dois sexos nunca partilharam o mundo em igualdade de condições; e ainda hoje, embora sua condição esteja evoluindo, a mulher arca com um pesado handicap. Em quase nenhum país, seu estatuto legal é idêntico ao do homem e muitas vezes este último a prejudica consideravelmente. Mesmo quando os direitos lhe são abstratamente reconhecidos, um longo hábito impede que encontrem nos costumes sua expressão concreta (BEAUVOIR, 1970, p.14).

 

Não obstante a situação colocada, ressalta-se a questão econômica, que interfere de modo significativo no contexto. Beauvoir (1970, p.14), com efeito, afirma: “economicamente, homens e mulheres constituem como que duas castas; em igualdade de condições, os primeiros têm situações mais vantajosas, salários mais altos, maiores possibilidades de êxito que suas concorrentes recém-chegadas”. Assim, os homens possuem todas as vantagens:

Ocupam na indústria, na política etc., maior número de lugares e os postos mais importantes. Além dos poderes concretos que possuem, revestem-se de um prestígio cuja tradição a educação da criança mantém: o presente envolve o passado e no passado toda a história foi feita pelos homens. No momento em que as mulheres começam a tomar parte na elaboração do mundo, esse mundo é ainda um mundo que pertence aos homens (BEAUVOIR, 1970, p.15).

 

Nota-se que a mulher ocupa posição muito peculiar. Como se pode vislumbrar o sujeito mulher é desacreditado na sociedade para exercer algumas funções, e quando se questiona o porquê desse fato, são apresentadas explicações (hoje já superadas) de que sua biologia físico-psicológica não lhe permite realizar certas atividades. De acordo com esses argumentos, essas devem ser designadas aos homens, supostamente mais capazes.

Tendo em vista a condição feminina apontada por Beauvoir, em sua obra O Segundo Sexo, que explica todo esse processo de subordinação da mulher, de não reconhecimento como grupo ou sujeito, o objetivo da presente pesquisa é, a partir das concepções apontadas, destacar como se desenvolveu a legislação constitucional e infraconstitucional no que se refere aos direitos das mulheres no âmbito dos direitos de família, com vistas a lançar um olhar critico as condições impostas as mulheres, especificamente no que diz respeito ao Brasil.

A metodologia utilizado é a pesquisa bibliográfica de cunho exploratório com o levantamento de bibliografia sobre os temas e conceitos abordados, bem como a pesquisa documental, tendo em vista que o levantamento das legislações no que diz respeito a condição jurídica da mulher no Brasil  será condição essencial nesta pesquisa.

 

 

O Código Civil De 1916, Lei n° 3.071, de 1º de janeiro de 1916

 

O Código Civil de 1916 foi muito aguardado, e essa espera gerou muitas expectativas, principalmente das mulheres, que de certo modo esperavam grandes mudanças em sua situação civil. No entanto, no que tange à mulher não houve muitas mudanças significativas.

De acordo com Verucci (1999, p.35), o referido código teve muita influencia do “Estado e da Igreja, e consagrou a superioridade do homem, dando o comando único da família ao marido, e delegando a mulher casada a incapacidade jurídica relativa, equiparada aos índios, aos pródigos e aos menores de idade” (VERUCCI, 1999, p.35).

A família descrita no Código era organizada de forma hierárquica, tendo o homem como chefe e a mulher em situação de inferioridade legal. O texto de 1916 privilegiou o ramo paterno em detrimento do materno; exigiu a monogamia; aceitou a anulação do casamento em face à não-virgindade da mulher; afastou da herança a filha mulher de comportamento “desonesto”. O Código também não reconheceu os filhos nascidos fora do casamento (BARSTED, GARCEZ, 1999, p.17).

 

 

Com o marido na chefia da sociedade conjugal e na administração exclusiva dos bens do casal, coube a ele, ainda, o direito de fixar o domicílio da família e desconsiderar a vontade da mulher.  Sobre o domicílio, cabe mencionar Cabral (2008, p.40), segundo a qual se a “mulher dele se afastasse por qualquer motivo poderia ser acusada de abandono de lar, com a perda do direito a alimentos e à guarda dos filhos”.

