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Documentário no YouTube discute a masculinidade

Saiu no site REVISTA ENCONTRO

 

Veja publicação original:  Documentário no YouTube discute a masculinidade

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Um dos autores, o jornalista mineiro Ismael dos Anjos diz que ‘o homem nunca vai deixar de ser machista por completo’

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Por Marina Dias

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Hoje, 83% das mortes por homicídio acidentes têm homens como vítimas no país. Eles também representam 95% da população carceráriaVivem 7 anos a menos que as mulheres. Suicidam-se quatro vezes mais. Contudo, poucos se sentem à vontade para compartilhar suas questões e se abrir. Mais especificamente, segundo o projeto O Silêncio dos Homens, um em cada 10 buscam ajuda profissional, apesar de seis em cada 10 admitirem sofrer algum sintoma relacionado à saúde mental.

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Foram mais de 43 mil pessoas entrevistadas no estudo realizado pelo grupo Papo de Homem, que culminou em um documentário disponível no YouTube e que contava, até o fechamento desta edição, com 550 mil visualizações. Nele, especialistas e não especialistas falam sobre o que significa “ser homem”. Para muitos, ainda quer dizer não chorar, não sofrer, ser bem sucedido (sete em cada 10 responderam, por exemplo, que foram ensinados a não demonstrar fragilidade).

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Em um mundo em que as mulheres têm se organizado cada vez mais em prol da igualdade, essa noção de “masculinidade” inevitavelmente entra em crise, e lidar com essa crise é preciso. “Não tem como mudar só 50% da sociedade e esperar que tudo melhore. É necessário implicar os homens”, explica o coordenador do projeto, o jornalista mineiro Ismael dos Anjos, que trabalha com a questão das masculinidades em rodas de conversa e pesquisas há sete anos. Confira a entrevista que ele deu a Encontro.

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1) ENCONTRO – Por que há uma crise da masculinidade?

ISMAEL DOS ANJOS – As mulheres se organizaram, há mais de 100 anos, e vêm lutando por direitos necessários e urgentes. É natural, após o avanço por causa da luta das mulheres, que elas cheguem a entraves por causa dos homens, por eles ocuparem os lugares que ocupam. Porque não tem como mudar só 50% da sociedade e esperar que tudo melhore. Para mudar isso, é necessário implicar os homens. A crise das masculinidades tem muito a ver com o papel do homem não ser o mesmo de há 20, 30, 50 anos. O homem que eu fui criado para ser não tem mais lugar social, hoje. Fatalmente, preciso entender que muitas coisas não são mais aceitas socialmente. A crise leva a repensar.

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2 | Em que situações os homens passam por essa necessidade de repensar seu papel social?

Alguns estudos mostram que os grandes momentos de mudança são relacionados a crises, negativas ou positivas. Pode ser por causa da paternidade, falha profissional, término. Ao se confrontar com uma realidade diferente, ele precisa se adequar. E, ao contrário das mulheres, que estão organizadas há muito tempo, os homens passam por essas crises sozinhos. Sentem medo de compartilhar e perder a “carteirinha de homem”, de serem tachados de “mulherzinha”.

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3 | E quando passam por isso, o que podem fazer?

Quando passam por isso, precisam parar, pensar, encontrar referências saudáveis do que é ser homem. Mas, é importante ressaltar que não tem uma linha de chegada da desconstrução., em que as coisas estarão resolvidas. O homem nunca vai deixar de ser machista por completo.

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4 | Qual referência de masculinidade padrão as pessoas têm?

Os pontos mais centrais são a heterossexualidade compulsória (não à toa os primeiros xingamentos são ameaçando isso), força física, ter de “aguentar o tranco”, ser bem sucedido. E não tem como ser tudo isso 100% da vida. Quase todos esses conceitos derivam de exercícios de poder. Não à toa, se homens não têm poder, não sabem lidar com isso, o que gera perda de identidade – “se ser homem é isso e eu não sou isso, o que eu sou?”.

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5 | É um dos motivos pelos quais homens são mais violentos?

Sim. É uma forma de sentir esse poder, de se agarrar a essa suposta identidade. Tanto que quem estuda violência contra as mulheres fala que o homem usa violência como linguagem. Os grupos reflexivos são uma obrigatoriedade dentro da Lei Maria da Penha, pois se entende que não adianta apenas prender um homem que cometeu violência contra a mulher, pois ele vai continuar sem saber lidar de outra forma. Frequentar esses grupos é parte da pena. No documentário, a promotora Gabriela Manssur fala que no Tempo de Despertar, projeto dela que virou lei em São Paulo em 2018, o índice de reincidência caiu de 65% para 2%.

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6 | O que esses grupos proporcionam aos homens?

É uma forma de compartilharem experiências. Eles aprendem a ter noções básicas de humanidade, a identificar sentimentos. Pesquisas mostram que o principal sentimento aceitável e autorizado para homens é raiva. Tudo bem sentir raiva, mas algumas raivas são medo, tristeza, frustração. Imagine alguém que, para tudo o que acontece na vida, a primeira reação é ter raiva?

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7 | A escola é o principal lugar para essa discussão?

Sim, junto com a família. No caso da família, depende dos valores de cada uma. A escola tem o papel formador como política pública. Um exemplo: os meninos não são ensinados a cuidar; já as meninas são compulsoriamente ensinadas – brincam de casinha, de mamãe e filhinha, ouvem sempre  “vamos trocar a roupa, que ela está suja”, “você recolheu os brinquedos?”. Se os meninos não forem ensinados, 20 anos depois, quando não souberem cuidar de si, do outro, do ambiente, fica mais duro entender que há outras formas de existir, e que aquela forma como foi criado não é mais bem-vinda.

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8 | Na pesquisa, vemos que homens não têm espaço de abertura no grupo de amigos, mas também não procuram ajuda profissional…

De jeito nenhum. Pedir ajuda não é “coisa de homem”. Na nossa pesquisa, identificamos que seis em cada 10 homens disseram sofrer algum sintoma relacionado à saúde mental: insônia, depressão, vício em pornografia. E só um em cada 10 já foi ao psicólogo alguma vez. Ou seja, pedir ajuda não é uma opção. É coisa de quem é vulnerável, de quem não é forte o tempo todo. Se você pedir ajuda, vai ser menos do que o homem que você acha que tem de ser. Como você vai se virar com isso?

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9 | Pode-se dizer que a referência do que é sexo, para os homens, vem da pornografia?

Sim, isso é um problema social grave. Começa a rolar no grupo de amigos quem já viu, quem já fez. Tem uma competição no grupo e isso vai acontecendo cada vez mais cedo, e de forma mais grave. Afinal, uma cena de sexo que você viu aos 9 anos, aos 15 não vai ter o mesmo efeito. Você vai precisar de algo mais pesado e extremo. Normalmente, como tem esse silêncio, meninos não conversam com o pai nem com ninguém sobre sexualidade. E, mesmo que os pais acreditem que não é papel da escola, mas da família ensinar educação sexual, será que a família sabe que alguém de 8, 9 anos está olhando vídeo pornográfico?

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10 | Por que você fala de masculinidades, no plural?

Quando fui convidado a participar do projeto, disse que teríamos de falar de masculinidades negras. Não dá para falar de uma masculinidade hegemônica, branca, porque não é o que eu vivo, o que experimentei. E isso acontece também com homens LGBT. Todos os homens que fazem parte de populações minorizadas são criados à luz dessa construção clássica do que é ser homem. Por isso gosto de falar de masculinidades, no plural. Pois o primeiro passo é romper com “o homem” como uma figura única e universal, porque não é.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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