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Como aula de maquiagem muda autoestima de mulheres cegas e com baixa visão

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Veja publicação original: Como aula de maquiagem muda autoestima de mulheres cegas e com baixa visão

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Por Bárbara Forte

 

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Pâmera Nátali Rozembrá, 18, teve o primeiro contato com a maquiagem aos cinco anos. Ela sentia as cerdas do pincel e o lápis em seu rosto enquanto a mãe fazia as tradicionais marquinhas vermelhas com pintinhas da típica fantasia para a festa junina. A lembrança da jovem fez com que ela, anos depois, ficasse encantada com a oportunidade de participar de um projeto que ensina automaquiagem a mulheres cegas ou com baixa visão em São Paulo.

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“Eu lembro que eu tinha medo do que o meu pai iria pensar, mas era superengraçado. Eu falava para minha mãe: ‘O papai vai ficar bravo’. E ele olhava para mim e dava risada. Ele dizia: ‘Você está linda’. Isso ficou muito marcado na minha infância”, diz a estudante.

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Pâmera nasceu com deficiência visual e é uma das 15 participantes da 7ª edição do Muito Além da Beleza, projeto em parceria entre a Laramara (Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual), a rede de salões Jacques Janine e a Tacla Consultoria de Comunicação. A ação consiste em um curso de cinco aulas em que as alunas aprendem a fazer maquiagem em si mesmas – há todo o passo a passo do cuidado com a pele, os detalhes dos olhos e da boca.

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Segundo Cecília Maria Oka, coordenadora do Programa de Jovens e Adultos da Laramara, o projeto surgiu da necessidade que a instituição tinha, em 2016, de levar instrumentos de autonomia à questão da apresentação pessoal: “Era uma demanda das mulheres com deficiência, aí surgiu a oportunidade de parceria. Fizemos um piloto, deu certo, e seguimos em frente com duas edições do curso ao ano. Hoje tem fila de espera”.

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Evelson de Freitas/BOL
Mulheres cegas ou com baixa visão participam da aula na sede da LaramaraImagem: Evelson de Freitas/BOL

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De acordo com ela, as inscrições acontecem na própria sede da Laramara, na zona oeste de São Paulo, onde também é realizado o curso. “A interessada faz um pré-cadastro e aguarda ser chamada. As aulas são gratuitas”, explica.

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Na prática

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Evelson de Freitas/BOL
Chloé Gaya diz que os relatos das alunas estimulam o trabalhoImagem: Evelson de Freitas/BOL

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Chloé Gaya, diretora artística de maquiagem da rede Jacques Janine e uma das professoras do curso, conversa com as alunas, explica os conceitos básicos da aula e vai explicando cada ponto de aprendizado. Outras maquiadoras acompanham, de perto, as alunas na parte prática – são duas estudantes para cada profissional.

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As mulheres que ingressaram no projeto recebem um kit com todos os produtos – base, pó, sombra, lápis, máscara de cílios, batom e até cílios postiços. Para as que têm baixa visão, o nome de cada produto é escrito em letra aumentada. Elas também usam um espelho com lente de aumento para se maquiar. Já as mulheres cegas têm inscrição em braile em cada um dos itens do kit.

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“Nós vamos conversando, descrevendo detalhadamente cada passo, para ajudá-las a memorizar as etapas. Também ouvimos elas mesmas, que sempre têm alguma dica de aprimoramento do curso”, diz Chloé.

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Na primeira aula, elas entram em contato com seus rostos, vão se conhecendo melhor, entendendo a textura de suas peles. Na última, elas passam por uma pequena prova pessoal: se maquiam sozinhas e acompanham sua evolução ao longo do curso.

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Durante as cinco semanas, a aula acontece às quartas-feiras, com duas horas de duração. O aprendizado, segundo Cecília Maria Oka, não é apenas prático:

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Não se trata apenas da questão estética, mas do bem-estar que proporciona, além da autonomia que elas ganham”

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“Muitas mulheres falavam que não tinham olhos bonitos e, após aprenderem a se maquiar, sentiram-se mais fortes para não usar óculos escuros a todo momento”, conta Cecília. Chloé Gaya afirma que os relatos das alunas estimulam o trabalho e provocam mudanças também nas profissionais.

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“O projeto fez com que eu olhasse para a maquiagem de forma diferente. Eu tive que me aprofundar mais em cada técnica, mas também percebi que todo esse processo não passa apenas pela questão da aparência, mas também do autocuidado”, comenta a maquiadora.

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Ela nasceu com cegueira

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Evelson de Freitas/BOL
Pâmera nasceu com cegueira por conta de uma retinopatia de prematuridadeImagem: Evelson de Freitas/BOL

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A estudante Pâmera Nátali Rozembrá, 18, nasceu prematura de cinco meses e, por conta de uma retinopatia de prematuridade (o crescimento desorganizado dos vasos sanguíneos que suprem a retina do bebê, descolando-a e causando a cegueira), não desenvolveu a visão. Na infância, a maquiagem não era uma questão em sua vida, até que ela entrou na adolescência.