 

Por esse Código, com o casamento, a mulher perdia sua capacidade civil plena, ou seja, não poderia mais praticar, sem consentimento do marido, inúmeros atos que praticaria sendo maior de idade e solteira. Deixava de ser civilmente capaz para se tornar, “relativamente incapaz”. Enfim, esse Código Civil regulava e legitimava a hierarquia de gênero e o lugar subalterno da mulher dentro do casamento civil. (BARSTED, GARCEZ, 1999, p.17).

 

Cabral (2008, p.41), comenta que “o Código Civil, na área de família acabou falhando, pois, reconheceu, apenas, uma única forma de constituição de família, outorgando juridicidade somente ao relacionamento decorrente do casamento”. A autora também destaca a ausência de um conceito que definisse família e casamento, além de mencionar que o Código Civil de 1916, apenas elencou requisitos para celebração, bem como e direitos e deveres dos cônjuges, e consequências patrimoniais decorrentes da dissolução conjugal.

De acordo com Cabral (2008, p.41) outro ponto que merece ser observado é que  o instituto do casamento continuava indissolúvel tal como dispunham os artigos do Código Civil de 1916, “que previam o regime da comunhão universal de bens e a indispensabilidade da adoção dos apelidos do marido pela mulher. Na realidade, a intenção era que se formasse uma só unidade patrimonial, onde o homem era essência da família”.

O Código Civil de 1916 trouxe ainda a obrigação à mulher de adotar o nome da família do marido, pois esta, na concepção da época, após o casamento passava a ser parte da família do marido, deixando, até mesmo, de integrar a sua própria família. Não podendo trabalhar sem a autorização marital. E no desquite litigioso o marido só estava obrigado a lhe prestar alimentos, se a mulher fosse inocente e pobre. E a mãe que contraísse novas núpcias perdia o direito ao pátrio poder sobre os filhos do leito anterior, passando este ao marido. E ainda, pelas dividas do marido respondiam os bens particulares da mulher (CABRAL, 2008, p.40-41).

 

 

A mulher casada, como se nota, sofria muitas limitações, enfrentava a ausência de muitos direitos e devia ter a autorização do marido para diversas situações, o que reitera a posição do referido código de inferiorizar e subordinar a mulher.

Assim, de acordo com Barsted e Garcez (1999, p.17), se casada, a mulher não poderia, sem prévia autorização do seu marido “aceitar ou repudiar herança; aceitar tutela, curatela ou outro múnus público; litigar (demandar) em juízo civil ou criminal e exercer profissão”. Vale destacar: na Justiça do Trabalho ela necessitava da assistência do marido para reivindicar direitos trabalhistas. Note-se que

 

A posição de inferioridade da mulher decorria das próprias características da família, pois era mister a mantença da autoridade do varão com a finalidade de preservação da unidade familiar. Só em 1932 é que adquiriu a mulher o direito à cidadania, quando foi admitida a votar, e somente em 1962, por meio do chamado Estatuto da Mulher Casada, teve implementada sua plena capacidade. (DIAS, 2001, p.157-164)

 

 

Desse modo, com a promulgação da Constituição Federal de 1988 e a declaração de que “homens e mulheres têm os mesmos direitos na Constância da sociedade conjugal”, Barsted e Garcez (1999, p.17) comentam que foi o suficiente “revogar praticamente todo o capítulo sobre família do Código Civil Brasileiro, (…) eliminar séculos de subordinação legal da mulher dentro da família”.

 

Estatuto da Mulher Casada, Lei Nº 4.121, De 27 De Agosto De 1962

 

No ano de 1949, Romy Medeiros, advogada, propôs ao IAB (Instituto dos Advogados do Brasil) indicar ao Congresso Nacional um projeto de lei, cuja principal proposta era a revogação da incapacidade relativa da mulher casada.

Assim, Cabral (2008, p.42) menciona que o IAB acabou por aceitar a indicação, a qual resultou na criação de “uma comissão especial para estudar a questão proposta, e deste estudo foi elaborado um anteprojeto que modificava completamente a condição da mulher casada, eliminando, inclusive, o conceito de chefia da sociedade conjugal, que era concedido exclusivamente ao marido”.

