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A faxineira de universidade britânica submetida à escravidão pelo marido

Saiu no site UNIVERSA:

 

Veja publicação original: A faxineira de universidade britânica submetida à escravidão pelo marido

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Por Anna Collinson

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Uma linha telefônica do governo britânico criada para receber denúncias de trabalho escravo contemporâneo tratou de casos envolvendo 5 mil potenciais vítimas em seu primeiro ano de operação.

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O serviço foi criado em outubro de 2016 para ajudar pessoas como Sara*, que aceitava trabalhar até 20 horas por dia como faxineira em uma universidade no Reino Unido, sem que ninguém percebesse, porque temia pela vida dos filhos.

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Sua história, exibida no programa Victoria Derbyshire, da BBC, é contada a seguir:

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São 9h e Sara esfrega os corredores da faculdade onde trabalha, enquanto os alunos chegam.

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Ela olha a cena desejando poder, assim como eles, estudar um dia, ou usar roupas boas e maquiagem.

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Mas parece uma realidade distante.

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Ela já está no trabalho há seis horas e seu dia pode não terminar até as 23 horas – sem intervalo.

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E não receberá um só centavo por isso. O marido, que a levara ao país com a ajuda de traficantes de pessoas, gastará seu salário.

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Sara foi durante anos vítima da chamada escravidão moderna, expressão usada para identificar as situações em que alguém é submetido a trabalho forçado, tem a liberdade restrita e não recebe pagamento.

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Antes de ser resgatada, ela trabalhava todos os dias sob o olhar de professores e alunos sem que eles desconfiassem de sua situação. Ninguém percebeu que havia algo errado.

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Ela também não diria nada – já que fora advertida que seus filhos, que não via desde que fora traficada de seu país de origem, seriam mortos se ela contasse sua história.

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“Como mãe, como eu poderia me perdoar se visse meus filhos serem mortos?”, pensa ela, sentindo-se aprisionada.

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Era difícil ver uma saída.

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Tornando-se “livre”

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É assim que Sara se lembra do tempo em que foi submetida a trabalho escravo, que acabou somente poucos anos atrás.
Não estamos usando o nome verdadeiro dela nesta reportagem pois seus traficantes ainda estão foragidos, possivelmente no Reino Unido.

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Sara foi escravizada aos 16 anos por seu marido, poucos dias depois do casamento, e forçada a trabalhar primeiro em seu país de origem e, depois, no Reino Unido.

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Ela viveu nessa situação por mais de 20 anos.

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Estava constantemente cansada e deprimida. Seus pés, sempre inchados, sangravam. Depois de anos de trabalho, ela desenvolveu artrite.

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No chão do depósito frio e vazio que dividia com outras pessoas, em sua maioria mulheres, ela dificilmente conseguia dormir por causa dos pesadelos.

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Mas, temendo a morte de seus filhos, aguentou a situação – e só decidiu fugir quando sentiu que não tinha outra escolha.

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Àquela altura, ela havia se tornado incapaz de andar – com as pernas escuras de hematomas após cair no trabalho – e tinha, efetivamente, sido deixada para morrer por seus traficantes.

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Com a ajuda de uma amiga, entretanto, conseguiu escapar.

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Fez contato com o Home Office, o Ministério do Interior britânico, e foi imediatamente transferida para um abrigo com a ajuda do Exército da Salvação e, em um primeiro momento, da Black Country Women’s Aid, uma instituição de caridade independente que apoia sobreviventes de violência doméstica ou sexual.

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Foi o começo de uma vida nova, embora ainda tivesse muitos obstáculos a serem superados.

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“Como um dia de Natal”

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Sara, compreensivelmente, estava relutante em deixar o esconderijo, com medo de que os traficantes de alguma forma a encontrassem.

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“Eu não saía havia três dias. Estava apavorada”, diz ela.

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“Mas então alguém disse que eu não estaria sozinha, então eu decidi sair. E então fiz isso de novo e de novo.”

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E depois de anos em um estado perpétuo de medo, ela diz que “lentamente voltou a respirar”.

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Também foi a primeira vez que ela pode gastar seu próprio dinheiro no Reino Unido.

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Antes, o marido, que foi quem arrumou o emprego para ela na faculdade, era quem recebia seu salário.

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“A primeira coisa que comprei foram absorventes”, lembra Sara. “Foi muito especial, porque, antes, quando eu menstruava, tinha que usar minhas roupas como proteção, e elas ficavam muito sujas”.

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“Foi como um dia de Natal”, descreve ela.

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Sara é uma pessoa calorosa e divertida.

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Ela se lembra de ter visto a série de TV britânica Downton Abbey para aprender a falar inglês – e diz que uma das primeiras palavras que aprendeu foi “realmente”.

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Foco no problema

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Sara está compartilhando sua experiência para chamar a atenção para a escravidão moderna.

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Anne Read, do Exército da Salvação, diz que a história dela “mostra, de forma poderosa, a terrível realidade de que a escravidão moderna está acontecendo debaixo dos nossos narizes em todos os cantos do país”.

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Estima-se que pelo menos 13 mil vítimas vivam hoje em cidades da Grã-Bretanha.

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“As formas pelas quais pessoas vulneráveis são exploradas para lucros de terceiros são limitadas somente pela imaginação do traficante”, diz Anne.

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O sentimento é compartilhado pela Agência Nacional do Crime, segundo a qual o público “muitas vezes verá potenciais vítimas da escravidão moderna” trabalhando em lava jatos, fábricas, como manicures, em zonas agrícolas e de pescaria, entre outros lugares.

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A Unseen, linha telefônica do Reino Unido que trata de denúncias de escravidão moderna, disse ao programa Victoria Derbyshire que recebeu 3.710 chamadas em seu primeiro ano – com casos envolvendo 4.886 potenciais vítimas de 94 países diferentes.

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“Há sempre esperança”

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Apesar de tudo o que passou, Sara está determinada a aproveitar ao máximo sua liberdade.

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Mas ela ainda está separada de seus filhos – agora já adultos.

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Sempre que fala sobre eles, ela chora.

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“Quando não estou pensando sobre o que aconteceu, me sinto livre. Mas, de alguma forma, não sou livre. O medo ainda está no meu coração”, diz ela.

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“Eu quero voltar para o meu país e ficar com meus filhos. Mas, se fizesse isso, colocaria tudo em risco”, diz ela. Acredita-se que seu marido esteja em seu país de origem.

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Alguns aspectos da vida dela tiveram grande melhora.

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Depois de anos vendo os outros estudarem, Sara obteve algumas qualificações e espera ir para a universidade.

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“Eu quero mostrar às pessoas que há sempre esperança”, diz ela.

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“Você só precisa de uma chance – e a ajuda vai te encontrar.”

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*Nome fictício

 

 

 

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