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“Quando eu fiz 15 anos, eu ganhei muita maquiagem, o que me fez ter mais interesse no assunto. Todas as minhas amigas usam, mas eu fui adquirindo medo de tentar, pois meus olhos são mais sensíveis. Então resolvi me inscrever no curso”, diz.

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De acordo com ela, o projeto é uma forma de se sentir como pessoas videntes: “O curso vai fazer a gente mostrar que tem capacidade e autonomia para fazer a nossa própria maquiagem”, afirma.

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Quero mostrar para o mundo que, mesmo cegas, sem ver as cores, sem nos enxergarmos, nós também queremos nos sentir bonitas para nós e para a sociedade”

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“Eu tenho um pouco de insegurança. Aqui eu tenho ajuda e eu estou me sentindo bonita. É difícil a gente se sentir bonita, mas aqui eu estou me sentindo”, completa.

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Uma nova vida

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Evelson de Freitas/BOL
Elaine Ferreira Maldonado teve descolamento de retina por conta da alta miopiaImagem: Evelson de Freitas/BOL

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Elaine Ferreira Maldonado, de 48 anos, era designer gráfica até os 40 anos, quando teve descolamento de retina por conta da alta miopia. Após dez cirurgias, a profissional acabou tendo perda parcial da visão – hoje ela enxerga vultos com o olho esquerdo e, com o direito, assimila até 10% da visão.

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“Embora tivesse que deixar minha antiga profissão, busquei instituições como a Laramara para fazer todos os cursos possíveis – de técnicas administrativas até massoterapia, minha atual ocupação”, explica.

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De acordo com ela, o início foi mais complicado, pois seu filho tinha apenas quatro anos e era como se ela tivesse desaprendido muitas coisas: “No começo é muito difícil, há um luto, pois é uma perda. Você vai fazer as coisas do dia a dia e não consegue, vai colocar a pasta de dente na escova e não consegue”.

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Para mim, eu não ia conseguir fazer nada. Eu pegava o controle remoto e não conseguia ligar a TV”

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A cada desafio vencido, novas vontades surgiam, como a de se maquiar. “Depois que eu perdi a visão, eu tive mais vontade de aprender maquiagem. Parece que era um novo desafio. Antes de começarem as aulas, fazia muito tempo que eu não me maquiava”, explica.

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Para ela, o novo contato com batons, sombras e lápis de olho é simbólico: “A partir do momento que você começa a se cuidar, você se sente melhor, mesmo que você não enxergue sua aparência como os outros, pois é algo que vem de dentro”.

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Maturidade

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Evelson de Freitas/BOL
Antônia Bruna de Araújo, de 24 anos, nasceu com albinismo, o que provocou a baixa visãoImagem: Evelson de Freitas/BOL

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Antônia Bruna de Araújo, de 24 anos, nasceu com albinismo (condição de natureza genética em que há um defeito na produção pelo organismo de melanina), o que provocou a baixa visão. Com o tempo, ela foi se adaptando, mas o rosto de menina sempre foi uma questão para a jovem.

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“Quando vi a possibilidade de fazer o curso, fiquei interessada. Além de não saber me maquiar, sempre achei que tivesse um rosto de menina. Com as aulas, entendo que posso mudar a imagem que as pessoas costumam ter de mim, mostrar mais maturidade”, diz.

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É meio estranho uma mulher de 24 anos não se maquiar. Acho que a maquiagem vai me dar uma desenvoltura maior”

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Profissional da maquiagem

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Evelson de Freitas/BOL
Maíris Barbosa nasceu com baixa visão após sua mãe contrair rubéola durante a gestaçãoImagem: Evelson de Freitas/BOL

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Maíris Barbosa, de 22 anos, foi aluna da terceira turma do Muito Além da Beleza. A jovem se saiu tão bem que foi chamada para trabalhar como monitora nos cursos seguintes – ela etiqueta e organiza os produtos e destina às novas estudantes.

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A jovem nasceu com baixa visão após sua mãe contrair rubéola durante a gestação. A monitora sempre se interessou pela maquiagem, mas tentava poucas coisas, pois não tinha muita técnica. “Minha irmã me ajudava mais, eu me arriscava apenas num batom, blush”, diz.

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Com o tempo e o aprendizado das aulas, eu que comecei a maquiar as mulheres da minha casa”

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Hoje como ajudante, ela revela que a oportunidade pode torná-la uma profissional da área: “O próximo curso que teremos aqui será de profissionalização. E eu já me inscrevi, pois vejo um futuro para mim”.

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Para ela, descobrir como se maquiar foi, por fim, um divisor de águas em sua vida:

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Quando a gente tem acesso a um curso como este, entendemos que é possível mostrar que somos capazes, que podemos ficar lindas sem precisar da ajuda de ninguém para fazer.”

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Serviço 
Laramara (Associação Brasileira de Assistência à Pessoa com Deficiência Visual)
Contato: (11) 3660-6400
Email: laramara@laramara.org.br
Mais informações no site da Laramara

Evelsond e Freitas/BOL

Curso de automaquiagem tem 15 alunas e uma professora para cada duas delasImagem: Evelsond e Freitas/BOL

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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