O mencionado projeto tramitou por mais de dez anos e sofreu tantas emendas que acabou por ficar muito diferente do original. “O Estatuto foi promulgado somente em 27 de agosto de 1962, sob o número de Lei n. 4.121, o resultado não deixou de ser um avanço, mas foi decepcionante, pois as mulheres da época aguardavam muito mais” (CABRAL, 2008, p.44).

Há de se dizer que foi o Estatuto da Mulher Casada, que pela primeira vez   proporcionou mudanças mais significativas “para a condição jurídica da mulher, aproximando-a, praticamente, da equiparação: as mulheres casadas, na subsistência da sociedade conjugal deixam de ser incapazes, relativamente a certo atos, ou à maneira de os exercer” (AZEVEDO, 2001, p. 69-70).

Sturmër (2002, p. 105), comenta que “o Estatuto da Mulher Casada, afastando a imagem do autoritarismo marital, deu capacidade plena para a mulher casada e eliminou parte das desigualdades impostas pelo Código Civil Brasileiro”.

Dentre os avanços obtidos com o Estatuto da Mulher Casada encontra-se o expresso no inciso I, Art.233 do Código Civil de 1916 que com a nova redação ficou da seguinte forma: “III – o direito de fixar o domicílio da família ressalvada a possibilidade de recorrer a mulher ao Juiz, no caso de deliberação que a prejudique”.

Necessário ressaltar ainda a alteração dos artigos 380 e 393 do Código Civil de 1916, que após a promulgação do Estatuto da Mulher Casada ficaram da seguinte forma:

Art. 380. Durante o casamento compete o pátrio poder aos pais, exercendo-o o marido com a colaboração da mulher. Na falta ou impedimento de um dos progenitores, passará o outro a exercê-lo com exclusividade. Parágrafo único. Divergindo os progenitores quanto ao exercício do pátrio poder, prevalecerá a decisão do pai, ressalvado à mãe o direito de recorrer ao juiz, para solução da divergência”. Art. 393. A mãe que contrai novas núpcias não perde, quanto aos filhos de leito anterior, os direitos ao pátrio poder, exercendo-os sem qualquer interferência do marido.

 

 

Alterado o Art. 246 do Código de 1916, o exercício do trabalho da mulher foi desvinculado da autorização marital. Seguindo com as mudanças, com a alteração do Art.326, a mulher adquiriu o direito de ficar com a guarda dos filhos menores, salvo em casos expressos. Cabem apontamentos de Azevedo (2001, p.70):

O estatuto conferiu à mulher que exercesse profissão lucrativa, distinta do marido, o direito de praticar todos os atos inerentes ao seu exercício e sua defesa; dispôs, a seguir, sobre o produto do trabalho assim auferido, resguardando-lhes os bens dessa forma adquiridos, podendo deles livremente se desfazer, obedecidas apenas as exceções previstas na legislação pertinente; como resguardada ficava das dívidas do marido, a não ser que estas houvessem sido contraídas em beneficio da família, Art. 246 e parágrafo único.

 

Ademais, outras mudanças realizadas pelo Estatuto da Mulher Casada ampliaram o direito da mulher em constituir bens reservados. Todas essas mudanças foram significativas para a mulher, que aos poucos se estabeleceu na vida privada e, sobretudo na pública.

 

Lei do Divórcio, Lei nº 6.515, de 26 de Dezembro De 1977

 

No que se refere à Lei do Divórcio, é importante destacar a Emenda Constitucional n°. 9, de 28 de junho de 1977, que conferiu nova redação ao § 1º do artigo 175 da Constituição Federal de 1967.

De acordo com Cabral (2008, p.47), a emenda mencionada “é a matriz do estatuto do divórcio no país”, isso porque a partir dela passou-se a discutir o tema no Congresso Nacional, o que deu origem à Lei n°. 6.515, de 26 de dezembro de 1977, a Lei do Divórcio.

A referida lei regulou os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, além de “inúmeras outras modificações importantes no Direito de Família vieram no bojo dessa lei, significando um passo importante na modernização do Direito de Família. Porém, a condição de subalternidade da mulher continuou latente” (CABRAL, 2008, p. 47).

