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Caso Alinne Araújo: As tragédias do desamor

Saiu no site REVISTA MARIE CLAIRE

 

Veja publicação original:  Caso Alinne Araújo: As tragédias do desamor

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Em sua nova coluna, a comunicadora Barbara Thomaz reflete sobre o suicídio de Alinne Araújo, a crueldade patológica dos usuários das redes, a falta de responsabilidade afetiva e, claro, a própria depressão, doença que vem se alastrando ano após ano

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Por Barbara Thomaz

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Alinne Araújo, influencer conhecida como @sejjesincera tirou a própria vida na última segunda-feira (15), jogando-se do nono andar do prédio onde residia no Recreio dos Bandeirantes, no Rio de Janeiro. Após uma série de eventos traumatizantes, a blogueira que usava suas redes sociais para alertar sobre depressão e ansiedade, perdeu a batalha traiçoeira contra a doença frente à um mundo repleto de desamor e dedos acusatórios.

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No domingo (14), Alinne se casaria com Orlando, porém, no dia anterior, foi informada do término da relação pelo mesmo via WhatsApp. Ainda que consternada, a blogueira e os familiares optaram por celebrar a vida e, num gesto louvável, Alinne causou-se consigo mesma.

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“Vocês sabem a dor de confiar em alguém cegamente, achar que encontrou o companheiro da vida e, um dia antes da celebração do amor de vocês, a pessoa some? Manda uma mensagem pelo WhatsApp e termina todos os sonhos de vocês. Fui pega de surpresa, quis morrer. Ele sempre soube da minha condição e não se importou em como eu estaria. Eu recebi a notícia [enquanto] estava dirigindo, tive uma crise no volante. Poderia ficar aqui chorando, mas tem uma festa linda me esperando, então hoje caso comigo mesma em nome da minha vida nova. Me desejem sorte. Amo vocês”, escreveu em um post.

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Alinne de fato prosseguiu com a cerimônia e fez uma nova postagem com vídeos e fotos que viralizou, atraindo pessoas admiradas com a decisão, bem como uma onda de linchamento virtual, acusando-a de tudo o que você possa imaginar. Os comentários a julgavam por se promover com a situação e fazer drama por biscoitos – os famigerados likes – e houve até quem justificasse a debandada do noivo por suas características físicas, psíquicas e tendências suicidas. No dia seguinte, o desfecho fatal levantou diversas questões. Dentre elas, a crueldade patológica dos usuários das redes, a falta de responsabilidade afetiva de Orlando e, claro, a própria depressão, doença que vem se alastrando ano após ano.

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Atualmente, o Brasil é considerado o país mais ansioso e estressado da América Latina. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), nos últimos dez anos o número de pessoas com depressão aumentou 18,4%, isso corresponde a 322 milhões de indivíduos, ou 4,4% da população da Terra. No Brasil, 5,8% dos habitantes – a maior taxa do continente latino-americano – sofrem com o problema” – alerta Dr. Paulo Carvalho, psiquiatra e psicoterapeuta.

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E completou: “Quanto maior o estresse proveniente do ambiente, maior será a chance do desenvolvimento de quadros depressivos. O ambiente é um dos mais importantes geradores de estresse em nossa vida cotidiana. As mídias sociais fazem, hoje, parte de nossa rotina e, portanto, têm sido identificadas com geradores de ansiedade e depressão. Elas passaram a ser parte do nosso “novo” contexto. A doença caracteriza-se por uma alteração na quantidade de neurotransmissores no cérebro. Além disso, há alguns fatores que influenciam o surgimento da doença tais como: fatores genéticos, gênero (mulheres são mais suscetíveis devido às alterações hormonais e pressões sociais), eventos estressantes, doenças crônicas, situações traumáticas (acidentes, sequestros, violência, abuso sexual, etc), abuso de álcool, drogas e também a idade (idosos têm maior prevalência).

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Em meio ao afã dos acontecimentos, existem duas análises primordiais que precisamos fazer enquanto sociedade. A primeira delas é sobre como o coletivo covardemente atua como um rolo compressor da dignidade humana. Escondendo-se atrás das telas, a violência humana sente-se muito à vontade na dinâmica das relações em rede e seu suposto anonimato em meio à multidão. O resultado são interações desumanas e inconsequentes, como se o que é proferido na virtualidade não tivesse qualquer consequência no plano concreto de cada vida do outro lado da tela.

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A segunda, um pouco mais delicada e polêmica, é sobre a autorresponsabilidade de nossa felicidade. A busca desenfreada por validação e acolhimento por meio das mídias sociais nos deixa expostos e mais suscetíveis aos requintes de crueldade e psicopatia de uma massa descontrolada e irracional. Esse eixo narrativo individual não deveria ser delegado tão facilmente a terceiros. No entanto, estamos reféns do nosso próprio tempo e manter a autonomia e a sanidade tem sido um esforço hercúleo diante do mindset dos números.

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Ainda que o show de horror do linchamento virtual e a frieza do noivo ao término da relação exponham problemáticas urgentes, a decisão de tirar a própria vida foi dela. Chegamos em uma encruzilhada onde o que é de trato coletivo se mistura com o indivíduo e vice-versa.

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“Não há responsabilidade direta dos haters ou do noivo quanto ao trágico desfecho deste processo da Alinne. Um suicídio pode acontecer por razões impulsivas ou com o agravamento de um quadro depressivo. Se considerarmos que a responsabilidade afetiva é o mesmo que reciprocidade amorosa, temos de encarar que as pessoas não serão capazes de realizar todos os nossos desejos e, portanto, podemos nos decepcionar e teremos de lidar com o fato de que a realidade das relações é diferente do que costumamos fantasiar. O importante é assumir a responsabilidade e procurar ser honesto/a quanto aos seus sentimentos, evitando assim possíveis danos na relação com o outro/a.” – acrescenta Paulo.

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O empresário Orlando Costa – o noivo – fez uma breve postagem quebrando o silêncio.
“Eu tô tentando escrever, assim que tiver forças eu explico melhor, só posso adiantar que eu não existo mais, estou acabado”, escreveu ele. A postagem, curtida mais de 25 mil vezes até esta manhã, recebeu milhares de comentários, entre críticas e mensagens de apoio. Momentos depois, ele tornou o perfil privado.

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Orlando, fez bem em se proteger nesse momento, pois o linchamento é um monstro insaciável. Troca de alvo e segue engolindo vidas mas não muda sua missão: achar culpados para as doenças que a própria sociedade alimenta.

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Importante: esta colunista, bem como a Marie Claire Brasil, pedem encarecidamente para que você, leitora, esteja atenta aos sinais de depressão e procure ajuda especializada o quanto antes para que o quadro seja revertido. Depressão não é frescura e esperamos que juntas possamos formar uma rede positiva de informação, valorização à vida e acolhimento. Você não está sozinha!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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