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Brasileiras se destacam nas telas de Cannes

Saiu no site CORREIO BRAZILIENSE

 

Veja publicação original:  Brasileiras se destacam nas telas de Cannes

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Diretoras estreantes em longas e um filme com Fernanda Montenegro trazem brilho extra para a cinematografia nacional com temática atrelada a mulheres

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Por Ricardo Daehn

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Com a 72ª edição do Festival de Cannes em andamento, dois filmes nacionais selecionados para o evento — A vida invisível de Eurídice Gusmão e Sem seu sangue — chamam a atenção, pinçados para mostras paralelas da vitrine mundial do cinema que, no grupo de concorrentes à Palma de Ouro, traz ainda a produção brasileira Bacurau (dos pernambucanos Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles). Em comum, todos os longas destacam figuras centrais fortes e decisivas nas narrativas. No mesmo caso está Mormaço, filme nacional assinado pela cineasta Marina Meliande, e que chega ao circuito de exibição no Cine Brasília, nesta semana. Bacurau traz Sonia Braga no elenco, enquanto A vida invisível de Eurídice Gusmão tem Fernanda Montenegro em participação especial.

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Baseado, em parte, em história real, Mormaço trata da resistência em torno da permanência de uma comunidade carioca no território ocupado. “As pessoas que se organizavam nessa resistência eram em sua grande maioria mulheres que estão ligadas a esse sentimento de territorialidade com muita força e lidam com isso como algo sagrado, a ser preservado”, comenta Marina Meliande. Protagonizado por Marina Provenzzano (O grande circo místico), Mormaço, primeiro longa solo de Meliande, conquistou prêmio da crítica, no Festival de Cinema Luso-Brasileiro de Santa Maria da Feira (Portugal), além de ter recebido menção honrosa no Festival do Rio. No filme, Marina vive a defensora pública Ana, que, com a chegada dos Jogos Olímpicos do Rio, vê os moradores de Vila Autódromo deixarem as casas, dado o tom de ameaça do Estado, num jogo montado para especulação imobiliária.

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Legalizada, a comunidade é absorvida por uma ambientação fantástica. “Acho que o poder feminino, o corpo feminino e as personagens mulheres são míticas no filme”, avalia a diretora, conhecida por feitos como o de, há nove anos, ter participado (ao lado do colega Felipe Bragança) da Quinzena dos Realizadores (em Cannes), com o filmeA alegria. É nessa mesma mostra de Cannes (evento a ser encerrado no sábado) que será mostrado, na próxima quinta, o longa de estreia da carioca Alice Furtado Sem seu sangue, com quatro profissionais mulheres como coprodutoras.

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Desejo

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Antes de um terrível acidente narrado na trama, a jovem Sílvia (Luiza Kossovski) é quem lidera uma mudança de rotina, na escola, ao se apaixonar por Artur (Juan Paiva), um rapaz hemofílico que não conseguiu se fixar no quadro de alunos de nenhum colégio.

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“A Sílvia assume frontalmente o seu desejo e luta por ele, e isso já a coloca num lugar pouco visto”, comenta Alice Furtado. Imersa num universo adolescente, a protagonista traz um tanto de inconsequência nos atos, além de uma dose de voluntarismo, e são desses elementos, como explica a diretora, que brota uma carga sombria para a personalidade da personagem. “Sílvia é uma menina que afronta o horror e o medo em nome do desejo. Nesse sentido, é sim uma mulher poderosa, uma bruxa no bom sentido”, completa.

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Saudada, por muitos leitores, como uma obra capaz de ridicularizar o machismo, o livro A vida invisível de Eurídice Gusmão, que marcou o despontar da pernambucana Martha Batalha nas letras, serviu de base para o filme homônimo, o sétimo na carreira do cearense Karim Aïnouz, a ser reprisado hoje, na programação do Festival de Cannes. “Quando li o livro pela primeira vez me dei conta que a história da maior parte de mulheres, como minha mãe, minha avó, minhas tias-avós, não havia sido narrada o suficiente — foram vidas cheias de adversidades e conquistas, mas que, de alguma maneira, haviam permanecido invisíveis. E o livro conta isso — o romance não só relata de maneira contundente como foi ser mulher naquela época, dos anos de 1940, mas faz com que a gente mergulhe no passado para entender o presente, o complicado presente o qual estamos vivendo”, comenta Karim, em entrevista ao Correio.

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“Boas esposas”

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A vida invisível, previsto para ser lançado no Brasil em novembro, marca a estreia em cinema das atrizes Carol Duarte e Julia Stockler, selecionadas em testes junto a 300 candidatas. Na trama, Eurídice (Carol) é uma dona de casa, considerada exemplar, no tempo em que a criação das mulheres previa futuras “boas esposas”. Até piano ela tocava. Já Guida (Julia), que pretende casar e ter filhos, some na trama, criando um imbróglio no seio familiar de um pai de origem lusitana e conservadora. Fernanda Montenegro vive a Eurídice mais velha.