Entre as mudanças trazidas pela lei, merece relevo o fato de que a partir dela a mulher não foi mais obrigada a permanecer com o sobrenome do marido após o divórcio; todavia, se fosse a vontade da mulher, essa poderia continuar com o sobrenome do marido, conforme consta do Art. 17 da Lei n° 6.515 de 26 de Dezembro de 1977:

Art 17 – Vencida na ação de separação judicial (Art. 5º “caput”), voltará a mulher a usar o nome de solteira. § 1º – Aplica-se, ainda, o disposto neste artigo, quando é da mulher a iniciativa da separação judicial com fundamento nos §§ 1º e 2º do Art. 5º. § 2º – Nos demais casos, caberá à mulher a opção pela conservação do nome de casada. Art 18 – Vencedora na ação de separação judicial (Art. 5º “caput”), poderá a mulher renunciar, a qualquer momento, o direito de usar o nome do marido.

 

Tapedino (2001, p.45), sobre a condição da mulher à época, comenta que “às mulheres não se reconhecia espaço mais amplo que o da casa; o alcance de suas vozes, portanto, acabava se restringindo à esfera do privado, seja por meio da correspondência epistolar, seja mantendo diários que retratavam seu árido cotidiano”.

O comentário do autor é oportuno no sentido de contrastar as realidades e destacar as mudanças nessa condição da mulher na sociedade, pois embora tenha sido de forma lenta, muito se transformou com o passar do tempo, inclusive, e, sobretudo, com a promulgação da Constituição Federal de 1988.

 

Constituição Federal de 1988

 

A Constituição Federal de 1988 é um dos maiores marcos de mudança na condição jurídica da mulher, principalmente por ter estabelecido a igualdade jurídica de homens e mulheres. Assim, comenta Cabral (2008, p.51), que a Constituição de 1988:

 

Foi um “divisor de águas” no Direito de Família, pois igualou as disparidades existentes até sua entrada em vigor, ampliando o reconhecimento de novas formas de família, acolhendo as grandes transformações sociais e econômicas do país e acatando as reivindicações dos movimentos feministas que a anos trabalhavam para a modernização e democratização da legislação que mantinha até então a mulher em situação de subalternidade e dependência.

 

Dentre as principais mudanças, merece evidência o reconhecimento da união estável, inclusive como entidade familiar. Assim dispõe o Art. 226, § 3º Constituição Federal: “Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”.

Nesse sentido, a respeito do reconhecimento da união estável como forma de constituir família, Cabral (2008, p.52) comenta que “emprestando juridicidade ao relacionamento existente fora do casamento, deixou de ser o casamento o marco a identificar a existência de uma família e o único sinalizador do estado civil das pessoas”.

No tocante à autonomia da mulher, cumpre dizer que a Constituição Federal de 1988 foi determinante nesse processo, cuja consequência foi o “esvaziamento do poder marital, a capacidade plena da esposa, e a troca da comunhão universal pela parcial como regime legal de bens no casamento” (CABRAL, 2008, p.53).

Todas essas mudanças são decorrentes do princípio da igualdade, uma das principais marcas da Constituição Federal de 1988, e nesse sentido, Piovesan (2011, p.78), pontua:

 

Pela primeira vez na história constitucional brasileira, consagra-se a igualdade entre homens e mulheres, como um direito fundamental, nos termos do artigo 5o, inciso I do texto. O princípio da igualdade entre os gêneros é endossado no âmbito da família, quando o texto estabelece que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelos homens e pelas mulheres, em conformidade com o artigo 226, parágrafo 5o. A Carta de 1988 ainda reconhece a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, de acordo com o parágrafo 3o do mesmo dispositivo constitucional. Acrescenta ainda que os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação (artigo 227, parágrafo 6o).

 

 

Necessário se faz enfatizar o Art. 5°, inciso I, de acordo com o qual “homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição”. Estabelece-se assim, o princípio da igualdade, que altera profundamente a condição da mulher e estabelece a igualdade conjugal.

Interessante realçar o Art. 226 § 5º, segundo o qual “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Por esse artigo fica evidente não mais haver a subordinação feminina  ao homem, o que representou uma grande conquista.

Assim, Cabral (2008, p.58), ressalta que “na nossa Constituição Federal de 1988, podemos encontrar vários textos que estabelecem normas programáticas que visam nivelar e diminuir as desigualdades reinantes tais como as que se referem ao universo feminino”.

Nota-se não se tratar de “um confronto entre marido e mulher, pois não se trata somente de igualdade no lar e na família, é uma igualdade de raça, cor, credo e muito mais, é o banimento dos atos discriminatórios contra todos seres humanos” (CABRAL, 2008, p.59).

Pitanguy e Barsted (2011, p.17) comentam, que a Constituição Federal de 1988:

 

Ampliou os direitos individuais e sociais e consolidou a cidadania das mulheres no espaço público e na vida familiar, assegurou os direitos das mulheres nos campos da saúde, incluindo a saúde sexual e reprodutiva; da segurança; da educação; da titularidade da terra e do acesso à moradia; do trabalho, renda e da Previdência Social e do acesso aos direitos civis e políticos. Outro marco importante refere-se ao avanço da legislação e da doutrina internacional de proteção aos direitos humanos das mulheres.

 

Evidencie-se ainda o Art. 7°, XXX da Constituição Federal de 1988, que foi regulamentado pela Lei 9.029, de 13 de abril de 1995, e trata da “proibição da discriminação no mercado de trabalho, por motivo de sexo ou estado civil. (…) proíbe a exigência de atestados de gravidez e esterilização e outras práticas discriminatórias para efeitos admissionais ou de permanência da relação jurídica de trabalho” (PIOVESAN, 2011, p.61).

Nesse sentido, menciona-se o Art. 226, § 8° da CF/88, cuja relevância é incontestável: “Art. 226 – A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. § 8º – O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”.

Vale dizer que “as legislações têm avançado com o objetivo de valorizar e resguardar a mulher, seja nas áreas do direito do trabalho, da família, previdenciário, dentre outras” (CABRAL, 2008, p.63).

Diante do exposto, verifica-se a importância da Constituição Federal de 1988, como marco jurídico da igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres, que por muito tempo pareceu tão distante, se considerarmos a sociedade à época.  A partir dessa Constituição Federal, outras legislações foram incorporando seus princípios, tornando o direito das mulheres cada vez mais palpáveis e efetivos.

 

O Código Civil de 2002, Lei Nº 10.406, de 10 de Janeiro de 2002

 

O anteprojeto do Novo Código Civil “datado de 1972 foi submetido ao exame do público em geral em 19 de março de 1973, e após o mesmo foi revisto por sua comissão elaboradora, que era supervisionada pelo Professor Miguel Reale” (CABRAL, 2008, p.87). Apenas dois anos mais tarde em 1975, foi convertido no Projeto de Lei n°. 634/75.

Cabral, (2008, p.87) comenta que apenas em “dezembro de 1997, com mais de 500 (quinhentas) emendas, o projeto do Novo Código Civil voltou à Câmara para nova apreciação” e posteriormente, em 15 de agosto de 2001, foi aprovado pela Câmara dos Deputados, numa votação simbólica.

 

O texto do projeto aprovado voltou à Comissão Especial para revisão definitiva, tendo sido sua Redação Final entregue aos Deputados, com 2.046 artigos, em 13 de novembro de 2001, e aprovado por votação simbólica no Plenário da Câmara, no mesmo mês, tendo seguido no início do mês de dezembro para a sanção do Presidente da República, que na data histórica de 10 de janeiro de 2002 promulgou o Novo Código Civil brasileiro, pela Lei n°.10.406, com prazo de vacatio legis de um ano, entrando em vigor em 11 de janeiro de 2003 (CABRAL, 2008, p.87-88).

 

 

A respeito do Código Civil de 2002, Piovesan (2011, p.80), comenta que ele “veio romper com o legado discriminatório em relação à mulher previsto no Código Civil de 1916, que legalizava a hierarquia de gênero e mitigava os direitos civis das mulheres”.