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Formado em arquitetura pela Universidade de Brasília (UnB), Karim Aïnouz (de sucessos como Praia do Futuro) conta que se valeu da fusão entre urbe e floresta, no Rio de Janeiro, para ambientar um melodrama “tropical e de cores fortes”. Gravidez inesperada, hábitos que antecederam a revolução sexual, cargas de violência e injustiça povoam o livro de Martha Batalha, um sucesso na Feira de Frankfurt de 2015, que inclui personagens que vão de fofoqueira a ex-prostituta.

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Contando com Gregorio Duvivier no elenco e com a diretora de fotografia francesa Hélène Louvart (que trabalhou com mestres como Wim Wenders e Agnès Varda), Karim Aïnouz não deixa de se derreter, quando o assunto é Fernanda Montenegro. “Trabalhar com ela não somente é uma honra enorme, mas também a confirmação de que se há alguém que representa o Brasil de forma sublime — é Fernada. Uma atriz e uma pessoa gigante, de coração generoso e inteligência aguda. Foi também a realização um sonho — desde que pensei em fazer cinema sonhava em filmar com ela, em estar perto dela. É revigorante, uma experiência incrível viver de perto a sua criatividade”, conclui.

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Qual a afinação com os escritos de Martha Batalha, a ponto do interesse pela adaptação?

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Tivemos inspiração no romance escrito pela Martha. O longa se baseia essencialmente nas personagens centrais do livro, as irmãs Guida e Eurídice, e no drama vivido pelas duas. A trama foi alterada mas a essência do livro, as personagens e o contexto, são os mesmos. O ponto de interesse principal parte do fato de que o romance tem muitas semelhanças com o contexto onde fui criado — uma família liderada por mulheres, o Nordeste, nos anos 1950 e 1960. Um contexto profundamente machista onde ser mulher era um desafio cotidiano, mas um desafio encarado com graça e sabedoria.

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Podemos esperar um filme apoiado em ideias de empoderamento feminino?

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Podemos esperar um filme contra o machismo, e acima de tudo antipatricarcal na sua essência. O filme vem como uma crítica ao patriarcado como fonte de uma volta a um conservadorismo tóxico que vivemos nos nossos dias. Mas ao mesmo tempo é uma celebração da resistência feminina.

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O poder feminino é algo quase mítico em Mormaço, não?

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Acho que sim, eu sempre quis trabalhar com protagonismos femininos. Para mim, a ideia de resistência está muito ligada às figuras femininas e isso foi algo que encontrei muito forte na Vila Autódromo. As pessoas que se organizavam nessa resistência eram em sua grande maioria mulheres, que estão ligadas a esse sentimento de territorialidade com muita força e lidam com isso como algo sagrado, a ser preservado. São mulheres que têm uma relação muito forte com essa noção de território. E no caso da Ana, que é uma personagem fictícia e que no filme chega a ter relação com elementos mais fantásticos, eu gosto de pensar na ideia do corpo dela como uma espécie de território e de lugar de resistência, e a reação do corpo, essa metamorfose que ela vive – que alguns vão enxergar como doença e outros como resistência — como uma possibilidade de transformação do corpo feminino em algo que a gente ainda não conhece, uma utopia.

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Como percebe as similaridades entre teu filme e fitas como Aquarius O som ao redor, do Kleber Mendonça Filho?

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Eles se comunicam, em dada instância? O Mormaço está sendo escrito desde 2012, acho que foi escrito paralelamente ao Aquarius. Acho que os dois filmes foram elaborados em momentos parecidos, porque o Brasil vivia em capitais diferentes processos parecidos. Claro que Recife, Rio, Brasília, Belo Horizonte têm histórias muito diferentes e particularidades, mas todas essas capitais viveram a Copa do Mundo e os processos muito intensos de especulação imobiliária entre 2010 e 2015. Então, eu acho que são narrativas que se repetiram de alguma forma, questões urbanas que se repetiram em capitais diferentes em momentos muito próximos.

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QUADRO

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Elas brilharam na França

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Eliane Lage

Estrela de Caiçara, filme concorrente de 1950, que tratava de amor e de preconceito contra que tem hanseníase

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Glória Menezes

Foi a estrela do filme O pagador de promessas (1962), de Anselmo Duarte, que venceu a Palma de Ouro

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Odette Lara e Norma Bengell

No filme Noite vazia (1965), incursão de Walter Hugo Khouri pelo mundo dos desejos femininos, a dupla de estrelas esbanjou talento

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Betty Faria

Com viagem prevista para desembocar em Brasília, Bye Bye Brasil (1980) foi dos filmes de Cacá Diegues a concorrer pela Palma de Ouro

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Zezé Motta e Vera Fischer

No filme em torno do príncipe Ganga Zumba, Quilombo (1984), estrelas de altíssimo quilate estiveram nas telas

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Sonia Braga

Foram dois os excelentes momentos em Cannes: com a polêmica em torno de Aquarius (2016) e com o premiado filme de Hector Babenco O beijo da mulher aranha(1985)

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Fernanda Torres

Magistral, ao lado de Thales Pan Chacon, a estrela faturou prêmio de melhor atriz, por Eu sei que vou te amar (1986)

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Sandra Corveloni

Foi na codireção de Daniela Thomas e Walter Salles, para Linha de passe (2008), que Sandra brilhou, e foi considerada melhor atriz em Cannes, no papel da batalhadora mãe da trama

 

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