Piovesan (2011, p.80) menciona que “a Lei 10.406, de 10 de janeiro de 2002, entrou em vigor em 11 de janeiro de 2003, quando então a legislação infraconstitucional civil brasileira passou a adequar-se aos parâmetros constitucionais e internacionais concernentes à equidade de gênero”.

Nesse sentido, no que se refere às mudanças trazidas pelo Código Civil de 2002, Cabral, (2008, p.90-91) esclarece o legislador “substitui a palavra “homem” por “pessoa”, e assim, sucessivamente, em todo o Código, para que se retire definitivamente deste, toda e qualquer desigualdade nas relações jurídicas, seguindo o princípio da isonomia declarado pela Carta Magna de 1988”.

Assim, Diniz (2007, p.04), pontua que “no Código de 2002 liga-se à pessoa  a ideia de personalidade, exprimindo aptidões genéricas para adquirir direitos e contrair obrigações”.

 

Portanto, no início do Novo Código, percebemos suas intenções quando já na ortografia ele deixa de colocar a mulher como uma “sombra” do homem, ou seja, quando se falava a palavra “homem”, para se referir a todas as pessoas humanas, as mulheres tinham que se incluir na masculinidade que esta palavra determina. Antigamente, o “homem” estava colocado como o representante da população brasileira, não necessitando, com isto, que a “mulher” fosse citada diretamente (CABRAL, 2008, p.91).

 

 

A igualdade entre os cônjuges vem expressa no Art. 226, §5° da Constituição Federal, de acordo com o qual “os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher”. Note-se que “essa igualdade, como foi visto em todo o processo histórico das lutas femininas, não existia no Código Civil de 1916, que discriminava acentuadamente a mulher, chegando ao ponto de classificá-la como relativamente incapaz a certos atos e a maneira de exercê-los” (CABRAL, 2008, p.93).

Dentre outras providências, o Código Civil de 2002 traz expresso em seu Art. 1.517, a mesma idade núbil de dezesseis anos para homens e mulheres, assim, “o homem e a mulher com dezesseis anos podem casar, exigindo-se autorização de ambos os pais, ou de seus representantes legais, enquanto não atingida a maioridade civil”.

Valioso ressaltar ainda a questão do nome após o casamento. De acordo com o Art. 1.565, § 1o ”qualquer dos nubentes, querendo, poderá acrescer ao seu o sobrenome do outro”. Há ainda a possibilidade de os nubentes continuarem com o nome de solteiro. Esse dispositivo é mais um exemplo da aplicação do princípio da isonomia consagrado na Constituição Federal de 1988.

A respeito da direção da sociedade conjugal, Cabral (2008, p.106), destaca que essa pertence de forma igual “a ambos os cônjuges, pois, lhes foi conferido conjuntamente o exercício da direção da sociedade conjugal, não colocando qualquer dos cônjuges em posição inferior, preocupando-se somente em harmonizar os interesses comuns da família”.

O Art. 1.567 traz expresso que “a direção da sociedade conjugal será exercida, em colaboração, pelo marido e pela mulher, sempre no interesse do casal e dos filhos. Parágrafo único. Havendo divergência, qualquer dos cônjuges poderá recorrer ao juiz, que decidirá tendo em consideração àqueles interesses”.

Note-se que “o dever de sustento cabe a ambos os cônjuges, que serão obrigados a contribuir para as despesas feitas no interesse do casal e dos filhos na proporção dos recursos e rendimentos de cada um” (Cabral, 2008, p.110).

Nos termos do Art. 1.569 “o domicílio do casal será escolhido por ambos os cônjuges, mas um e outro podem ausentar-se do domicílio conjugal para atender a encargos públicos, ao exercício de sua profissão, ou a interesses particulares relevantes”.

 

O Código Civil de 2002 atende aos princípios constitucionais da plena igualdade entre homens e mulheres e da proteção à criança e ao adolescente, excluindo a prevalência da mãe na atribuição da guarda dos filhos, bem como, eliminou o regime de perda de guarda por culpa na separação judicial, valorizando, sobretudo, as relações de afinidade e afetividade para sua fixação, de modo que preserve a dignidade dos filhos (CABRAL, 2008, p.118).

 

 

Outra mudança importante é o fato de o Código Civil de 2002 adotar a expressão “poder familiar” em lugar de “pátrio poder” e determinar que seja exercido pela mãe e pelo pai. “Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores”.

Nesse sentido, Cabral (2008, p.125), menciona que “não há mais a prevalência do pai sobre a prole, ficando igualado o direito aos cônjuges de administrarem a vida dos filhos menores”.

No que se refere à prestação de alimentos o Código menciona em seu Art. 1.703 que “para a manutenção dos filhos, os cônjuges separados judicialmente contribuirão na proporção de seus recursos”.

O Código ainda prevê a possibilidade de o cônjuge requerer alimentos do outro, nos termos dos artigos do Código Civil de 2002:

 

 Art. 1.694. Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. Art. 1.702. Na separação judicial litigiosa, sendo um dos cônjuges inocente e desprovido de recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar, obedecidos os critérios estabelecidos no Art. 1.694. Art. 1.704. Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos, será o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sido declarado culpado na ação de separação judicial. Parágrafo único. Se o cônjuge declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.

 

Nota-se uma total incorporação do princípio da isonomia exaltado na Constituição Federal de 1988, onde ambos os sexos são colocados como iguais.  É, portanto, uma mudança muito importante no que diz respeito a condição feminina brasileira inclusive uma grande marco para os movimentos de mulheres.

 

Considerações Finais

 

A título de conclusão cabe destacar que os conjuntos de legislações aqui apontadas foram de grande relevância para que se construísse uma igualdade formal entre homens e mulheres, ao menos no que diz respeito a sua situação jurídica.  Com essas legislações, pode-se dizer que a mulher passou a ter igualdade em relação ao homem dentro da família, na qual a chefia passou a ser dividida de forma igualitária.

Assim, é importante destacar que a condição jurídica da mulher muito se transformou no Brasil desde o Código Civil de 1916, com as legislações vigentes  há um reconhecimento da mulher como sujeito de direitos, e o mais importante, e sua equiparação ao homem no que diz respeito a direitos e deveres no ordenamento jurídico brasileiro.

 

 

Referências

AZEVEDO, Luiz Carlos de. Estudo histórico sobre a condição jurídica da mulher no direito luso-brasileiro desde os anos mil até o terceiro milênio. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais; Osasco, SP: Centro Universitário FIEO – UNIFIEO, 2001.

 

BANDEIRA, Lourdes. Três décadas de resistência feminista contra o sexismo e a violência feminina no brasil: 1976 a 2006. In. Sociedade e Estado, Brasília, v.2, p.401-438, maio/ago. 2009.

 

BARSTED, Leila Linhares. Os direitos humanos na perspectiva de gênero.  I Colóquio de Direitos Humanos. São Paulo, Brasil, 2001.

 

BARSTED, Leila L.; GARCEZ, Elizabeth. A legislação civil sobre família no Brasil. In: BARSTED, Leila L. As mulheres e os direitos civis. Rio de Janeiro: Cepia, 1999.

 

BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo: fatos e mitos. 4. ed. São Paulo: Difusão Européia do Livro, 1970. v. 1.

 

BRASIL. Lei n. 3.071, de 10 de janeiro de 1916. Código Civil.

 

BRASIL. Lei n. 4.121 – De 27 de agosto de 1962. Estatuto da Mulher Casada.

 

BRASIL. Lei nº 6.515, de 26 de dezembro de 1977. Lei do Divorcio.

 

BRASIL. Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher. 1979. Adotada pela Resolução 34/180 da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 18.12.1979 – ratificada pelo Brasil em 01 de fev. de 1984.

 

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Promulgada em 05 de outubro de 1988.

 

BRASIL. Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Código Civil.

 

CABRAL, Melissa Karina. Manual de direitos da mulher. 1ª. ed. Leme – SP: Mundi Editora e Distribuidora Ltda – ME, 2008. v. 01.

 

DANTAS, B. M. e MELLO, R. P. “Posicionamentos críticos e éticos sobre a violência contra as mulheres”. Psicol. Soc. 2008,vol.20, n.spe, pp. 78-86. Disponível em: < http://www.scielo.br/pdf/psoc/v20nspe/v20nspea11.pdf>

 

DIAS, Maria Berenice. Lei Maria da Penha na justiça: a efetividade da Lei 11.340/2006 de combate a violência doméstica e familiar contra a mulher. 3 ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2012.

 

DIAS, Maria Berenice. A mulher e o direito, Janeiro de 2014. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/uploads/23_-_a_mulher_e_o_direito.pdf > Acesso em: 13 Jan. 2014.

 

DIAS, Maria Berenice. Aspectos jurídicos do gênero feminino. In. Construções e perspectivas  em gênero. São Leopoldo: Unisinos, 2001.

 

DINIZ, Maria Helena. Código Civil anotado. São Paulo: Saraiva, 2007.

 

DIREITO DAS MULHERES. São Paulo: Editora Melhoramentos, 2011.

 

FROTA, Maria Helena de Paula. Igualdade/Diferença: o paradoxo da cidadania feminina segundo Joan Scott. In: O público e o privado – n°19 – Janeiro/Junho – 2012

 

LAURETIS, T. A tecnologia do gênero. In: HOLLANDA, B.H. Tendências e impasses: o feminismo como crítica da cultura. Rio de Janeiro: Rocco, 1994.

 

OLIVEIRA, Rosiska Darcy de. As mulheres, os direitos humanos e a democracia. Textos do Brasil: Cinquenta anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Brasília: Ministério das Relações Exteriores, Maio/Agosto 1998 Ano II – n. 6

 

PIOVESAN, Flavia. Direitos civis políticos: a conquista da cidadania feminina. In: O progresso das mulheres no Brasil. Brasília, 2006.

 

PIOVESAN, Flavia. Direitos humanos, civis e políticos: a conquista da cidadania feminina. In: O Progresso das Mulheres no Brasil 2003–2010 / Organização: Leila Linhares Barsted, Jacqueline Pitanguy – Rio de Janeiro: CEPIA ; Brasília: ONU Mulheres, 2011.

 

PITANGUY, Jacqueline; BARSTED, Leila Linhares. Um instrumento de conhecimento e de atuação política. In: O progresso das mulheres no brasil 2003–2010 / Organização: Leila Linhares Barsted, Jacqueline Pitanguy – Rio de Janeiro: CEPIA ; Brasília: ONU Mulheres, 2011.

 

POUGY, Lilia Guimarães. Desafios políticos em tempos de Lei Maria da Penha. Rev. Katàl. Florianópolis v.13 n. 1 p. 76-85 jan./jun. 2010

 

SILVEIRA. Rosa Maria Godoy. Diversidade de gênero – mulheres. Acesso em: <http://www.dhnet.org.br/dados/cursos/edh/redh/03/03_rosa1_diversidade_genero.pdf> Acesso em: 01. Out. 2014.

 

STAMATTO, M. I. S. Um olhar na história: a mulher na escola (Brasil:1549-1910). In: História e Memória da educação Brasileira, 2002, Natal. II Congresso Brasileiro de História da Educação, 2002.

 

STURMER, Amélia Baldoino. A incidência do princípio da igualdade nas relações conjugais com o advento da Constituição Federal de 1988. In: Pessoa, gênero e família: uma visão integrada do direito. CASTRO, Adriana Mendes Oliveira de. [et al.]. Porto Alegre, Livraria do Advogado, 2002.

 

TEPEDINO, G. As famílias não fundadas no casamento e a condição feminina. In: revista trimestral de direito civil, vol.08, outubro/dezembro/2001.

 

VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito de família. 10. ed. São Paulo: Atlas, 2010. V. 6.

 

VERUCCI, F. A Mulher no direito de família brasileiro – Uma história que não acabou. In: Nova Realidade do Direito de Família. Rio de Janeiro: COAD/SC. Editora Jurídica, 1999.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Compartilhe

Compartilhar no facebook
Facebook
Compartilhar no twitter
Twitter
Compartilhar no linkedin
LinkedIn

HOME